O veneno de todo dia

Elaine Tavares – Palavras Insurgentes

Acompanhei a polêmica dos feirantes que vendiam produtos ditos “normais” como se fossem orgânicos. Um crime contra a economia, contra as pessoas. Uma fraude. Bom que tenham denunciado, evitando assim que pessoas comprem – e paguem caro – por um produto que, apresentado como saudável, não o é. Mas, o ponto de fundo, que definitivamente toca meu coração e meu corpo, é que poucos falam dos produtos cheios de agrotóxicos que são empurrados para nós em todos os mercados e feiras. O fato inexorável é: comemos veneno, e comemos muito veneno.

As feiras de orgânicos que começaram timidamente e agora já são encontradas com mais facilidade na cidade são uma alternativa boa, mas ainda para poucos. Como a produção é pequena e todo o processo de distribuição é difícil, os preços cobrados pelos produtos saudáveis são altos e a maioria das gentes não tem como pagar. Também é bom que se diga que mesmo comendo alguns produtos orgânicos, ainda sobra muito produto contaminado na nossa alimentação.

O agrotóxico, e isso já foi cientificamente provado, provoca uma série de doenças nas pessoas, sendo o câncer a que tem tido maior incidência. No Brasil, ingerimos, no mínimo, nove litros de veneno por ano. Que corpo pode resistir a isso?  Todos nós estamos morrendo envenenados, e da pior maneira possível, com doenças malucas que nos exigem o uso de uma infinidade de remédios.

A lógica perversa é a lógica da produção de mercadorias, para que se alimente a roda da indústria e do comércio. Cria-se a ideia da agricultura ultra-produtiva, que precisa de muito agrotóxico, e esse agrotóxico produz centenas de doenças, que movimentam os laboratórios farmacêuticos. E assim, vamos, presos à roda de um consumo induzido e criminoso. E não há escapatória. Quem pode manter uma alimentação orgânica? Quem pode fugir dos transgênicos?

A maioria da população, que passa o dia na dura faina de garantir o pão daquele dia, como pode se proteger? Não pode! Esse é o ponto. Apesar de todas as pesquisas e alertas sobre os males dos transgênicos e dos venenos na agricultura esses produtos seguem sendo produzidos e vendidos. Até bem pouco tempo ainda havia a rotulagem, que pelo menos nos informava o que estávamos comendo. Agora, por conta dos lobistas do “agrotóxinegócio” – Kátia Abreu, atual ministra da agricultura à frente – até isso nos é negado. Não há o que fazer.

O leite que chega na caixinha, tem de tudo, menos leite, e abundam as pessoas com reação à lactose, coisa que nem acredito, pois lactose deve ser o que menos tem na caixa. Certamente deve ser algum veneno. O trigo que comemos em profusão, nos pães, bolos e biscoitos típicos da nossa cultura, estão modificados e refinados e “quimicalizados” de tal forma que passam a nos fazer mal. Polenta é coisa que nunca mais podemos pensar em comer, uma vez que a farinha de milho que nos vendem é sabe-se lá que monstruosidade genética. Carnes e comidas enlatadas, embutidas, ensacadas. Mas, ainda assim, lá vai a procissão ao supermercado pagar por veneno. E é porque não tem jeito. Vamos fazer o quê? Nossa única chance é estarmos também nós tão profundamente modificados geneticamente que possamos resistir a essas drogas e venenos que nos empurram diuturnamente. Mas, mesmo assim, ainda estaremos alimentando a indústria dos remédios, tomando pílulas para dor de estômago, náuseas, dor de cabeça, mal estar. O festival dos horrores.

A ministra da Agricultura do Brasil, Kátia Abreu, que é representante dos grandes fazendeiros nacionais, declarou há pouco tempo que essa gritaria sobre os males do agrotóxico é puro preconceito e que o Brasil não usa produtos que causam câncer. O que explica então, o fato de latifundiários estarem jogando agrotóxico nas fontes de água dos indígenas – para exterminá-los – em algumas regiões do país? O que explica o índice elevado de doenças nas áreas rurais? Se é preconceito, o que explica instituições idôneas como a Fiocruz e o Instituto Nacional do Câncer insistirem para que se elimine o agrotóxico das plantações? Ou seja, o cinismo é moeda corrente entre aqueles que nos empurram veneno goela abaixo.

Bueno, mas se tudo é assim, então não há mesmo saída? Sim, saída há. Mas ela não é individual. Precisa ser coletiva e massiva. Uma nova organização da vida, as gentes mobilizadas contra o massacre cotidiano que envolve não apenas a comida que comemos, mas todo o resto. A saída não pode ser encontrada isolada na questão alimentar. Ela diz respeito a grande política, aos desafios estruturais. Vamos caminhando e, enquanto não alcançamos o grande meio-dia, bradamos e lutamos!

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