Haverá gentrificação: o padrão de deslocamento dos Jogos Olímpicos desde 1988

Por Adam Talbot, no RioOnWatch

Como tem sido relatado neste site, muitos cariocas foram e continuam sendo removidos de suas casas ao longo dos preparativos para os Jogos Olímpicos. Este artigo pergunta se este é um caso especial da cidade do Rio, que é mundialmente famosa como ‘cidade partida’, onde os fabulosamente ricos vivem em estreita proximidade com aqueles em situação de pobreza, ou se é um problema mais sistêmico relacionado aos Jogos Olímpicos e outros megaeventos. Responder a esta pergunta nos obriga a olhar para trás e ver como as outras cidades-sede das Olimpíadas se prepararam para sediar “o maior espetáculo da Terra”.

Primeiro, precisamos definir o que nós entendemos quando dizemos que as pessoas estão sendo forçadas a deixarem suas casas. Isto, obviamente, inclui as muitas remoções forçadas vistas nos últimos anos –e intensificadas nos últimos meses– nas favelas da cidade, mas também inclui meios menos violentos, mais insidiosos. Em algumas áreas, os cidadãos foram alijados de uma comunidade quando o valor da terra aumentou, mas a riqueza dos moradores não, configurando o processo que conhecemos como gentrificação.

Encontrar os números daqueles que foram removidos à força é bastante difícil, especialmente porque alguns países-sede das Olimpíadas, onde remoções ocorreram em grandes números, também não têm várias liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de imprensa (como Seul 1988 e Pequim 2008). Calcular os números daqueles que foram forçados a se mudar devido ao aumento de custo e outros fatores associados a gentrificação é ainda mais difícil, como muitas vezes é impossível vincular o realocamento de uma pessoa ou a uma família a um megaevento especificamente; a gentrificação muitas vezes aparece como um processo inevitável, um acúmulo de circunstâncias que resulta em que pessoas optem por mudar. Estas questões são muitas vezes ignoradas, mas historicamente parecem afetar um número maior de pessoas do que as remoções violentas.

Remoções em cidades anfitriãs anteriores

A preparação para os Jogos de Seul, em 1988, foi o primeiro caso de um megaevento onde ficamos sabendo que as remoções de grandes segmentos da população se tornaram um grande problema. De acordo com um relatório sobre o efeito de megaeventos sobre habitação realizado pelo Centre on Housing Rights and Evictions (COHRE) (Centro pelo Direito à Moradia e Remoções), em 2003, 720.000 moradores foram removidos na preparação para o evento, principalmente nas mãos do ditador coreano General Chun Doo-hwan.

Um grande número da população de Pequim foi removido na preparação para os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008. O COHRE estimou que, até 2004, 300.000 moradores da cidade tinham sido removidos, com descrições das táticas violentas usadas pelos esquadrões da demolição que fazem lembrar os recentes acontecimentos no Rio. As contestações jurídicas feitas pelos moradores de Pequim que haviam sido removidos, frequentemente não foram ouvidos pelos tribunais e os advogados que tentaram trazer estas questões para julgamento foram muitas vezes perseguidos e até mesmo presos sob acusações falsas, tais como roubar segredos de Estado.

Remoções são muito mais raras em cidades-sede com governabilidade democrática. EmLondres, cerca de 450 inquilinos foram removidos do conjunto habitacional Clays Lane, no leste da cidade. No Rio, no entanto, 77.206 pessoas foram removidas das suas casas entre 2009 e 2015, de acordo com o recém-lançado dossiê sobre as violações de direitos humanos relacionados com os Jogos Olímpicos de 2016.

Gentrificação e o direito à cidade: Uma história olímpica

Menos visível é o processo de gentrificação, que no entanto, é muito mais comum. O aumento da prosperidade econômica de uma cidade é muitas vezes aclamado como uma razão para sediar os Jogos Olímpicos. Deixando as falhas econômicas desta justificativa de lado, a riqueza limitada produzida pelas Olimpíadas muito raramente se destina para os mais necessitados. Na verdade, a riqueza é criada frequentemente à custa dos moradores mais pobres de cidades-sede, aumentando o valor da propriedade, na medida em que os moradores não podem mais pagar o aluguel. Isto tem sido comum em anteriores cidades-sedes Olímpicas –em Sydney os aluguéis subiram em até 40% durante os preparativos até aos Jogos de 2000, os alugueis em Salt Lake City subiram antes e depois dos Jogos Olímpicos de 2002, em Vancouver foi uma parte explícita do planejamento olímpico a regeneração do Downtown Eastside, e em Londres os Jogos Olímpicos agravaram a crise de habitação pré-existente na cidade. Os Jogos Olímpicos de Londres 2012 exacerbaram este problema, apesar de ser vendido à população como uma solução.

A subida dos preços dos alugueis é um sintoma de mudanças mais profundas no ambiente urbano que muitas vezes são resultado de políticas de exclusão intencionais que violam o direito à cidade iniciadas pela prefeitura como parte dos preparativos olímpicos. Outro sintoma é a remoção ou restrição de espaço público, controlando o espaço para que apenas determinados grupos (ou seja, aqueles com dinheiro) possam acessar esses espaços, transformando assim espaços democráticos em espaços de exclusão. A área ao redor do estádio olímpico em Atlanta, sede dos Jogos de 1996, tornou-se o Centennial Olympic Park, que foi vendido para moradores como um espaço público aberto, mas condenado pelo geógrafo urbano Charles Rutheiser como “uma simulação efémera de um espaço público aberto”.

