MP rejeita exoneração de promotor acusado de sequestro e cárcere privado da própria esposa

Douglas Kirchner teria permitido que mulher passasse cinco meses em cárcere privado após ter sido punida, por pastora de igreja, com uma surra de cipó

por Viomundo, na Rede Brasil Atual

É uma história bizarra. Douglas Ivanowski Kirchner assumiu o cargo de procurador da República em Rondônia quando a mulher, Tamires, estava sequestrada por integrantes da Igreja Evangélica Hadar, em Porto Velho, à qual o casal pertencia.

Tamires foi punida pela pastora da igreja com uma surra de cipó por ter jogado fora a aliança de casamento. Douglas assistiu.

Depois disso, ela foi colocada num “regime disciplinar”: passou cinco meses em cárcere privado com o conhecimento e conivência de Douglas.

Ela sobreviveu comendo restos de comida, não tinha acesso a itens de limpeza e nem a remédios. Dormia no chão.

A família chegou a denunciar que Tamires estava desaparecida. Enquanto ela era mantida prisioneira, Douglas assumiu o cargo no MPF/Rondônia, em maio de 2014 e, assim, ingressou no estágio probatório de dois anos.

Tamires conseguiu fugir do cárcere privado e denunciou o marido ao MPE de Rondônia.

Douglas foi transferido pelo procurador-geral Rodrigo Janot ao Distrito Federal para tratamento psiquiátrico.

Ele ocupa provisoriamente a vaga do promotor Paulo Roberto Galvão de Carvalho, que trabalha na Operação Lava Jato em Curitiba.

Mas, não foi o fim da carreira dele. Pelo contrário: Douglas ganhou notoriedade outra vez em 2015. Segundo a defesa de Lula, ele vazou documentos de investigação que havia aberto contra o ex-presidente que corria sob sigilo. Destino dos vazamentos? A revista Época, da família Marinho.

Os documentos, com a chancela do MPF, traziam suspeitas de que Lula teria praticado tráfico de influência em defesa de empreiteiras, no Exterior.

epoca

Eles foram base para duas reportagens de capa da revista.

No início de março de 2016, a assessoria de Lula divulgou a seguinte nota oficial:

NOTA À IMPRENSA

Lula pede explicações ao CNMP sobre vazamentos de documentos sigilosos a Época

Advogados consideram que houve violação da privacidade do ex-presidente

São Paulo, 2 de março de 2016

Os advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva protocolaram junto ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), nesta terça-feira (1), um pedido de explicação a respeito das ações do procurador Douglas Ivanowksi Kirchner, do 5º Ofício de Combate à Corrupção em Brasília — DF. Segundo os advogados do ex-presidente Lula, procurador violou os limites impostos pela Constituição Federal e a legislação infraconstitucional.

O documento protocolado afirma que Kircher negou aos advogados do ex-presidente acesso aos documentos do procedimento de investigação, cerceando o direito à defesa de Lula. Pior, as cópias dos documentos foram vazados à revista Época, embora esse procedimento esteja sob sigilo. Contrariando as regras do Ministério Público, o procurador Douglas Kirchner redistribuiu a investigação a si próprio, quando o correto seria distribuir o processo a outro procurador.

Os advogados do ex-presidente Lula pedem ao CNMP pleno acesso aos autos do processo e a apuração de quem foi o responsável pelo vazamento à imprensa. A atitude do procurador, segundo o pedido de esclarecimento, “já implicou violação da privacidade, da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana” do ex-presidente.

Neste 14 de março de 2016, o Conselho Superior do Ministério Público Federal se reuniu para avaliar se Douglas Kirchner, que também responde a processo criminal acusado de sequestro e cárcere privado da própria mulher, cumpriu ou não as condições do estágio probatório.

Se não, ele poderia perder o cargo.

Curiosamente, em sua defesa Douglas alegou “vazamento ilícito” do sigilo da medida protetiva que a Justiça impôs contra ele, além de “quebra do sigilo profissional” da advogada de Tamires, que fez a denúncia pública.

Nos últimos dias, quem assumiu a defesa de Douglas? A advogada Janaina Paschoal, aquela que pediu o impeachment de Dilma Rousseff ao lado de Hélio Bicudo.

