No Mato Grosso, a Esperança não é Boa e o Mundo não é Novo

Em Nota, a Comissão Pastoral da Terra no Mato Grosso denuncia nova tentativa de assassinato de trabalhadores e trabalhadoras do Acampamento Boa Esperança, na região de Mundo Novo. “Essa violência se perpetua há mais de oito anos, como insistentemente temos denunciado, praticada não só pelo grileiro, mas também pelo Estado e pelo Judiciário Estadual e Federal, quer seja por ação ou omissão”, destaca o documento. Confira na íntegra:

Na CPT

A Comissão Pastoral da Terra, CPT-MT, denuncia mais uma tentativa de assassinato de acampados/as do acampamento Boa Esperança, em Novo Mundo, Mato Grosso. Essa tentativa – no dia 21 de fevereiro de 2016 – não foi a primeira e também não é a única forma que o agronegócio tenta intimidar estes que sonham por uma terra de trabalho e de moradia. O histórico de violência é enorme e assustador.

Os trabalhadores e trabalhadoras rurais que buscam acessar a terra da União – Fazenda Araúna – grilada pelo fazendeiro Marcelo Bassan, no município de Novo Mundo, tiveram mais um capítulo de violência neste último final de semana. Essa violência se perpetua há mais de 8 anos, como insistentemente temos denunciado, praticada não só pelo grileiro, mas também pelo Estado e pelo Judiciário Estadual e Federal, quer seja por ação ou omissão.

No último sábado, os jagunços de Marcelo Bassan resolveram agir mais uma vez – já que das outras vezes nada lhes acontecera, nem mesmo ao mandante dos crimes: invadiram o acampamento fortemente armados, disparando para todos os lados, com coletes a prova de bala e encapuzados, atearam fogo nas casas, carros e motos, ameaçaram de morte os trabalhadores e trabalhadoras, jogaram gasolina em barraco com duas crianças dentro e expulsaram as famílias da terra. Buscavam pelas lideranças, queriam assassiná-las.

Cinco trabalhadores ficaram desaparecidos durante todo o dia de ontem, escondidos na mata; chegou-nos a notícia de que a principal liderança do grupo teria sido assassinada pelos jagunços, já que logo após a expulsão das famílias ouviu-se um intenso tiroteio. Contudo, a notícia não foi confirmada. Damos graças por isso, mas continuamos preocupados com a integridade das lideranças do acampamento Boa Esperança.

Essa violência sofrida pelas famílias na data de ontem já tinha sido anunciada no sábado (20/2), quando os jagunços, alguns encapuzados, encontraram uma das trabalhadoras e a ameaçou. O recado era: o grupo deve deixar a terra ou iriam expulsar as famílias à força.

O que a Comissão Pastoral da Terra denuncia é a existência de um crime organizado e sistemático no estado do Mato Grosso, que utiliza de estruturas ideológicas, jurídicas, aparelho de repressão, burocrático, midiático e ainda de pistolagem, também de setores do estado e das entidades de representação do agronegócio.

Histórico da Violência contra o Acampamento Boa Esperança

No início de 2015, as 100 famílias que estavam ocupando, há alguns anos, 2 mil hectares, dos 14 mil grilados por Marcelo Bassan, e que viviam de suas plantações, foram despejadas por liminar emitida pela juíza da Vara Agrária Adriana Sant’Anna Coningham. Na época, a CPT-MT denunciou a atuação imparcial desta juíza, bem como que “o juiz federal de Sinop, Sr. Murilo Mendes, responsável por julgar as ações em que a União figura como parte, contrariou todas as expectativas de diminuição da violência e implementação da Justiça ao se demonstrar extremamente moroso em emitir uma decisão”.

Diante da “ação” do Judiciário, tanto na esfera Estadual quanto Federal, que, no caso da primeira, quando é para despejar trabalhadores rurais sem terra, age de forma rápida e eficaz, já a Justiça Federal, quando é para reconhecer o direito da União sobre suas terras, para colocar na terra quem dela precisa, é lenta e ineficaz, e, somado a isso à omissão e negligência do Estado, quer pela demora em chegar ao local dos fatos, quer ao se negar a registrar Boletins de Ocorrência, quer por não apurar os crimes praticados contra os trabalhadores, ainda, conforme denúncias destes, “tem policiais militares levando informações para o fazendeiro e policiais civis fazendo pistolagem na fazenda”.

Em outubro de 2015, o grileiro Marcelo Bassan, num ato de extrema covardia, mandou atear fogo em 80 casas que eram ocupadas pelas famílias, queimando animais e plantações. Quatro meses após o crime, o estado de Mato Grosso ainda não apresentou às famílias o resultado da perícia feita no local do crime ou qualquer solução para a violência sofrida pelas mesmas.

