Norma editada pelo Iphan desconsiderou bens que podem ser postos em risco durante processo de licenciamento
Em ação coordenada, a Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal (MPF) ajuizou, nesta quarta-feira, 17 de fevereiro, ações em dois estados para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) corrija instrução normativa (IN 01/2015) que estabelece procedimentos administrativos a serem observados pelo órgão nos processos de licenciamento ambiental. As ações fazem parte da estratégia do MPF para revisão da norma que regulamenta a atuação da autarquia na temática. O Grupo de Trabalho Patrimônio Cultural, responsável pelas ações, questiona judicialmente dois pontos da regulamentação.
Artigo 2 – O Iphan não incluiu na norma bens culturais que deveriam ser protegidos durante o processo de licenciamento, como os bens inventariados e as paisagens culturais chanceladas, que têm o mesmo tratamento constitucional que os demais bens que são protegidos pela norma e que já tinham sido alvo de prévio tratamento infraconstitucional.
Na ação ajuizada no Estado de Sergipe pela procuradora da República Lívia Tinôco, o MPF observa que “a atuação displicente da União e do Iphan para com o direito fundamental ao meio ambiente cultural merece reparo por ofender o princípio da proibição da proteção deficiente”. Segundo o princípio, o Estado tem obrigação de proteger e defender um direito já garantido pela Constituição.
Artigo 60 – A ação civil ajuizada no Rio de Janeiro questiona o artigo 60 da instrução normativa. Segundo a norma, não é necessária a realização de estudos para licenciamento de empreendimentos em áreas degradadas, contaminadas, eletrificadas ou de alto risco, desde que comprovadamente periciadas.
O MPF alerta que o dispositivo “é desastroso”, já que o Iphan contraria a Constituição ao deixar de exigir os estudos. O procurador da República Jaime Mitropoulos, que assina a ação, exemplifica que se um empreendimento quiser se estabelecer em trecho do centro antigo da cidade do Rio de Janeiro, com valor histórico e cultural, mas que, atualmente, encontra-se degradado pelo tempo, pela sociedade ou pelo Poder Público não seria esse motivo suficiente para deixar de exigir do empreendedor a apresentação de estudo. Para o MPF, as circunstâncias apontadas pelo artigo 60 não afastam os “deveres de guarda e vigilância permanente confiados ao poder público”.
Na ação, o MPF pede que o Iphan seja obrigado a exigir os estudos e indique o conteúdo mínimo para realização dos levantamentos para avaliar o impacto do empreendimento sobre os bens culturais acautelados ou em processo de acautelamento também nas hipóteses de áreas degradadas, contaminadas, eletrificadas ou de alto risco.
O licenciamento ambiental é um dos instrumentos da Lei de Política Nacional de Meio Ambiente. O procedimento administrativo é dividido em três fases. A licença prévia avalia os impactos ambientais e culturais do empreendimento, analisando os ônus e bônus e definindo sua melhor localização e viabilidade ambiental. Na segunda fase, intitulada licença de instalação, são autorizadas as obras para a realização dos projetos apresentados a partir da declaração, pelo licenciador, de que o empreendimento é viável ambientalmente. Por fim, na licença de operação é verificado se a execução das obras se encontra em conformidade com o planejado, possibilitando o funcionamento do empreendimento.
Histórico – O grupo de trabalho Patrimônio Cultural, ligado à Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF, acompanha a regulamentação da atuação do Iphan no curso dos licenciamentos ambientais desde a edição da Lei Complementar 140/2011. Para garantir a proteção do riquíssimo patrimônio cultural brasileiro, o GT se reuniu diversas vezes com o Iphan para debater a inserção do órgão nas etapas de licenciamento de bens culturais.
Depois de receber a minuta da Instrução Normativa 01, que trata da regulamentação da intervenção do Iphan no curso dos licenciamentos ambientais, o MPF realizou, em outubro de 2014, audiência pública na Procuradoria da República no Rio de Janeiro, onde se discutiu com a sociedade civil e o próprio Iphan sugestões de aprimoramento ao texto.
A Instrução Normativa foi publicada no dia 25 de março sem acatar integralmente as recomendações do MPF para aperfeiçoamento da norma. A portaria foi lançada um dia depois que a União, por meio de quatro dos seus Ministérios (Meio Ambiente, Justiça, Cultura e Saúde), editou a Portaria Interministerial nº 60, que estabelece procedimentos administrativos que disciplinam a atuação dos órgãos e entidades da administração pública federal em processos de licenciamento ambiental de competência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Confira as íntegras das ações ajuizadas
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Imagem: Corcovado, no Rio de Janeiro – exemplo de paisagem a ser preservada. (Foto: Alexandre Maciera/ Riotur)