Apesar de não ser a maior potência agrícola mundial, atualmente o Brasil lidera o ranking de consumo de alimentos contaminados por agrotóxicos. Especula-se, ainda, que em poucos anos o país consiga superar Estados Unidos e União Europeia, líderes na exportação de alimentos. Por enquanto, a única liderança imbatível do Brasil está relacionada à comercialização de agrotóxicos. De acordo com dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2008 o Brasil chegou a superar os EUA e assumiu o posto de maior mercado mundial de agrotóxicos.
Mas a quem interessa a liderança na exportação de alimentos em larga escala no Brasil? É importante lembrar que objetivo desta superação é uma artimanha ambiciosa do agronegócio, que só consegue produzir alimentos em proporções gigantescas se injetar grande quantidade de veneno nas plantações e modificar geneticamente estes alimentos para deixá-los mais resistentes a pragas.
No entanto, estudos científicos apontam que o contato de trabalhadores/as do campo com os mais variados tipos de agrotóxico e o consumo de alimentos por eles contaminados são dois dos principais fatores responsáveis pelo aumento do número de doenças graves, como o câncer, entre a população brasileira. Com o objetivo de alertar a população sobre os riscos que os alimentos contaminados e geneticamente modificados causam à saúde, o Fundo Dema pauta o debate em todas a suas programações com os projetos, apresentando a Campanha Permanente de Luta Contra os Agrotóxicos. Foi assim também durante a Oficina de Monitoramento e Prestação de Contas, realizada nos municípios de Altamira, Santarém e Itaituba, entre os dias 15 e 23 de fevereiro, que reuniu todos os projetos apoiados na 3ª Chamada Pública Geral do Fundo Dema.
O debate foi incitado com a exibição do vídeo “O veneno está na mesa”, um documentário de Silvio Tendler produzido para a Campanha, que denuncia o alto consumo de alimentos transgênicos e contaminados com fungicidas, pesticidas e herbicidas extremamente nocivos à saúde humana, como Fosmete, Triclorfom, Carbofurano, Parationa Metílica, Abamectina, Cihexiatina, Acefato, Glisofato, Tiram, Lactofem, entre outros. Foram distribuídos, também, cartazes e panfletos com informações sobre os malefícios causados por estes venenos, para que os/as participantes das oficinas pudessem ampliar o debate em suas comunidades.
Coordenadora do projeto ‘Cuidando da Vida no Bioma Amazônico’, apoiado pelo Fundo Dema em parceria com o Fundo Amazônia, Ir. Marialva Costa, não se surpreendeu ao assistir ao vídeo. Isso porque a sua experiência diária lhe garante um bom conhecimento sobre os estragos protagonizados pelos agrotóxicos. Atuando na área da saúde por meio de terapias alternativas e integrativas, nos próximos dois anos Marialva acompanhará o projeto que objetiva a implantação de uma ‘farmácia viva’, por meio do uso sustentável de espécies nativas da Amazônia, no sentido de oferecer um atendimento baseado em uma visão holísta e possibilitar às comunidades um conhecimento maior sobre as plantas, resgatando a sabedoria popular, além de orientá-las quanto ao uso adequado à saúde e de respeito ao meio ambiente.
Para ela, além de levar orientação às comunidades do campo e da floresta, é necessário criar alternativas para que as pessoas não necessitem fazer uso de agrotóxicos em suas lavouras. “Quando assistíamos ao filme, olhei para os lados e vi que pra muita gente aquelas informações pareciam novidade. A gente cobra a não utilização dos agrotóxicos, mas eles não têm informação de outras alternativas para não usar tanto veneno. Na prática do dia-a-dia a gente vivencia muita coisa errada. Tem um produto químico chamado ‘Barragem’ e que eles utilizam em tudo o que é canto, nas casas pra matar cupim, passam nas verduras e depois estão todos empolados. É preciso pensar uma iniciativa em cadeia. Esta iniciativa foi muito importante pois mostrou aos agricultores os perigos, mas precisamos aglutinar as pessoas”, avalia Marialva.
Pronara Já!
