Modelo vigente de implantação de grandes obras de infraestrutura não é saída para a crise

Márcio Santilli, ISA

Um conluio entre as grandes empreiteiras brasileiras produziu o maior escândalo de corrupção já conhecido. Investigações policiais, associadas ao estranhamento geral da nação com os seus políticos e ao agravamento da depressão econômica, escancaram uma verdadeira gincana disputada entre essas empresas, cada qual com clientelas próprias e produzindo mazelas específicas.

Essas mesmas empreiteiras – ora umas, ora outras – pontificam em todos os demais escândalos envolvendo superfaturamento em obras e financiamento ilegal de campanhas eleitorais, além de mimos gigantes a detentores de cargos de confiança em órgãos ou empresas estatais e a políticos de vários partidos, segundo os espaços de decisão que dispõem sobre os orçamentos públicos.

Não há dúvida de que parte essencial da crise que nos assola é produto desse modelo corrupto e predatório, em que se multiplicam obras inacabadas, abandonadas ou questionáveis, notadamente grandes empreendimentos de infraestrutura em transportes e em energia. A capacidade de investimento do país foi sendo consumida nessa gincana, enquanto a economia foi apresentando taxas ridículas de crescimento após a bolha produzida em 2010 para eleger Dilma Rousseff. Com a reeleição, em 2014, a bolha virou um rombo monumental, com expressivas quedas do PIB em 2015 e, provavelmente, em anos seguintes, apesar da inflação. Estamos, literalmente, vivenciando o pior dos mundos!

Mas enquanto penamos para pagar as contas, os sábios economistas do governo, assim como os da oposição, anunciam a solução: mais obras de infraestrutura. Eles ainda parecem realmente acreditar que a liberação de grandes volumes de recursos públicos para a execução de obras é a maneira mais fácil, ou rápida, de promover certo aquecimento da economia

Agora mesmo, o Ministério dos Transportes publicou edital para construção de uma ferrovia, a Ferrogrão – ao custo estimado de quase R$ 10 bilhões, ligando a cidade de Sinop, no norte do Mato Grosso, com o porto de Mirituba, no oeste do Pará, com o objetivo de escoar a produção de soja, o que até faz sentido. A ferrovia correrá paralela à rodovia BR-163, cuja pavimentação foi interrompida após 10 anos de debates e de investimentos calcados naquele mesmo objetivo.

Empresas ligadas ao agronegócio se dispõem a executar a obra, 70% da qual será subsidiada pelo BNDES. E o governo devolverá quase R$ 40 milhões às empreiteiras que fizeram os estudos de viabilidade da obra. E o interessante é que a pavimentação da BR-163 está paralisada por falta de recursos, sendo que não aparecem interessados nos respectivos leilões, até porque todos sabem que, com a pretendida ferrovia escoando a produção, não haverá transito suficiente na estrada para bancar o seu custo pela cobrança de pedágio.

Mais interessante ainda é o caso da Ferrovia Norte-Sul, que talvez um dia ligue o Centro-oeste ao porto de São Luiz, através da conexão com a Ferrovia de Carajás. São décadas em investimentos sem qualquer retorno para a economia ou para a população. Até o ano passado, discutia-se a construção de um ramal ferroviário ligando o mesmo Mato Grosso ao trecho da Ferrovia Norte-Sul que atravessa o Tocantins. A Polícia Federal acaba de iniciar uma operação para investigar crimes como cartel, lavagem de dinheiro e superfaturamento a nessa e em outras ferrovias (saiba mais).

Mesmo estando os principais empreiteiros na cadeia, ou perambulando com tornozeleiras eletrônicas, os seus interesses continuam governando o país. Tanto é que a presidente Dilma Rousseff editou uma Medida Provisória – com força imediata de lei – para facilitar a realização de acordos de leniência para que as empreiteiras que promovem a gincana corrupta possam continuar contratando com os poderes públicos (saiba mais). E editou, ainda, outra medida provisória, transferindo para as empresas a competência de desapropriar áreas, por interesse público, no contexto das obras que executam. Mais dinheiro e mais poder.

Enquanto a economia e a política continuarem girando em torno dessas mesmas quadrilhas, não haverá a tal retomada do crescimento da economia. Ao contrário, a pútrida unanimidade em promover mais obras – antes mesmo de concluir as já iniciadas, de depurar os contratos superfaturados e os editais viciados, de recuperar parte do investimento desviado e de punir os responsáveis por toda essa desgraça – está demonstrando que ainda não há força política significativa apontando caminhos, não havendo, portanto, nem mesmo um remoto horizonte de superação da crise.

Imagem: Rodovia BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), foi aberta nos anos 1970 como mais uma das grandes obras de infra-estrutura projetadas pela ditadura militar para pretensamente tentar integrar a Amazônia à economia nacional. O asfaltamento da estrada ainda não foi concluído | © Wigold Schaffer – MMA

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