Há formas e formas de genocídio: Indígena Waiãpi denuncia o descaso e abandono da Saúde Indígena

Nota: o texto abaixo nos foi encaminhado como uma sugestão de publicação e um link para o blog de Ysani Kalapalo, onde ele estava disponível. No final da denúncia, Silvia Nobre Waiãpi cita, como pode ser visto, depoimento por ela prestado em audiência mista realizada pelas Comissões de Direitos Humanos do Senado e da Câmara, no dia 05/08/2014. Fui verificar. Não há como publicarmos aqui a íntegra da transcrição da audiência, mas ela sem dúvida merece a atenção de todas as pessoas comprometidas com os povos indígenas e pode ser acessada AQUI. (TP). 

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Meu nome é Silvia Nobre Waiãpi, sou filha do Cacique Seremeté Waiãpi e de Pupira Waiãpi e irmã do professor indígena Kasiano Waiãpi que moram na aldeia Ytapé, cujo trajeto de barco a motor dura 8 horas até o polo de saúde mais próximo que fica na aldeia Aramirã em Terra Indigena Waiãpi no Município de Pedra Branca do Amapari/Amapá. Sou Militar – Tenente do Exército Brasileiro – primeira mulher indígena a ser Oficial das Forças Armadas no Brasil; fui indicada juntamente com os indígenas Almir Suruí, Davi Kopenawa, Megaron Txucarramãe, Ysani Kalapalo e Raoni Metuktire ao Prêmio Nobel da Paz/2013.

Em novembro de 2013 estive no Amapá para recebimento de Comenda Militar “Mérito do Forte São José”, quando tomei conhecimento de tratamento indigno dado aos indígenas, bem como casos de violações de direitos humanos, tratamento vexatório. Tomei providencias no sentido de amparo material, medicamentoso aos indígenas internados, bem como jurídico onde já tramitava denuncia registrada no MPF-AP sob o numero 1.12.000.000.498/2013-67.

Eis que devido a gravidade das denúncias realizadas por mim à Comissão de Direitos Humanos, foi aprovada Audiência Publica nº66 de 2014-CDH – de autoria do Senador João Capiberibe, aprovada em 16/07/2014 e realizada no dia 05/08/2014.

Os casos denunciados não foram resolvidos, sendo que um dos pacientes indígena negligenciados, teve seu caso agravado e corre risco de morte. O Indígena Ripé Waiãpi foi submetido a cirurgia em 2013 e todas as intervenções como curativos, e cuidados de saúde foram realizados em maca enferrujada, e de forma contaminada, o que gerou uma infecção na incisão cirúrgica, pois os procedimentos de curativos não eram realizados de forma estéril. Este caso foi denunciado com fotos, e também que foram entregues no dia da audiência.

Várias desculpas foram dadas pelo Sr. Antonio Alves (SESAI) e a culpa como sempre sendo colocada no
próprio indígena pela diferença cultural, ou a desculpa de que “índios são alcoólatras”.

Infelizmente a falta de comprometimento com a vida e a falta de compromisso com a função e cargo que ocupa tem gerado vários transtornos e danos à vida de indígenas. Algumas das denúncias apresentadas foram consideradas recorrentes pelos parlamentares. Mas algumas das situações denunciadas como, por exemplo, o aguardo por meses para a realização de um procedimento cirúrgico, o descumprimento de práticas médicas adequadas, o pouco interesse em agilizar o tratamento de saúde na rede SUS ou a precariedade do transporte entre as aldeias e a capital podem ter precipitado a morte de indígenas.

No ano de 2015 em novembro, meu pai Cacique Seremeté Waiãpi realizou uma expedição na floresta, para achar um lugar onde tivesse caça e fundar nova aldeia, eis que os vários dias andando na mata precipitaram o agravamento com dor incapacitante geradas por cálculo na vesícula. Vários apelos e pedidos de resgate via rádio foram realizados por indígenas aldeados e por mim através de rede social, o que culminou no seu resgate por helicóptero. Pedi licença no trabalho para acompanhar o tratamento de saúde do meu pai, pois já haviam passados 15 dias após o resgate e o mesmo não havia sido operado ou realizado exames.

Sabendo que sempre colocam culpa no sistema saúde, mesmo sem conhecer a Capital Amapaense, fui ao Hospital de emergência e no mesmo dia 11/12/15 meu pai realizou todos os exames para cirurgia: RX, Eletrocardiograma, Exames de Sangue, Coagulograma, no dia 14 eu mesma o levei ao hospital publico para consulta com cardiologista, que fora contactado por mim e anestesista dia 15/12/15 (também por mim contactado) para avaliação e liberação do risco cirúrgico, para que a cirurgia pudesse ser agendada. No mesmo dia consegui levá-lo para consulta com Cirurgião, que após a avaliação, imediatamente marcou a cirurgia do meu pai para dia 21/12/15, para que desse tempo para realização do exame e liberação do resultado de sangue oculto nas fezes, para que o procedimento fosse realizado.

Meu pai foi operado e passa bem, porém foi necessário o meu deslocamento do Rio de Janeiro até Macapá para que tudo fosse feito, pois não vi nenhum comprometimento da CASAI em agilizar o caso do meu pai e de outros pacientes; pois toda a culpa sempre é colada no SUS, o que não foi testemunhado por mim, sendo observado o descaso da Coordenação do DSEI/CASAI com a saúde dos indígenas. Sendo a questão da Saúde Indígena ser vista de forma diferenciada e especial foi criado a Secretaria de Saúde Indígena, justamente para que essa população pudesse ser atendida de forma eficaz, não podendo a responsabilidade ser apenas do SUS, pois para isso existe o Governo Federal criou a SESAI para constante interação e cuidado.

Fui até a aldeia Aramirã no dia 18 e no dia 19 de dezembro deparei-me com uma situação precária e risco de morte que se encontra o indígena Ripé Waiãpi, cujo o descaso havia sido denunciado em 2013 e 2014. Após dois anos, o estado do abdome do Ripé é abominável e a sua incisão cirúrgica continua aberta desde 2013, com coleção de secreção purulenta, sendo necessário nova e urgente cirurgia pois a abertura no abdome serve como porta de entrada para vários micro-organismos e bactérias estando a sua vida em risco. Fiz fotos e vídeo do abdome do Ripé e emiti denuncias para Renivaldo Costa da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado do Amapá, bem como para a TV local.

Até hoje, nada foi feito e Ripé continua na Aldeia Aramirã esperando cirurgia e irá morrer se a Comissão de Direitos Humanos (6a Câmara) e a Advocacia Geral da União não tomar providências emergenciais.

Ressalto que em denuncias já realizadas por mim anteriormente, 3 crianças Waiãpi morreram esperando cirurgia.

Segue em anexo imagens antigas e atuais e link da audiência pública realizada no senado federal.

Desesperadamente,

Silvia Nobre Waiãpi.

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Arquivo pessoal-Ripé Waiãpi
Arquivo pessoal-Ripé Waiãpi

 Encaminhado a Combate Racismo Ambiental por Andrea Bastos.

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