“Enquanto o lucro e a decisão de implementar for maior do que o cuidado com o meio ambiente, com o futuro da localidade e, especialmente, com a população, com destaque para a mais pobre, não haverá espaço para se discutir um licenciamento eficaz”, alerta o Procurador da República
Por Patrícia Fachin e Leslie Chaves – IHU On-Line
Apesar das inúmeras denúncias de irregularidades de diversas ordens, os processos de licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte seguem com poucos impeditivos. De acordo com o Procurador da República Ubiratan Cazetta, antes de a usina sair do papel até hoje, o Ministério Público Federal – MPF já ajuizou 23 ações apontando problemas no empreendimento.
Muitas das decisões judiciais, que solicitavam o cumprimento de condicionantes e outros reparos no projeto sob pena de embargo das obras, foram desrespeitadas pelo governo a partir da aplicação do pedido de suspensão de segurança. Trata-se um recurso jurídico solicitado a presidentes de tribunais superiores que cassa liminares e decisões de outros tribunais com a alegação de que a não implantação da usina traria danos à segurança, à economia, à ordem e à saúde pública.
Conforme ressalta o Procurador da República, em entrevista por e-mail à IHU On-Line, “este tipo de decisão não olha os problemas que são descritos nas diversas ações, mas se limita a fazer uma análise econômica, em que o ponto central deixa de ser eventual falha e passa a ser uma alegada imprescindibilidade da geração daquela energia especificamente. Agora olhando em retrospecto, se colocarmos na balança todos os danos causados à região do Xingu, posso afirmar que, se as decisões judiciais tivessem se mantido e as irregularidades corrigidas, teríamos evitado imensos prejuízos ambientais, sociais, culturais e também financeiros”.
Em função desses subterfúgios utilizados pelo governo, para Cazetta, “Belo Monte deixa também um legado de desrespeito para com o ordenamento jurídico, porque foi uma obra construída sobre a violação da Constituição brasileira, enfraquecendo, portanto fundamentos essenciais da democracia que tão duramente conquistamos”.
Segundo o jurista, a situação de Belo Monte se repete em diversos outros empreendimentos que, para entrar em funcionamento, dependem de megaestruturas, as quais provocam profundos impactos sociais e ambientais. O Procurador aponta como exemplos os casos das usinas de Jirau e Santo Antônio e o da barragem do Fundão, mantida pela Samarco e que provocou um desastre de imensas proporções em Mariana, Minas Gerais. “O que essas situações têm em comum é o desrespeito a um princípio básico da legislação ambiental, o princípio da precaução. Se esse princípio fosse respeitado, ao colocarmos na balança riscos socioambientais de um lado e razões econômicas de outro, teríamos que privilegiar o meio ambiente equilibrado, porque é dele que depende a vida de todos. Infelizmente as razões econômicas imediatas vêm falando mais alto em vários licenciamentos no país, com resultados trágicos”, analisa.
Ubiratan Cazetta é graduado em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo – USP, e mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Atualmente é Procurador da República em Belém, Pará, atuando no Ministério Público Federal desde 1996. Foi Procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Procurador Regional Eleitoral e Procurador-Chefe da Procuradoria da República no Pará. Também exerceu o cargo de vice Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que balanço o senhor faz em relação ao processo de construção e implementação da Usina de Belo Monte, considerando que vem acompanhando todos os processos que envolveram desde a construção da usina até a liberação da Licença de Operação?
Ubiratan Cazetta – Desde que começamos a discutir Belo Monte, quando ainda era um projeto do governo, em 2001, o Ministério Público Federal – MPF já ajuizou 23 ações denunciando irregularidades. Muitas das ações por nós iniciadas em 2006, 2009, 2010, antes da implantação efetiva da usina, apontavam problemas que infelizmente se concretizaram durante as obras, porque o governo brasileiro efetivamente se recusou a ouvir os alertas que vieram de vários cientistas brasileiros e também do MPF e da Justiça Federal.
As decisões judiciais que ordenaram correções durante a fase de licenciamento foram suspensas a pedido do governo, em sua grande maioria por decisões unitárias de Presidentes do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, debaixo do guarda-chuva do dispositivo da suspensão de segurança, sob a alegação de danos à segurança, à economia, à ordem e à saúde públicas.
