Conselho da Faculdade de Direito da UnB emite nota onde condena conduta ‘omissa e complacente’ de Aras na PGR

“Atitudes omissas como as que vêm caracterizando a conduta do Procurador-Geral da República atentam contra os valores da Universidade, conspurcam nossa consciência crítica e depõem contra nossas melhores tradições democráticas”. Colegiado reúne professores, servidores e representantes de alunos da faculdade, onde procurador-geral da República atua como docente. PGR disse que não vai se manifestar.

Por Pedro Alves, G1 DF

O Conselho da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) publicou, nesta segunda-feira (23), uma nota onde condena o que chama de conduta “omissa e complacente” de Augusto Aras à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR), diante das “constantes investidas que o atual governo tem feito contra o sistema eleitoral brasileiro, os Poderes da República e a estabilidade constitucional”.

O colegiado reúne professores, representantes dos servidores técnico-administrativos e de alunos da faculdade, onde Aras é professor desde 2007. Atualmente, ele está licenciado para se dedicar ao Ministério Público Federal (MPF).

Questionada sobre a nota, a PGR disse que “não se manifestará sobre o caso”.

A nota

No texto (veja íntegra ao fim da reportagem), o Conselho da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília afirma que “para além das tentativas de intimidação das instituições democráticas, o Presidente da República tem acenado quase diariamente com indicativos de ruptura institucional, chamando, inclusive, as Forças Armadas a sustentar seu discurso autoritário e obscurantista”.

Segundo o grupo, “no quadro de grave crise política, econômica e social que o País hoje atravessa, caberia ao Ministério Público (MP) manifestar-se de forma enérgica contra os posicionamentos do Presidente da República”.

“Frente à escalada de ameaças à ordem constitucional e democrática, é inadmissível que o Ministério Público, e em especial o Procurador-Geral da República (PGR), transija ou se mantenha inerte, deixando de cumprir seu indeclinável dever de defender o Estado Democrático de Direito”, diz a nota.

Ainda segundo o documento, o “estranhamento mais se acentua” pelo fato de a PGR ser comandada por “um professor desta Faculdade que vem deixando de praticar, ou vem retardando, atos que são dever de ofício do elevado cargo que ocupa, o que, no final das contas, atende apenas aos propósitos do Presidente da República em sua postura permanente de investir contra as leis e o equilíbrio institucional”.

“Atitudes omissas como as que vêm caracterizando a conduta do Procurador-Geral da República atentam contra os valores da Universidade, conspurcam nossa consciência crítica e depõem contra nossas melhores tradições democráticas. A independência do Ministério Público, assim como a atuação profissional dos docentes da Faculdade de Direito da UnB, estejam onde estiverem, deve se pautar sempre pela independência e pelo permanente empenho em fazer valer os princípios constitucionais”, diz a nota.

Véspera de sabatina

O posicionamento contrário ao PGR ocorre na véspera da sabatina de Augusto Aras para mais um mandato à frente do órgão. Ele será ouvido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado a partir das 10h desta terça-feira (23). Caso seja aprovado na Casa, Aras permanece na PGR por mais dois anos.

O relator da matéria na CCJ, senador Eduardo Braga (MDB-AM) emitiu parecer, nesta segunda, dizendo que o procurador reúne os requisitos necessários para ser reconduzido ao cargo.

Também nesta segunda, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes arquivou um pedido feito por senadores para investigar Augusto Aras por prevaricação, ou seja, “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

Segundo os senadores Alessandro Vieira (Cidadania) e Fabiano Contarato (Rede), Aras teria prevaricado por ter deixado de atuar em relação a ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral, por não defender o regime democrático e não fiscalizar o cumprimento da lei no enfrentamento à pandemia.

No entanto, Moraes entendeu que os elementos apresentados pelos senadores não justificavam o envio do caso ao Conselho Superior do Ministério Público, a quem cabe apurar supostas condutas irregularidades dos membros do MP.

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Confira a íntegra da nota de repúdio publicada pelo Conselho da Faculdade de Direito da UnB:

Nota do Conselho da Faculdade de Direito da UnB

O Conselho da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, que reúne os docentes e representantes do corpo discente e dos servidores técnico-administrativos da Faculdade, vem manifestar sua veemente condenação à postura omissa e complacente que a Procuradoria-Geral da República vem adotando frente às constantes investidas que o atual governo tem feito contra o sistema eleitoral brasileiro, os Poderes da República e a estabilidade constitucional.

Para além das tentativas de intimidação das instituições democráticas, o Presidente da República tem acenado quase diariamente com indicativos de ruptura institucional, chamando, inclusive, as Forças Armadas a sustentar seu discurso autoritário e obscurantista.

No quadro de grave crise política, econômica e social que o País hoje atravessa, caberia ao Ministério Público (MP) manifestar-se de forma enérgica contra os posicionamentos do Presidente da República, pois o papel que cabe ao MP na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, emana do texto literal da Constituição (art. 127, § 1º).

Frente à escalada de ameaças à ordem constitucional e democrática, é inadmissível que o Ministério Público, e em especial o Procurador-Geral da República (PGR), transija ou se mantenha inerte, deixando de cumprir seu indeclinável dever de defender o Estado Democrático de Direito.

Nosso estranhamento mais se acentua por termos, à frente dos destinos da Procuradoria-Geral da República, um professor desta Faculdade que vem deixando de praticar, ou vem retardando, atos que são dever de ofício do elevado cargo que ocupa, o que, no final das contas, atende apenas aos propósitos do Presidente da República em sua postura permanente de investir contra as leis e o equilíbrio institucional.

Soma-se a esse procedimento inaceitável a decisão do PGR de processar criminalmente professor universitário por críticas dirigidas à sua atuação, o que implica a tentativa de cercear a liberdade acadêmica que deveria ele ser o primeiro a prestigiar.

A defesa da ordem jurídica e do respeito à Constituição é dever de todos os membros da comunidade acadêmica da UnB – Universidade que teve, em seu nascedouro, a presença de nomes como Victor Nunes Leal, Waldir Pires, Machado Neto, Roberto Lyra Filho, Ieda Santos Delgado e tantos outros homens e mulheres que dedicaram suas vidas à causa da democracia e do direito.

Atitudes omissas como as que vêm caracterizando a conduta do Procurador-Geral da República atentam contra os valores da Universidade, conspurcam nossa consciência crítica e depõem contra nossas melhores tradições democráticas. A independência do Ministério Público, assim como a atuação profissional dos docentes da Faculdade de Direito da UnB, estejam onde estiverem, deve se pautar sempre pela independência e pelo permanente empenho em fazer valer os princípios constitucionais.

Brasília/DF, 23 de agosto de 2021.”

Foto: Sérgio Lima

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