O Programa Nacional de redução de Agrotóxicos (Pronara) é parte integrante da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), que é uma política pública do Governo Federal. Ele resulta da articulação entre instituições de pesquisa de ensino, órgãos do governo e organizações da sociedade civil. O principal objetivo do Pronara é a conversão da agricultura baseada no uso de agrotóxicos por uma agricultura orgânica e de sustento agroecológico.
Tendo sido aprovado em 2014, o Pronara deveria ter sido lançado pelo Governo Federal em novembro de 2015, durante a V Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, porém, para a frustação de todos e todas, isso não aconteceu. Acredita-se que este adiamento esteja relacionado ao engavetamento por interesses políticos, após Kátia Abreu, Ministra da Agricultura e personagem exponente do Agronegócio, ter pedido para rever o Programa, uma vez que os seis eixos reguladores que o constituem, explicados didaticamente na cartilha Pronara Já!, obriga legalmente os ministérios a concretizar ações contra os agrotóxicos.
Ameaça à produção familiar
O agronegócio se caracteriza enquanto um perverso modelo agrário. Isso porque não democratiza o acesso ao trabalho no campo e nem divide com o lucro as famílias agricultoras. Para este modelo a terra não é um bem comum, ou seja, o agronegócio não considera que ela pertença a uma coletividade. Pelo contrário, os grandes empresários que criam animais e cultivam plantações de uma única espécie em larga escala – que são os chamados monocultivos – se apropriam da terra de forma individual e a transformam em um objeto meramente lucrativo. Sem acesso a ela muitos camponeses migram para as cidades em busca de emprego, ficando ainda mais suscetíveis aos problemas sociais. Tudo é muito injusto e desigual, muitos com pouco e poucos com muito. Para o agronegócio, quanto mais terra para produzir, mais dinheiro entrará no cofre de algumas poucas pessoas.
Para os camponeses, a soberania alimentar só será possível se a relação entre o homem e a terra for tratada com harmonia e não como uma mercadoria. De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário, a agricultura familiar é responsável por cerca de 70% dos alimentos que abastecem as mesas dos lares brasileiros. Portanto, o discurso do agronegócio, contraditoriamente fortalecido pelo próprio Governo Federal, em ampliar a produção agrícola para alcançar a liderança na exportação de alimentos não passa de uma cobiça monopolista de latifundiários e pecuaristas, cujo único objetivo é obter lucro a qualquer custo. Concentração de terras, poluição e devastação ambiental, exploração do trabalhador, utilização de agrotóxicos, formam um conjunto de estratégias do agronegócio para perpetuar uma lógica capitalista onde os ricos ficam cada vez mais ricos afastando os agricultores do acesso à terra.
Agroecologia é a alternativa
Diferentemente do agronegócio, a agroecologia é um modelo de agricultura totalmente voltado à subsistência e à segurança alimentar. Por isso não está vinculada à propriedade de terra e nem à utilização de agrotóxicos. Este modelo procura congregar a participação de homens, mulheres, jovens e idosos no campo, de forma a estabelecer uma relação justa e harmônica com a natureza. A diversidade no cultivo é primordial, pois evita o desgaste do solo, permite a reciclagem de nutrientes e retira o/a agricultor/a da dependência de uma única cultura, possibilitando outras atividades sustentáveis garantam a sobrevivência, caso venha se deparar com pragas ou doenças em sua lavoura.
Dissociado da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento, a agroecologia é considerada uma forma alternativa para a soberania e segurança alimentar. Segundo matéria publicada pelo Portal Brasil, ligado ao Governo Federal, hoje “o pequeno agricultor ocupa papel decisivo na cadeia produtiva que abastece o mercado brasileiro”. Nesse sentido, a garantia de políticas públicas, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) são fundamentalmente importante para o fortalecimento da pequena agricultura e para que ela assegure uma alimentação saudável à população.
Assista ao vídeo da campanha realizada em Itaituna, na região da BR 163
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Foto: Às margens do Rio Tapajós, agricultores e agricultoras da BR 163 dizem não ao uso de agrotóxicos
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Vânia Carvalho.