É bom sempre destacar que este tipo de decisão não olha os problemas que são descritos nas diversas ações, mas se limita a fazer uma análise econômica, em que o ponto central deixa de ser eventual falha e passa a ser uma alegada imprescindibilidade da geração daquela energia especificamente. Agora olhando em retrospecto, se colocarmos na balança todos os danos causados à região do Xingu, posso afirmar que, se as decisões judiciais tivessem se mantido e as irregularidades corrigidas, teríamos evitado imensos prejuízos ambientais, sociais, culturais e também financeiros. Essa conta ainda não está concluída, nós mesmos e as próximas gerações ainda teremos que calcular muitos dos prejuízos causados por Belo Monte, mas já existem dados concretos que confirmam o balanço negativo da usina.
A violência, o custo de vida, os acidentes de trânsito, o tráfico de drogas, o tráfico de pessoas, o desmatamento, a invasão de terras, todos os índices que demonstram que piorou a vida na região, dispararam. As remoções feitas em desacordo com a legislação violaram os direitos das populações indígenas e ribeirinhas, que sofreram danos materiais e imateriais, foram atingidas inclusive em nível psicológico, provavelmente de maneira irreparável.
Belo Monte deixa também um legado de desrespeito para com o ordenamento jurídico, porque foi uma obra construída sobre a violação da Constituição brasileira, enfraquecendo, portanto fundamentos essenciais da democracia que tão duramente conquistamos. É, no resumo, uma imensa perda de oportunidade do Estado brasileiro, que poderia ter demonstrado sua capacidade de discutir a implementação de grandes projetos, fazendo-o de uma forma diferente do que se praticou no regime militar, adotando uma postura que respeita a diversidade, que respeita a crítica e que, antes de tudo, observa as regras de uma sociedade que se pretende plural.
IHU On-Line – Como o senhor recebeu a notícia da liberação da Licença de Operação de Belo Monte, que autorizou o enchimento dos reservatórios?
Ubiratan Cazetta – O MPF recebeu com muita preocupação a concessão da Licença de Operação. Pela nossa experiência com empreendimentos de grande impacto, a partir do momento em que o Estado concede uma licença sem exigir o cumprimento prévio das condicionantes por ele mesmo impostas, o empreendedor não se sente mais obrigado a cumprir nada e os passivos ambientais e sociais tendem a se agigantar e entram na lógica lenta dos fatos consumados. E os passivos de Belo Monte já são por demais significativos, justamente por essa prática reiterada de conceder licenças sem exigir cumprimento prévio de condicionantes, que se tornam, então, mero enfeite ou, quando muito, uma manifestação de boa vontade e uma promessa não cumprida.
O que ocorreu no licenciamento de Belo Monte, desde o início, foi uma extrema negligência no cumprimento dos termos das próprias licenças. Vou exemplificar: a Licença Prévia de Belo Monte dizia em 2010, e cito de memória, que a usina só seria viável com a implantação de proteção territorial nas terras indígenas. Isso porque os estudos haviam trazido uma preocupação grave e concreta de que as terras indígenas seriam invadidas por madeireiros e grileiros, com danos ao patrimônio ambiental e riscos à sobrevivência dos povos, quando as obras começassem.
O que fez o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, com a anuência da Fundação Nacional do índio – FUNAI, no momento em que Belo Monte pediu a Licença de Instalação, em 2012? Deixou de exigir o cumprimento dessa obrigação. O resultado é que essa obrigação não foi cumprida até hoje, em 2016. E o IBAMA e a FUNAI novamente aceitaram conceder a Licença de Operação sem que ela fosse cumprida, mesmo com ordem judicial determinando. Então, tudo que se previa nos estudos de impacto, antevendo invasões e roubo de madeira nas terras indígenas se confirmou e, pior, os danos foram maiores do que o previsto. Essa situação se repete em diversas condicionantes.
