O ano que vem

Elaine Tavares – Palavras Insurgentes

A abertura dos trabalhos legislativos no Brasil mostrou que o ano de 2016 não vai ser fácil para os trabalhadores. Com a presença da presidenta Dilma, que falou para os deputados e senadores, buscando apoio para suas pautas, o que ficou nítido e claro é que muita luta será necessária para garantir que direitos não sejam tirados e outros possam vir. Tendo como mote a retomada do crescimento, Dilma pediu apoio para a aprovação de um novo tributo, a CPMF, que incidirá sobre movimentações financeiras e também para as novas medidas que aprofundarão o chamado ajuste fiscal.

Não precisa ser muito esperto para saber que o tal ajuste será pago pela maioria dos trabalhadores, uma vez que o carro chefe da sua proposta é a desvinculação das receitas. E o que isso significa: que com ela, o governo poderá manejas os recursos do orçamento jogando verbas para onde julgar mais necessário. Com isso, o orçamento da seguridade social, que envolve saúde, moradia, educação, assistência social e previdência, poderá ser movido para outros objetivos, coisa que atualmente não pode ser feita. A Constituição define que arrecadação das contribuições sociais só podem ser gastas com o social. Desvinculando as receitas, o governo pode puxar recursos das contribuições sociais e garantir o superávit fiscal sem precisar criar outros tributos.

Com essa proposta de desvinculação o governo já acena com redução de financiamento do programa Minha Casa, Minha Vida, para quem tem menos renda, e cortes no Pronatec (formação técnica e para o trabalho) e o programa Ciência sem Fronteiras (formação no exterior). O argumento da presidenta para que aconteça a desvinculação é de que a carga tributária – que é a parte do orçamento que pode ser movida – diminuiu de 16% do PIB para 13,5%, enquanto que as contribuições previdenciárias aumentaram. A proposta é criar a CPMF e colocar parte dos recursos desse imposto na previdência. É deveras, uma matemática estranha, já que põe e tira recursos ao mesmo tempo e ainda continua com o velho discurso de que a previdência é deficitária.

Não bastasse querer mexer nos valores orçamentários das contribuições sociais, a presidenta ainda quer fazer nova reforma na Previdência que vai aumentar a idade mínima, mudar o fator previdenciário e ajustar a previdência dos trabalhadores públicos. Com isso, as novas gerações  – as mudanças não valerão para quem já está no sistema – terão de trabalhar muito mais tempo para garantir aposentadoria, além de terem de recorrer, obrigatoriamente à previdência privada, caso seus salários ultrapassem o valor definido como máximo que é, na verdade, muito baixo: 2.400 reais.

Nesse pequeno mas significativo pacote de propostas se esconde um mundo de mudanças que mexe diretamente com o bolso e vida da maioria dos trabalhadores, visto que os mais ricos seguirão acumulando sem maiores problemas. Dilma acenou com medidas que beneficiam os empresários médios e prometeu abrir novos mercados para os grandes exportadores, bem como a privatização de estratégicos espaços, como é o caso dos terminais dos portos públicos e estradas.

As pautas legislativas

Mas se as metas do governo federal não parecem muito atrativas para os trabalhadores, as outras pautas que estarão em debate nesse ano novo legislativo também representam péssimas mudanças, quando não um retrocesso abismal.

Pelo menos 10 grandes projetos deveriam preocupar sobremaneira os brasileiros e mobilizá-los no debate e na resistência pois, ainda que sejam temas periféricos às questões estruturais influem demasiado na vida cotidiana e reforçam preconceitos e ódios que já se expressam em grande número no país. Um deles é a proposta de um Estatuto da Família, da bancada evangélica, que considera família apenas a união entre um homem e uma mulher. Nada poderia ser mais atrasado que isso, mas já foi aprovado nas comissões. Outro é o da redução da maioridade penal para 16 anos, que pretende encher as cadeias para melhor alimentar a roda do capital. Também estará em pauta a chamada lei antiterrorismo que nada mais é do que legalizar a criminalização das lutas sociais  visto que, hoje, o conceito de terrorismo ficou mais largo, abrangendo nele qualquer pessoa que se coloque em luta contra os governos. Nessa linha de leis esdrúxulas está também a que criminaliza os agentes de saúde que informarem às mulheres sobre soluções abortivas como por exemplo a pílula do dia seguinte, mesmo que em caso de estupro.

A pauta do ano igualmente se ocupará de temas como a permissão da terceirização sem limites, a retirada da Petrobras como exploradora exclusiva do pré-sal, a revogação do estatuto do desarmamento, a privatização dos Correios e da Caixa Federal, a flexibilização do conceito do trabalho escravo e a redução da idade para o trabalho que deverá ficar em 14 anos.

Assim que os dramas serão intensos e a vida nacional colocada num profundo turbilhão. Nesse cenário temos um movimento social ainda muito dócil, sindicatos adormecidos e centrais de trabalhadores mais ocupadas em defender o governo, o que torna tudo muito incerto. Permitirão os trabalhadores brasileiros a retirada de mais direitos? Suportarão uma nova reforma da previdência? Estarão dispostos a aceitar retrocessos bárbaros e a consolidação de preconceitos?

Recentes pesquisas mostraram que 1% da população mundial detém a riqueza equivalente aos 99% restantes, o que mostra que o abismo entre os mais ricos e os mais pobres só aumenta. Os dados ainda comprovam que 62 pessoas no mundo detém uma riqueza equivalente a riqueza da metade da população – ou seja, do que 3 bilhões e meio de pessoas. Isso não é bolinho. São dados aterradores. Esse abismo se expressa igualmente nos países capitalistas, nos quais os índices de riqueza também aumentam e se separam drasticamente dos mais pobres. Isso significa que motivos para luta existem e sobram.

Ocorre que o capitalismo moderno e sua pedagogia da sedução ainda tem muito poder sobre as pessoas que, ingenuamente, acreditam que “com muito esforço” podem vencer na vida, “chegar lá”. Esse tipo de crença é o que permite que os pobres permaneçam pobres e os ricos cada vez mais ricos. Romper essa mentira é tarefa difícil, ainda mais se considerarmos a crise pela qual passa o sindicalismo, que deveria ser o espaço da rebeldia e da organização para a luta. Sem trabalho de base e sem credibilidade essas entidades estão aí, em vida vegetativa. Caberá aos trabalhadores e aos que vivem sob a opressão do capital encontrar os caminhos da luta para mudar tudo isso.

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