O que denunciamos à época do ocorrido: “Essa violência sofrida cotidianamente pelas famílias e ao estado de direito, e que se intensificou de uma forma bárbara nos últimos dias, poderia ser resolvida com a decisão no processo que tramita na Justiça Federal de Sinop, de retomada da área para a União, que está na mesa do juiz Murilo Mendes, contudo o mesmo, após ter ficado com o processo concluso por 40 dias para sentença, o devolve no dia 13 (outubro) do corrente ano, sem nenhuma decisão. Com isso, o conflito tende a se intensificar ainda mais”, contínua vigente, e, por mais absurda que possa parecer a situação, o processo, ainda sem sentença, ficou mais de 60 dias nas mãos do advogado do grileiro Marcelo Bassan, somente sendo devolvido no último dia 15 de fevereiro de 2016.

Essa violência estruturada não se reduz ao acampamento Boa Esperança, mas a diversos outros grupos, como por exemplo: Gleba Macaco, no município de União do Sul; União Recanto Cinco Estrela, Novo Mundo; Renascer, em Nova Guarita; Gleba Gama, Lote 10, em Nova Guarita; Acampamento Retiro do Morro, Gleba Ribeiro em Guiratinga; Associação dos Trabalhadores Rurais do Rio Ferro, em Nova Ubiratã; Acampamento Bela Vista, Gleba Nhandu, Novo Mundo; Associação Pequenos Produtores Rurais de Santa Terezinha, Gleba Carlos Pelicioli, em Santa Terezinha, isso sem contar assentamentos e comunidades tradicionais que estão sendo ameaçados por fazendeiros, contando com a omissão e a conivência do Estado.

Todas estes acontecimentos e denúncias vêm sendo sistematicamente levados ao conhecimento da Ouvidoria Agrária Nacional que tem respondido com repetidas reuniões e conversas sem nenhum resultado efetivo que garanta a vida e segurança das comunidades e suas lideranças.

Só em despejos, já foram mais de 18.000 famílias despejadas nos últimos dezesseis anos em todo Estado, jogando famílias inteiras nas estradas ou periferias de cidades vizinhas, muitas vezes sem o pouco de bens que possuíam ou sem documentos.

A grilagem de terras públicas é realidade recorrente no estado do Mato Grosso, principalmente por políticos e famílias influentes que continuam se apropriando de milhares de hectares de terras Públicas – da União e do Estado – que deveriam ser destinadas à Reforma Agrária.

Os acampados/as e assentados/as vivem em um estado sem direito, vivem, em um estado de exceção, em que a vida nada vale. Exemplo disso é o histórico de 124 assassinatos registrados desde 1985, em que nenhum mandante foi preso.

A CPT e as entidades abaixo relacionadas reafirmam seu compromisso com a defesa da vida da comunidade do acampamento Boa Esperança, com a luta pela terra e na terra no Mato Grosso como condição irrenunciável de paz com justiça.

Solicitamos veementemente que o Governo do Estado e demais autoridades competentes tomem as providências cabíveis com a agilidade necessária para garantir a segurança dos trabalhadores/as do Acampamento Boa Esperança, viabilizar o acesso à terra, direito garantido na Constituição Federal para com isso estancar a violência no campo.

“Quero ver o direito brotar como fonte

e correr a justiça qual riacho que não seca.”

Amós 5, 24

Comissão Pastoral da Terra CPT/MT

Entidades apoiadoras:

Associação Matogrossense Divina Providência – MT

Centro Burnier Fé e Justiça – CBFJ – MT

Conselho Nacional do Laicato do Brasil – CNLB

CIMI – Conselho Indigenista Missionário – MT

Centro de Direitos Humanos Henrique Trindade Centro de Direitos Humanos Dom Máximo Biennès

Centro de Referência em Direitos Humanos, Prof. Lúcia Goncalves/UNEMAT

CUT MT – Central Única dos Trabalhadores de MT

Instituto Caracol – iC

Escritório de Direitos Humanos da Prelazia de São Félix do Araguaia

Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE

Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – FORMAD

Fórum de Direitos Humanos e da Terra- FDHT

Instituto Humana Raça Fêmina – INHURAFE – São Felix do Araguaia 4

Movimento 13 de Outubro – Rondonópolis

MTS – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – Tesouro

MTA – Movimento dos Trabalhadores Acampados e Assentados – Rondonópolis

Ouvidora Geral da Defensoria Pública de Mato Grosso

Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso – SINTEP

MTS – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – Tesouro

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