Até hoje, apesar de obrigação previamente determinada nas licenças ambientais, o hospital de Altamira, construído para suportar o aumento da demanda por serviços de saúde, não está funcionando. Dois outros exemplos me parecem elucidativos, os dois com foco na realidade urbana de Altamira. O primeiro deles se volta para a questão do reassentamento das famílias atingidas pelo alagamento e nem vou abordar aquelas populações tradicionais, que habitavam as ilhas do Xingu e dele sobreviviam e tiveram sua história destruída. Vamos focar na população urbana, que tinha condições de habitação bastante simples e, em alguns casos, insalubres.
A União, o Município de Altamira e a Norte Energia tinham em suas mãos a oportunidade de construir um plano urbanístico que respeitasse o modo de vida de tais pessoas, que dotasse Altamira de um bairro planejado, com padrões de habitabilidade decentes, com estrutura pública, acesso, mobilidade urbana, enfim, um bairro novo para uma cidade moderna.
Entretanto, em vez disso, trataram tais pessoas com indiferença, não cumpriram as promessas, acumularam casas em locais distantes, sem qualquer preocupação estética ou urbanística, sem pensar, em resumo, naquele local como um recomeço de vida de pessoas que merecem respeito. Foram, então, tratadas como pobres que ganharam uma benesse do Estado, com uma casa em alvenaria, construída segundo padrões totalmente diferentes dos regionais, que não permitem a tais pessoas nem mesmo a eventual ampliação ou alteração do projeto.
Outro exemplo era uma das condições de viabilidade segundo o próprio IBAMA. Aqui estamos falando de algo ainda mais grave do que uma condicionante, porque se trata de uma obrigação que determina a viabilidade ambiental da usina, que é o saneamento básico de Altamira. O licenciamento previu que seria necessário estar 100% instalado para que o lago da usina não seja um reservatório de água contaminada. Isso foi em 2010 e sempre foi um dos grandes lemas do discurso oficial, com Altamira assumindo a posição de município de vanguarda no saneamento básico, aos moldes de países desenvolvidos. Até hoje o saneamento não está operando e na hora de conceder a Licença de Operação, o IBAMA aceitou que a obrigação fosse novamente deixada para depois, o que representa um risco sanitário grave e concreto para a região e, novamente, um afrouxamento das regras que eram consideradas essenciais no início do processo, sem que haja justificativa técnica para a mudança da posição.
O que temos em Belo Monte é uma situação similar a outros licenciamentos que ficaram tristemente famosos pela sua ineficácia em evitar desastres, como o das usinas de Jirau e Santo Antônio, ou o da barragem da Samarco em Mariana. O que essas situações têm em comum é o desrespeito a um princípio básico da legislação ambiental, o princípio da precaução. Se esse princípio fosse respeitado, ao colocarmos na balança riscos socioambientais de um lado e razões econômicas de outro, teríamos que privilegiar o meio ambiente equilibrado, porque é dele que depende a vida de todos.
Infelizmente as razões econômicas imediatas vêm falando mais alto em vários licenciamentos no país, com resultados trágicos. E o mais grave é que não há incompatibilidade essencial entre discutir empreendimentos e a proteção ambiental, desde que não se olhe apenas e exclusivamente o viés do empreendedor. Enquanto o lucro e a decisão de implementar for maior do que o cuidado com o meio ambiente, com o futuro da localidade e, especialmente, com a população, com destaque para a mais pobre, não haverá espaço para se discutir um licenciamento eficaz.
IHU On-Line – Quais ainda são os principais problemas com a implantação da usina de Belo Monte?
Ubiratan Cazetta – No aspecto urbano, a questão do saneamento é uma das que mais preocupa. Pelo risco sanitário que representa, essa obrigação foi incluída como uma condição de viabilidade e não só como condicionante. Estamos acompanhando a instalação do saneamento, mas o histórico de Belo Monte todo é de um descompasso entre as obras da usina em si e as obras das condicionantes, o que traz um risco fundado de que o lago seja formado e passe a receber dejetos, justamente o que essa obrigação, se cumprida, deveria evitar.