Ela informou ao CS do MPF que foi procurada por Douglas Kirchner e se interessou pelo caso por se tratar, na definição de Janaína, de um caso de “liberdade religiosa”.

A certa altura da sessão, Janaína alegou que Douglas tinha “a mente propícia para ser cooptada”, ou seja, teria maltratado a mulher sob influência da igreja.

A vice-procuradora geral da República, Ela Wiecko de Castilho, sugeriu a exoneração de Douglas, mas teve parecer rejeitado.
A vice-procuradora geral da República, Ela Wiecko de Castilho, sugeriu a exoneração de Douglas, mas teve parecer rejeitado.

A presidente do Conselho e relatora Ela Wiecko Volkmer de Castilho votou pelo encaminhamento, ao PGR, de decisão que poderia levar à demissão de Douglas. Ela citou o laudo pericial demonstrando que Tamires foi espancada com instrumento contundente. Segundo ela, Tamires foi submetida a violência “psíquica, moral e simbólica” com a conivência do procurador.

Ela Wiecko lembrou que Douglas “admite que assistiu a surra com cipó no sítio, no Carnaval [de 2014], e não teve forças para reagir. Nesse dia, não era procurador ainda, mas tornou-se depois e mesmo sendo procurador continuou morando na igreja, casado com Tamires e a situação permaneceu a mesma até a fuga dela em julho”.

A relatora argumentou que as provas de que Douglas praticou violência contra a mulher e fanatismo religioso eram mais que suficientes para um juízo do Conselho Superior do MPF de que Douglas “não possui idoneidade moral para exercer o cargo de procurador da República”.

O conselheiro Mário Bonsaglia lembrou que Douglas teve de ser retirado de Rondônia para escapar da influência da igreja: “Ele vai ter de ser tutelado pelo resto da carreira?”, perguntou.

Já o conselheiro Carlos Frederico Santos lembrou até o caso do suicídio coletivo de Jim Jones para destacar o poder da religião, sugerindo que Douglas foi vítima da “seita”, termo utilizado pela defesa do promotor. Carlos Frederico levantou dúvidas sobre o comportamento da própria Tamires.

Na sexta-feira passada, de última hora, Douglas Kirchner apresentou o laudo de uma psiquiatra afirmando que “à época dos fatos era o examinado portador de distúrbio psiquiátrico do tipo reativo, caracterizado por fanatismo religioso”.

“O pecado do doutor Douglas Kirchner foi ter se omitido, se ele tivesse vontade, mas ele não tinha vontade”, argumentou o conselheiro Augusto Aras.

Mas, e agora, neste período em que Kirchner investigou o ex-presidente Lula?

Segundo o mesmo laudo, “no momento [Douglas] não apresenta sintomas de patologia psiquiátrica”. Aras afirmou que Kirchner é vítima de moralismo, como o que teria existido nos regimes de Hitler, Mussolini e Stálin.

O conselheiro enveredou pela política, dizendo que o Brasil precisa de “estadista” e que está “se acabando”. Também afirmou que Douglas recebeu elogios por sua atuação e “enfrentou as autoridades mais poderosas”, numa referência oblíqua à ação do promotor contra Lula.

No final, a proposta da relatora foi derrotada por 5 a 4.

Além da relatora, os conselheiros Mario Bonsaglia, Monica Garcia e Deborah Pereira consideraram que o promotor violou a Lei Maria da Penha quando já era integrante do MPF.

Os conselheiros Eitel Pereira, José Bonifácio de Andrada, Carlos Frederico Santos, Antonio Aras e Maria Caetana Santos votaram contra a relatora. Um dos argumentos que utilizaram é de que Douglas Kirchner teria sido vítima da igreja tanto quanto sua mulher Tamires. Eles consideraram o promotor apto a desempenhar suas funções.

O Conselho Superior do MPF definiu que cabe ao PGR Rodrigo Janot a decisão de determinar onde Douglas vai trabalhar.

Quando vencer o prazo do estágio, em 14 de maio, apesar das graves acusações que pesam contra ele, Douglas Kirchner deverá obter a tão desejada vitaliciedade.

Destaque: Douglas assumiu o cargo de procurador da República em Rondônia quando a mulher, Tamires, estava sequestrada. Reprodução RBA.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

cinco − um =