Política de drogas nas favelas e no asfalto: uma guerra sem vencedores

Stephanie Reist – RioOnWatch

Na última quarta-feira, na Biblioteca Parque Nacional, o ativista de direitos humanos e das redes sociais Raull Santiago, do Coletivo Papo Reto, juntou-se à pesquisadora Ana Paula Pellegrino, do Instituto Igarapé, para discutir a “Guerra sem Vencedores: a Política de Drogas na Favela e no Asfalto“, uma iniciativa da revista VozeRio, e sua série de debates “Conversas na Biblioteca”.

Como o título do evento sugere, na guerra contra as drogas não há vencedores. Santiago apontou que aqueles que inevitavelmente perdem são moradores de favela negros e pobres: “E, no fim das contas, a guerra às drogas é feita por pretos, pobres e nordestinos contra outros pretos, pobres e nordestinos”.

Ana Paula Pellegrino concordou, e acrescentou que, embora o porte de drogas seja parcialmente descriminalizado no Brasil, a falta de critérios objetivos para distinguir entre usuários e traficantes leva os policiais e os meios de comunicação a caracterizar de forma incontestável certas pessoas como usuários e outras como traficantes: “Quando se fala de droga na favela, é sempre tráfico, nunca uso. Quando pegam um menino com droga, nunca é usuário, é traficante”.

A pacificação tem sido a mais recente repetição da guerra contra as drogas, que continua a caracterizar favelas como locais de tráfico, levando a políticas públicas unilaterais. “Durante os últimos cinco anos de pacificação”, observou Santiago, “A única atuação das políticas públicas no Complexo tem sido através da política de segurança: os moradores são olhados pela mira de um policial”. Essa guerra liderada pela segurança levou os moradores a verem a polícia apenas como mais uma “facção” que busca o controle territorial de forma violenta.

Ana Paula Pellegrino enfatizou como a Guerra às Drogas é, em última análise, equivocada. “A primeira coisa a ser lembrada é que a criminalização não impede ninguém de usar drogas. Quem quiser drogas, vai conseguir e vai usá-las” afirmou, acrescentando que a criminalização pode levar a um maior uso de drogas por “criar um fetiche em relação ao que é proibido”. Para Ana Paula Pellegrino, o uso de drogas é, em última instância, uma questão de saúde pública. Ao torná-la uma questão criminal, a guerra às drogas estigmatiza aqueles que procuram tratamento, uma vez que temem ser entregues por seus próprios médicos.

Santiago destacou outro lado do debate da saúde pública quando se fala de guerra às drogas: as altas taxas de mortes que assolam os moradores das favelas, mesmo aqueles que não estão envolvidos com o tráfico: “Na favela, não tem bala perdida: porque a bala vai reta e a favela é curva”.

Como disse a moderadora em sua introdução ao evento, as perspectivas de Santiago e Ana Paula Pellegrino se complementaram muito bem. Ana Paula Pellegrino tendia a se concentrar no global, enfatizando como, apesar dos impactos da guerra às drogas liderada pelos Estados Unidos em toda a América Latina, alguns países, mais especificamente o Uruguai, optaram por adotar políticas mais progressistas de descriminalização. As leis ambíguas do Brasil e as altas taxas de encarceramento–a população carcerária no Brasil é a quarta maior do mundo–representam um passo atrás.

Raull Santiago baseou sua experiência no contexto da vida local na favela. Em uma história especialmente emocionante, ele contou ao público sobre seu amigo Fábio, que tentou conseguir um emprego, mas quando os empregadores descobriram que ele era do Complexo do Alemão, recusaram-se a contratá-lo, levando Fábio à vida do tráfico e à sua eventual morte. Santiago lamentou a imagem unilateral que temos do seu amigo: “No imaginário geral, Fábio não morreu por causa de um processo de negações, no imaginário geral ele morreu porque era traficante, vendia drogas, resolveu fazer isso e acabou”.

As perguntas da plateia pareciam refletir dois sentimentos dominantes: os que acreditavam que a descriminalização das drogas levaria a mais viciados e, portanto, a mais crime nas favelas, e aqueles que olharam para as políticas de outros lugares para ressaltar quão violenta e desigual, e, portanto, sem sucesso, tem sido a guerra contra as drogas no Brasil.

Ana Paula Pellegrino ressaltou a necessidade da ciência informar a política. Embora para a ciência pareça claro que a atual política não está funcionando–as taxas de utilização não caíram–ela instou os presentes a estarem abertos a várias possibilidades: “Há um mundo de políticas que precisamos testar de forma responsável”.

Raull Santiago, com lágrimas nos olhos, instou os membros da plateia, e ele próprio, a acreditar nessas outras políticas e possibilidades, apontando para o “Acredite” tatuado no braço: “Carrego esta tatuagem não é porque eu acredito muito não. Pelo contrário. É porque, diante do que eu vivo, diante do que eu vejo, diante do que eu sinto, diante do tanto de situações que me afunilam, me deixam sem ar…quando a gente está triste, cansado, [a gente] olha para baixo. E aí, se eu ficar desanimado e olhar para baixo, vou ver isso no meu braço: “Acredite”. Porque, ao mesmo tempo que é muito difícil fazer o que a gente faz, a gente vê alguns resultados positivos. Vocês estarem aqui hoje, isso é positivo”.

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