Existe outra ordem de problemas que podemos chamar até de humanitários, relacionados às violações de direitos das populações indígenas e tradicionais. No total são nove povos indígenas afetados por Belo Monte, além dos beiradeiros do Xingu, pescadores e ribeirinhos que foram removidos praticamente à força de seus locais de ocupação tradicional e para os quais até hoje não há uma solução concreta.
Essas populações foram totalmente desagregadas, perderam seus locais de pesca, de plantio, de convivência, deixaram de ser comunidades, tiveram perdas culturais irreparáveis. Os danos à saúde, inclusive psíquica, ainda precisam ser mensurados. Então nossa atuação agora se concentra muito no atendimento a essas populações. E especialmente, as populações que moram na Volta Grande do Xingu, um ecossistema único e de altíssima importância que dificilmente sobreviverá depois de Belo Monte.
A insegurança nesses 100 quilômetros do Xingu, que foram desviados para abastecer as turbinas de Belo Monte, é tal que nem o IBAMA foi capaz de dizer, no licenciamento, como ele estará depois que a usina começar a funcionar.
Aproximadamente 80% da água desse trecho do rio será desviada para a usina. Foi previsto um monitoramento de seis anos da região. O rio já está totalmente seco, há notícias de peixes morrendo e infestação de insetos e infelizmente temos que pensar na possibilidade concreta de um desastre socioambiental naquela região.
IHU On-Line – Como está se desdobrando o processo do pedido de imediata intervenção judicial em Belo Monte, do Ministério Público Federal?
Ubiratan Cazetta – A ação judicial que trata da decretação de uma intervenção judicial de Belo Monte foi iniciada em dezembro e pede o reconhecimento, pelo poder Judiciário, de que houve ação etnocida do governo brasileiro e da Norte Energia S.A contra os povos indígenas afetados. Está tramitando na Justiça Federal em Altamira e de acordo com o andamento processual está aguardando manifestação dos réus. O que se espera é que, tão logo haja a primeira defesa dos réus, o Judiciário determine a intervenção e, com isso, seja iniciado um processo de mudança na lógica de relação com os grupos indígenas afetados.
IHU On-Line – Legalmente, como ficará a situação de Belo Monte? Depois de encherem os reservatórios da usina, ela poderá operar mesmo com as ações movidas pelo MPF?
Ubiratan Cazetta – Sim, Belo Monte poderá operar normalmente, mesmo com as várias ações judiciais em andamento, exceto se alguma decisão sobrevier e determinar a suspensão da Licença de Operação. Este é um exemplo bem concreto de como se tem, nas questões ambientais, um grave risco de descompasso entre o tempo da vida e o tempo do processo, que gira em sua própria lógica e parece desconsiderar os efeitos irreparáveis que a demora em uma decisão pode causar.
Basta um exemplo concreto: temos uma ação, proposta em 2006, que discutia o projeto em sua fase inicial e que pedia o cumprimento de um artigo da Constituição, que também é objeto de uma obrigação que o Brasil assumiu internacionalmente, que é a necessidade de consulta prévia aos povos tradicionais. A ação foi julgada procedente em setembro de 2012, mas desde abril de 2014, mesmo que o MPF tenha saído vencedor, a Presidência do TRF 1ª Região, sempre bastante célere para conceder a suspensão de liminar, não consegue reconhecer que o processo precisa ser enviado ao Supremo Tribunal Federal para julgar o recurso que a União interpôs.
Em 2016 ou 2017, quando o Supremo vier a julgar este processo, a decisão continuará sendo necessária, importante e válida, mas o efeito prático será muito pequeno, pois teremos que entender o que é consulta prévia sobre uma obra já em andamento. Friso que a discussão não perde valor, nem importância, seja no caso concreto, seja para os demais empreendimentos que se pretende construir em situações semelhantes.
IHU On-Line – Em que consiste a proposta do MPF de criar um Comitê Externo custeado pela Norte Energia?
