Por Direitos e Soberania Alimentar: falam as mulheres!

A busca pela diversificação dos sistemas alimentares tem sido iniciativa das mulheres, mas ainda se vê pelo país casos de violência que dificultam esse caminho. Quer um exemplo? Maridos chegam a jogar agrotóxicos nas plantações por discordarem das agricultoras que decidem realizar a transição agroecológica

Por Maria Emília Pacheco¹, na Fase

Como atuam as mulheres na defesa e na promoção da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional? Que propostas e mecanismos inovar ou aperfeiçoar para a efetivação dos direitos das mulheres na Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional? São perguntas para o 8 de março, Dia Internacional da Mulheres.

Há que reconhecer conquistas através das lutas, mas ainda vivemos tempos de muitas desigualdades. Miriam Nobre e Nalu Faria, na publicação “Gênero e Desigualdade”, da Sempreviva Organização Feminista, escrevem que as relações sociais de gênero estruturam o conjunto das relações e das práticas sociais. Os espaços da família, do mundo do trabalho, da política, da economia, da cultura, organizam-se a partir de papéis masculinos e femininos definidos socialmente e são relações hierárquicas e de poder. O conceito tem uma base material, e não apenas ideológica, que se expressa na divisão sexual do trabalho.

A Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional adotou esta perspectiva ao inscrever entre seus objetivos a articulação de “programas e ações de diversos setores que respeitem, protejam, promovam e provejam o direito humano à alimentação adequada, observando as diversidades social, cultural, ambiental, étnico-racial, a equidade de gênero e a orientação sexual, bem como disponibilizar instrumentos para sua exigibilidade”.

Nos últimos anos, o quadro de segurança alimentar melhorou no país. A desagregação dos dados da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), que mensura a percepção dos moradores de referência dos domicílios em relação ao acesso aos alimentos, mostra-nos, entre 2009 e 2013, uma variação positiva de 13,7% nos lares chefiados por mulheres.  Mas a prevalência da insegurança alimentar grave, ou seja, a vivência de situações de fome, persiste nestes domicílios em todas as regiões do país. Segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 2013, o percentual de 3,9% entre as mulheres é pior do que o índice dos domicílios chefiados pelos homens, que é da ordem de 2,8%. Também é pior do que a média nacional, que equivale a 3,2%.

Historicamente, as mulheres do campo, das florestas e das águas, além de menor acesso à terra e ao território, financiamentos, assistência técnica e comercialização dos produtos, vivem também limitações para suas liberdades pessoais e autonomia econômica. Muitas vezes, técnicos e agentes públicos naturalizam a visão sobre a família como se fosse homogênea, ignorando as relações sociais de gênero. Assim procedendo, acabam por identificar como interlocutor do Estado o homem como “chefe de família”.A redução da pobreza e, sobretudo, da extrema pobreza no país veio acompanhada da redução da insegurança alimentar e da fome. As desigualdades que permanecem mostram a importância de políticas afirmativas que respondam às diferentes realidades das mulheres.

O papel das mulheres continua também sendo invisibilizado ou contestado mesmo quando elas assumem uma posição de liderança. No entanto, a busca de novas alternativas de alimentação e transformação dos alimentos, visando o enriquecimento da dieta alimentar, e geração de renda, com a diversificação dos sistemas alimentares e processos de transição da agricultura convencional para a agroecológica, de forma recorrente tem sido de iniciativa das mulheres. Mas ainda se vê pelo país casos de violência patrimonial por parte dos maridos que jogam veneno em suas plantações por discordarem de sua decisão.

A busca de maior independência financeira para as mulheres rurais, assim como já alcançado em grande parte pelas mulheres urbanas, faz parte de sua agenda. As mulheres, especialmente nas cidades, integraram-se no mundo do trabalho. Isto é uma conquista.  Mas a visão patriarcal que vincula o trabalho das mulheres às mudanças do perfil alimentar da população precisa ser contestada.

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), por exemplo, podem favorecer a autonomia econômica das mulheres. Em muitos casos, esses programas redinamizam e diversificam o processo produtivo e favorecem a valorização das culturas alimentares com espécies e variedades que em alguns contextos estavam sendo deixados de produzir, como, por exemplo, abóbora, inhame, batata-doce, cará, fruta etc.

 

A 5ª Conferencia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, realizada no ano passado, com o lema “Comida de verdade no campo e na cidade: por direitos e soberania alimentar”, contou com a participação de  54% de mulheres. Sua Carta Política destaca:“ ainda hoje a imensa maioria das mulheres vivencia triplas jornadas de trabalho e mulheres negras sofrem dupla discriminação, de gênero e de raça”. O documento também aponta a urgência em “conquistar novos direitos e aprofundar programas e ações que viabilizem o trabalho em condições equivalentes aos homens, a construção e ampliação de equipamentos públicos e de infraestrutura de produção que promovam as mulheres e que possibilitem a sua autonomia econômica e política, aí incluindo abrigos e delegacias para situações de violência doméstica, creches, lavanderias coletivas, cozinhas e restaurantes comunitários, entre outros equipamentos. Faz-se igualmente necessário avançar nas estratégias de atenção à saúde da mulher”.

Precisamos ouvir as mulheres e reconhecê-las como sujeitos políticos portadoras de novos sentidos para continuarmos caminhando na construção da soberania e segurança alimentar e nutricional com igualdade de gênero. Esse é um dos fatores determinantes para a garantia do direito à alimentação adequada e saudável.

[1] Antropóloga, integrante do Grupo Nacional de Assessoria (GNA) da FASE e presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

Ato contra o agronegócio no III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) . Foto: Valter Campanato /ABr.

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