Concentração de riqueza: Ter prazer com a fortuna alheia é doença comum, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

O patrimônio somado de 62 bilionários é equivalente à riqueza conjunta dos 3,6 bilhões mais pobres do planeta, de acordo com estudo da Oxfam apresentado no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Em 2010, eram 388 bilionários possuindo o mesmo que a metade mais pobre do mundo. A concentração foi aumentando ao longo dos anos até agora.

Antes de mais nada, vale desenhar porque muita gente tem a cognição afetada quando o assunto é riqueza. O problema não é ter dindim, mas a desigualdade de justiça e de oportunidades ser tão gritante que dói. O que desconcerta é uma sociedade que acha normal um ter condições para desfrutar de um apê de 4 mil metros quadrados enquanto o outro apanha da polícia para manter seu barraco em uma ocupação de terreno, seja em Itaquera, Grajaú, Osasco, Pinheirinho, Eldorados dos Carajás, onde for.

Não é inveja, incauto leitor. É indignação mesmo.

A taxação de lucros e dividendos de empresas, de grandes fortunas, de grandes heranças (seguindo o modelo norte-americano ou europeu), uma alteração decente da tabela do Imposto de Renda (cobrando de quem tem e isentando a maior parte da classe média) e a redução do teto da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário são ações no sentido de desconcentrar renda. Se alguns pagarem mais imposto, a maioria pode pagar menos, considerando que, hoje, proporcionalmente, os muito ricos não pagam tanto imposto quanto os mais pobres.

Não resolvem os problemas do país. Mas seriam ótimas ações para indicar o tipo de sociedade que gostaríamos de construir. Um país que acredita na redução da desigualdade como elemento fundamental para o desenvolvimento coletivo ou um que bate palmas toda vez que um bilionário brasileiro sobe um degrau no ranking da Forbes. Sim, ter prazer com o tamanho da fortuna alheia é patologia recorrente por aqui.

Ao invés disso, vemos circular declarações de advogados de gente rica reclamando da “criminalização da riqueza” no país. E, o pior, com muita gente pobre concordando. No dia em que a parte rica, no caminho da praia, no domingo, levar esculacho da PM e ter que voltar para casa pois é suspeito de futuros arrastões, daí acho que essa “solidariedade” de classe faria sentido.

Não é criminalizar quem é rico. Mas é rediscutir um sistema que faz com que os muito ricos sejam ainda mais ricos, enquanto os mais pobres vão virando geleia.

O então senador Fernando Henrique Cardoso, antes de pedir que esquecessem o que ele escreveu, defendeu a taxação de grandes fortunas no Congresso Nacional. Luiz Inácio Lula da Silva, antes de chamar os usineiros de cana de “heróis”, também defendia a redução na jornada de trabalho. O poder muda as pessoas, é fato. O pior é ter que ouvir dos próprios que eles não mudaram, apenas ganharam uma consciência ampliada a partir do cargo em que ocuparam.

Pior é que talvez isso seja, de fato, verdade. Pois nenhum dos governos dos dois principais partidos políticos hoje no país conseguiu aprovar propostas consideradas “polêmicas” que já defenderam no passado quanto à concentração de renda.

Atestam assim que medidas contundentes para distribuição de riqueza, visando à redução da desigualdade e já aplicadas em outras partes do mundo, são boas demais para serem levadas a sério por aqui.

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