“A mata vai chegando e a gente vai saindo pra dar lugar a ela”: Por que o ICMBIO não enxerga as práticas de autossustentação do Povo Pataxó do Território Comexatibá?

Paulo de Tássio Borges da Silva*, em Combate Racismo Ambiental

“A mata vai chegando e a gente vai saindo pra dar lugar a ela”, essa foi a frase proferida pelo Sr. Baiara, atual vice Cacique da Aldeia Pequi, em uma das minhas visitas à comunidade. Uma simples frase que ilustra a relação do Povo Pataxó com a Mata Atlântica e outros biomas no Extremo Sul da Bahia.

A Aldeia Pequi está situada no Território Comexatibá, também conhecido como Território Kaí-Pequi, sobreposto pelo Parque Nacional do Descobrimento. A Aldeia mudou-se há mais de 3 anos para uma terra fora do parque, sendo a área da antiga aldeia destinada ao plantio para a subsistência e pequenos extrativismos como a coleta de mangaba e a panha de aroeira, sendo necessário registrar que a maioria destas mudas de aroeira foram plantadas pela comunidade.

Na comunidade está localizada a sede da Escola Estadual indígena Kitok Tânara, que carrega em seu nome mais uma vez a relação da comunidade com a Autossustentação. Seu nome é oriundo de um projeto pedagógico desenvolvido pelo então professor de cultura da comunidade em 2011, Voltaíris, conhecido como Piro Pataxó. Kitok significa criança e Tânara natureza em Patxohã, língua do Povo Pataxó. O projeto consistia num trabalho de reflorestamento da Mata Atlântica com crianças da comunidade, que naquela altura possuía um anexo da Escola Estadual Indígena Kijetxawê Zabelê. As crianças tinham no currículo escolar a produção de mudas e o plantio nas áreas desmatadas ao redor da aldeia, oriundas de queimadas irregulares antes da comunidade ali se instalar.

Diante da ação judicial de reintegração de posse movida pelo ICMbio contra os Pataxó do Território Comexatíbá, fato que ganhou a mídia no último mês, só temos como reflexão: o não diálogo deste órgão com as práticas de manejo e autossustentação desenvolvidas nas aldeias do Território Comexatibá. A ação impetrada pelo ICMbio transitou durante 10 anos, sendo julgada em 2015, o que demonstra que nestes 10 anos, a cegueira do racismo ambiental ideologizado pelo “mito da natureza intocável” não permitiu percebere que os Pataxó sempre estiveram nesta região, promovendo autossustentação no que hoje é denominado de Parque Nacional do Descobrimento.

No recente livro “A Queda do Céu” de Davi Kopenawa e Bruce Albert (2015), além de denunciar a espoliação dos territórios indígenas, Davi Kopenawa levanta a consideração pertinente sobre o racismo ambiental do ICMbio com os Pataxó do Território Comexatibá:

Na floresta, a ecologia somos nós, os humanos. Mas são também, tanto quanto nós, os Xapiri, os animais, as árvores, os rios, os peixes, o céu, a chuva, o vento e o sol! É tudo o que veio à existência na floresta, longe dos brancos; tudo o que ainda não tem cerca. As palavras da ecologia são nossas antigas palavras, as que Omama [o demiurgo Yanomami] deu a nossos ancestrais. Os Xapiri defendem a floresta desde que ela existe. Sempre estiveram do lado de nossos antepassados, que por isso nunca a devastaram. Ela continua bem viva, não é? Os brancos, que antigamente ignoravam essas coisas, estão agora começando a entender. É por isso que alguns deles inventaram novas palavras para proteger a floresta. Agora dizem que são a gente da ecologia porque estão preocupados, porque sua terra está ficando cada vez mais quente. […] Somos habitantes da floresta. Nascemos no centro da ecologia e lá crescemos.

O racismo ambiental do ICMbio com os Pataxó do Território Comexatibá não demonstra apenas o desconhecimento das práticas de manejo e autossustentação deste povo, mas uma total ignorância dos conhecimentos que perpassam o “perspectivismo ameríndio” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002) da população indígena brasileira. Neste sentido, cabe bem lembrar, como fez Davi Kopenawa, que “na floresta, a ecologia somos nós, os humanos”. E cabe ao Povo Pataxó ser consultado e ouvido na gestão dos seus territórios.

*Doutorando em Educação pelo Proped/UERJ, professor substituto na Faculdade de Educação da UERJ e professor na Licenciatura Intercultural Indígena Tupinikim e Guarani – UFES.

Imagem: Vice Cacique Baira – Foto: Rafael Luz.

Comments (2)

  1. Olá, José Truda!
    Primeiro, não há invasão aos parques, uma vez que os mesmos que sobrepõem os territórios indígenas e não ao contrário. Segundo, o conflito territorial perpassa o ICMbio em conflitos de legislação do SNUC que ferem a Constituição Federal nos Artigos 210, 231 e 232. Acredito que o diálogo é possível com o ICMIbio desde que ocorra uma gestão compartilhada dos parques e estes deixem de ser Unidades de Conservação Integrais e passem a ser Unidades de Conservação Extrativistas, não se esqueçam que o Povo Pataxó sempre esteve nestas matas, e não foram eles que destruíram, vamos voltar o olhar para as serrarias que eram o motor desta região, bem como a monocultura do eucalipto, do mamão, áreas de pastagem, entre outros. Acredito que o ICMbio colaborariam em muito se fiscalizassem o fechamento das passagens para as praias na região por fazendeiros e pousadeiros, o que impede ou dificulta o acesso de pescadores tradicionais, inclusive Pataxó, para o mar. Ah, não se esqueça que o mar também é território Pataxó, e as Resex’s pouco diálogo tem com os pescadores e marisqueiras Pataxó.
    Se desejas conhecer as experiências de autossustentação nas comunidades Pataxó, dê uma ida nas aldeias e verás reflorestamento, sistema agroflorestal, agroecologia, e experiências maravilhosas e premiadas como a Reserva da Jaqueira e Aldeia Velha.

  2. “A Mata vai chegando” seria de rir não fosse o assunto tão triste. A mata QUE RESTA precisa ser preservada a todo custo, até para que continue prestando serviços ambientais aos “pataxós” seus vizinhos. É uma vergonha essa politicagem, essa demagogia de se estimular a invasão dos míseros Parques Nacionais no que resta de Mata Atlântica pra tentar desafogar o conflito social no sul da bahia. Por que é que não lutam pra desapropriar os latifúndios e entregá-los aos “pataxós”, ao invés de promover a invasão e a degradação dos últimos remanescentes florestais nativos? basta!

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