Uso de represa para manter o lago de Sobradinho, na Bahia, ameaça a vazão do rio no período de seca, dizem ambientalistas. Represa mineira está com 6,7% da capacidade
Luiz Ribeiro – Estado de Minas
Pelo terceiro ano consecutivo, o reservatório de Três Marias, no Norte de Minas, enfrenta problemas de armazenamento de água. De acordo com dados publicados no site da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), o volume útil da represa hoje é de 6,7%, o que faz com que ambientalistas alertem para o risco de o Rio São Francisco deixar de ser perene no trecho próximo à hidrelétrica. Para dois especialistas ouvidos pelo Estado de Minas, é necessário adotar medidas para diminuir a vazão da usina, em torno de 300 metros cúbicos por segundo, também segundo informações da Cemig, permitindo que o lago funcione como um regularizador da vazão do rio no período mais crítico da seca.
Aparentemente, quem vê o leito do São Francisco em Pirapora imagina que a situação melhorou, pois as corredeiras, as conhecidas “duchas” que atraem turistas para a região, estão cobertas pelas águas, mas, na comparação com dados de 2014 e 2015, a situação é preocupante. Em janeiro de 2014, Três Marias estava com 28,41% do seu volume útil. Em 19 de janeiro do ano passado, o nível da represa estava em 10,47%, ainda acima dos 6,7% registrados anteontem, último dado disponível no site da Cemig. “Na verdade, a situação do rio em relação ao mesmo período do ano passado é péssima”, afirma Sílvia Freedman, presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Entorno do Lago de Três Marias e secretária do Comitê Federal da Bacia Hidrográfica do São Francisco. Ela alerta que existe o risco de o rio parar de correr, justamente pela falta de uma política para armazenar água para a época da estiagem.
Freedman salienta que, visando garantir a manutenção do lago da Barragem de Sobradinho (BA), toda a água que chega a Três Marias está sendo liberada. “A grande preocupação é que, como o reservatório não tem descarga de fundo, a barragem necessita ter um volume de pelo menos 35% de sua capacidade para liberar água durante o pico da estiagem. Mas não está sendo feita nenhuma reserva. Isso levanta a hipótese de que, se não chover muito até abril, o rio venha a parar de correr na época da seca”, afirma Freedman.
A presidente do comitê recomenda que a vazão de Três Marias seja diminuída imediatamente como forma de evitar o pior e garantir um volume mínimo do Velho Chico o ano inteiro. Destaca que também são necessárias ações para a revitalização dos afluentes da Bacia do São Francisco, como o combate ao desmatamento e a recuperação de nascentes. “Não dá para ficar somente esperando a água da chuva, que – com o solo impermeável por conta do desmatamento – cai e não infiltra, não reabastece o lençol freático. É preciso recuperar nascentes e os afluentes para que o volume do São Francisco seja aumentado”, observa.
A secretária do Comitê Federal da Bacia do São Francisco chama a atenção ainda para o combate às captações clandestinas. “Órgãos ambientais, como a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), devem fazer um novo levantamento sobre as outorgas para a retirada de água na bacia. Há muitas captações clandestinas nos afluentes, que reduzem a oferta de água que chega à calha principal do São Francisco“, assinala.
O ambientalista Roberto Mac Donald, presidente da Associação Amigos das Águas, de Pirapora, também destaca que, em função do volume liberado pela Barragem de Três Marias, há uma aparência de que o São Francisco, hoje, tem um quadro melhor que o de janeiro de 2015. Porém, na prática, não mudou quase nada, ressalta. Ele lembra que as chuvas registradas de novembro até agora na região não foram suficientes para a recuperação da vazão do Velho Chico. “Não houve chuva capaz de encher o rio”, avalia o morador de Pirapora.
O ambientalista também sugere a redução imediata da quantidade de água liberada pelo reservatório de Três Marias como forma de garantir estoque hídrico para o período da estiagem prolongada. “Do jeito que estão liberando a água de Três Marias, se não chover nos próximos meses, as cidades ribeirinhas abaixo da represa vão enfrentar uma situação caótica na época crítica da seca”, alerta.
O comerciante Andreas Hutter, também de Pirapora considera ainda que a situação das corredeiras do Velho Chico no município está melhor do que a de janeiro de 2015. Mas, ele sabe que ainda pode demorar muito para que o Rio da Unidade Nacional volte ao que já foi passado, volumoso e com muitos peixes. “Imagino que vamos precisar, de mais um ou dois anos, no mínimo, de boas chuvas para que o rio volte ao seu normal. O comerciante e outros moradores de Pirapora, assim como visitantes, já podem contar com passeios do Vapor Benjamin Guimarães, que, por vários meses de 2015, ficou parado devido à redução do nível do rio.
Volume em queda no reservatório
Hoje em 6,7%, o volume do reservatório de Três Marias estava em 8,9% em 23 de novembro. A afluência (quantidade de água que entra no lago), segundo a Cemig, caiu de 450 para 415 metros cúbicos por segundo, sendo que o normal seria subir no atual período chuvoso. No mesmo intervalo, a defluência (quantidade de água liberada) foi reduzida de 514 para 283 metros cúbicos por segundo. Mesmo assim, o volume de água armazenada diminuiu. O atual volume do reservatório da usina hidrelétrica é o menor dos últimos três anos para o mesmo período.
A Cemig informou ontem que “toda a gestão do reservatório de Três Marias está sendo feita tal como nos dois últimos anos. Isto é, com uma premissa forte de terminar o ano com, no mínimo, 3% de volume útil. Se tudo correr bem e chover bastante, o nível vai ser maior”. Informou ainda que “há uma concordância de todas as instituições envolvidas”– tais como o Operador Nacional do Sistema (ONS), Agência Nacional de Águas (ANA), comitês da bacia e secretarias estaduais – “quanto a essa premissa e as análises de definição da defluência de Três Marias a consideram sempre”.
Procurado, o ONS, por meio de sua assessoria de imprensa, informou ontem à tarde que a questão da liberação de água de Três Marias para a manutenção do reservatório da Usina de Sobradinho (muito reduzido por causa da seca) será revista nesta semana, em Brasília, durante reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, órgão do Ministério das Minas e Energia que conta com representantes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Agência Nacional de Água (ANA), Empresa de Planejamento Elétrico (EPE) e outras entidades.
Enquanto isso…nível de barragem
Baiana despenca
O nível útil da barragem de Sobradinho, na Bahia, é de 2,06% de sua capacidade, de acordo com último boletim do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O órgão admitiu, pela primeira vez, a possibilidade de utilizar a água alocada no volume morto do reservatório, caso sua capacidade hídrica chegue a zero. Para evitar o esvaziamento total do lago, a Agência Nacional de Águas (ANA) autorizou, na semana passada, testes de redução gradual de 900m³/s para 800 m³/s das vazões defluentes, com previsão para atingir o menor índice amanhã. O objetivo é manter armazenamento no lago para os usos múltiplos da água, principalmente abastecimento humano e irrigação. Desde 2013, a Bacia do rio São Francisco vem enfrentando condições hidrológicas adversas, com vazões e precipitações abaixo da média, com consequências nos níveis de armazenamento dos reservatórios, entre os quais Sobradinho, que se destaca como o mais atingido pela crise hídrica.
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O São Francisco ganhou fôlego com as chuvas, mas, com a queda no nível da barragem de Três Marias, especialistas veem risco de falta de água nos próximos meses (foto: Aparício Mansur/Divulgação )
Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.