Em Vancouver uma área pantanosa chamada EagleRidge Bluffs, popularmente frequentada por passeadores de cães e caminhantes, foi destruída para dar lugar a uma auto-estrada para Whistler, onde os eventos de esqui ocorreram. Em Londres camadas inteiras da população foram forçados a deixar a cidade, dado que não conseguiram mais assumir o custo de moradia quando a cidade se tornou inacessível para as pessoas com baixos salários. No Rio, estamos vendo espaços públicos importantes que estão sendo destruídos e transformados em espaços privados com fins lucrativos, exemplificado pela construção do campo olímpico de golfe na reserva ambiental de Marapendi e do próprio Parque Olímpico, que ocupou terras do Estado, que após os Jogos Olímpicos serão propriedade dos empreiteiros responsáveis pelo Parque, onde construirão habitações de luxo.

Uma vez que o espaço é privado, torna-se muito mais fácil para policiar. As empresas podem remover as pessoas que estão prejudicando a sua capacidade para gerar lucro muito mais facilmente do que o governo da cidade que existe, pelo menos em princípio, para todos os cidadãos. Em Atlanta, dos preparativos até os Jogos Olímpicos de 1996, cerca de 30.000 pessoas foram obrigadas a deixarem suas casas no centro da cidade devido à pressão do aumento dos aluguéis. Essas pessoas, como a diretora da Metropolitan Atlanta Task Force for the Homeless (Força Tarefa da Atlanta Metropolitana para os Desabrigados) notou, eram desproporcionalmente afro-americanos. Além disso, criminalizadas pelas leis agressivas contra os pobres, para muitas pessoas desabrigadas foram dadas as opções de deixarem a cidade ou serem presas e deste modo as ruas estariam “limpas” durante os Jogos. Apesar da imoralidade desta política, parece ter colado, sendo copiada em várias cidades anfitriãs nos últimos anos.

Em Sydney foram aprovadas leis para criminalizar a dissidência e diferença, e apesar da ênfase na reconciliação aborígene na retórica dos organizadores, uma verdadeira reconciliação não foi realmente adiante. Uma lei semelhante no Rio pode enquadrar manifestantes como terroristas. Em Vancouver, os moradores –principalmente na área de Downtown Eastside– foram incomodados pela polícia por pequenos delitos, incluindo embriaguez, irregularidades de pedestres e skate, enquanto o COI tenta adicionar skate no programa dos Jogos Olímpicos. Isto ilustra a diferença fundamental entre o desenvolvimento e a gentrificação: o primeiro visa melhorar uma área através do apoio ao desenvolvimento dos moradores existentes e suas comunidades, enquanto o último melhora uma área através de uma abordagem míope “solução rápida” de trocar os moradores para novos, mais ricos.

Gentrificação à Carioca

No Rio, o programa de pacificação da polícia trouxe um aumento da percepção de segurança e, com isso, o processo de gentrificação, como é evidente, no Santa Marta, que foi a primeira comunidade a receber a experiência de pacificação. Nesta comunidade, os custos de habitação praticamente dobraram nos sete anos desde que a UPP foi instalada e uma classe de maior renda está se mudando para lá, atraída pela vista deslumbrante e estilo de vida boêmio. Além disso, estes moradores mais recentes e de maior renda evitam vários aspectos da vida tradicional da favela, optando por não participar nas reuniões da comunidade, por exemplo. Santa Marta é uma comunidade em um processo de mudança rápida com alguns moradores sendo expulsos pelos preços de uma área onde eles viveram todas as suas vidas. Um processo semelhante está ocorrendo no Vidigal e outras favelas da Zona Sul, como descrito pelo geógrafo urbano Christopher Gaffney. Para ele, a gentrificação é um dos objetivos deliberados da política de pacificação.

Durante este período de preparações para os Jogos Rio 2016, então, não estamos vendo apenas uma das maiores campanhas de remoção em um país democrático na história, mas também uma mudança mais insidiosa na cidade, garantindo que os pobres sejam ainda mais excluídos de áreas da cidade e em alguns casos, forçando-os a deixar a cidade inteiramente. Este é o resultado de políticas que buscam incorporar terras da cidade para os empreiteiros aumentarem os seus lucros. O pouco esforço que houve para incorporar cidadãos nos processos de planejamento agora parecem simbólicos e ingênuos.

Os Jogos Olímpicos estão sendo utilizados pela Prefeitura do Rio para remover os pobres de seus centros urbanos, tanto através de remoções de comunidades como a Vila Autódromo quanto através da gentrificação de favelas como Santa Marta e Vidigal. Além disso, este desenvolvimento não é exclusivo do Rio; políticas semelhantes podem ser vistas em cidades-sede de megaeventos esportivos ao redor do mundo, que acabam expandindo as carteiras dos ricos e a exclusão dos pobres.

Referências

Lenskyj, H. (2000) Inside the Olympic Industry: Power, Politics, and Activism. Albany: State University of New York Press.
Lenskyj, H. (2002) The Best Olympics Ever? Social Impacts of Sydney 2000. Albany: State University of New York Press.
Rutheiser, C. (1996) Imagineering Atlanta: Making Place in the Non-Place Urban Realm. London: Verso.
Shaw, C. A. (2008) Five Ring Circus: Myths & Realities of the Olympic Games. Lancaster: New Society.

Adam Talbot é pesquisador de doutorado no Centro de Esporte, Turismo e Estudos do Lazer da Universidade de Brighton, Reino Unido. Ele está realizando um projeto etnográfico focado nos movimentos sociais e ativismo nos Jogos Olímpicos Rio 2016.

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