Ubiratan Cazetta – Primeiro, é necessário entender o contexto em que a proposta se insere. Uma das premissas do licenciamento era o fortalecimento da FUNAI em Altamira, tanto em estrutura física, quanto em pessoal, pois caberia, então, a ela atuar no relacionamento entre a Norte Energia e as comunidades indígenas, para implementar um plano consistente de proteção às comunidades indígenas, no aspecto territorial, da saúde e em todos os impactos que viriam da construção de Belo Monte. São impactos que variam de grupo para grupo e, por vezes, dentro das próprias etnias. Este plano foi pensado considerando-se a condição inicial de tais grupos e com foco em evitar que os danos ocorressem ou que fossem controlados.
A FUNAI não foi fortalecida, sendo, ao contrário, ainda mais enfraquecida. O que era para ser um plano consistente, de longo prazo, se transformou em uma política emergencial, baseada em listas de compras, com liberação de recursos sem o acompanhamento antropológico necessário, tudo isto administrado diretamente pela Norte Energia, sem a intermediação técnica e o controle da FUNAI, para evitar que as situações de conflito de interesse entre o empreendedor e as comunidades gerassem danos que nem mesmo haviam sido cogitados no licenciamento.
Este é o quadro que merece ser alterado, em que a relação direta entre Norte Energia e as comunidades indígenas gerou tanto ou mais danos do que aqueles que haviam sido previstos. Assim, o que se busca, diante da constatação de que a FUNAI continua sem estrutura para agir e enquanto se aguarda o seu fortalecimento, é romper com esta política destrutiva, reunindo um grupo de instituições, que passariam a mediar os interesses envolvidos, além de mensurar os danos já ocorridos (tanto aqueles que se previa, quanto os que ocorreram sem previsão no estudo de impacto) e propor medidas corretivas, que busquem, no longo prazo, tentar garantir um atendimento correto para as comunidades, já atingidas severamente pelos danos, pelas alterações em seus modos de vida.
IHU On-Line – O senhor já declarou que a instalação de Belo Monte provoca uma ação etnocida nas nove comunidades indígenas do Médio Xingu. Qual é a atual situação dessas comunidades?
Ubiratan Cazetta – Em uma palavra, praticamente destroçadas por uma atuação negligente, omissa e, por vezes, ativa, seja da União, seja da Norte Energia. Tem-se grupos que viram, de uma hora para outra, toda sua estrutura tradicional ser destruída, alguns deles que mal tinham contato com Altamira passaram a gastar mais tempo na cidade, discutindo com a Norte Energia as listas emergenciais, abandonando suas atividades tradicionais, afetando, assim, não apenas a sobrevivência, mas a própria transmissão de saberes, cultura, hábitos que são inerentes ao seu modo de vida.
Doenças que não eram conhecidas, em parte provocadas por hábitos alimentares que não existiam, condições ambientais pioradas, com acúmulo de lixo, composto por produtos que não faziam parte do modo de vida de tais grupos e que não contam com processo de tratamento adequado. Para piorar este contexto, a insegurança territorial, a falta de políticas adequadas de saúde e educação ou aquelas voltadas à autossustentabilidade de tais grupos tornou-os ainda mais vulneráveis. Em resumo, em graus variados, em aspectos variados, o modo de vida de tais grupos foi severamente afetado e pode nunca vir a ser, de fato, recomposto, sendo necessário auxiliar as comunidades nesta nova realidade.
IHU On-Line – Como tem se dado a relação do MPF com outras instâncias do poder público, como o Poder Executivo, por exemplo, acerca da instalação de Belo Monte?
Ubiratan Cazetta – Dado o papel que cabe ao MPF na defesa das comunidades indígenas, na defesa do meio ambiente, é natural que haja uma constante zona de atrito, zona de tensão com os órgãos que são objeto da cobrança do MPF. A dificuldade essencial é evitar que esta zona de tensão que, insisto, é natural, não se converta em zona de pressão inadequada, em tentativa de evitar que a discussão ocorra.
A relação do MPF com o IBAMA, FUNAI e outros órgãos é, então, de respeito, mas crítica. Nosso papel é apontar as falhas, as omissões e os erros, mas fazer isto não deixa de ser complicado, especialmente quando as críticas são vistas como pessoais, deixando de ser institucionais. Então, é um processo que envolve crítica, debate, tensão, assim como implica em necessidade de sentar-se à mesa de discussões, buscando uma solução que atenda aos compromissos institucionais.