Deputados chilenos aprovam descriminalização do aborto para gravidez decorrente de estupro

Projeto impulsionado por Bachelet permite a interrupção voluntária da gestação em três casos e seguirá para votação no Senado

Victor Farinelli | Santiago – Opera Mundi

Os deputados chilenos aprovaram, nesta quinta-feira (17/03), o projeto de lei impulsionado pela presidente do Chile, Michelle Bachelet, para descriminalizar o aborto em casos específicos. A medida visa tornar legal o aborto em casos de risco de vida para a mulher, de feto sem condições de sobreviver e de gravidez fruto de abuso sexual.

As três causas foram separadas em votações diferentes, por pedido feito em conjunto pela oposição e pelo Partido Democrata Cristão — que forma parte da coalizão governista Nova Maioria, de centro-esquerda.

A primeira votação foi sobre o caso de risco de vida para a gestante e teve a vitória mais ampla: 67 votos favoráveis, 43 contrários. O capítulo sobre o aborto em caso de “alteração congênita ou genética de caráter letal”, segundo o texto do projeto de lei, obteve 62 votos a favor, 46 contra e duas abstenções. Finalmente, o aborto em casos surgidos de abusos sexuais foi aprovado por 59 deputados, teve 47 votos contra e quatro abstenções.

Após o resultado, o texto foi enviado para o Senado, último trâmite antes de poder ser promulgado pela presidente Michelle Bachelet. No caso de se tornar lei, o Chile voltará a ter uma legislação permissiva apenas em casos específicos. Entre 1931 e 1980 — quando a ditadura de Pinochet impôs a sua Constituição —, o aborto em caso de risco de vida para a gestante era permitido. As outras duas causas seriam inéditas.

Trâmite conturbado

A aprovação do projeto de aborto em três casos foi a conclusão de um processo que se arrastrava desde setembro, com o texto travado nas comissões mistas do Congresso chileno — graças a reiteradas indicações apresentadas pela oposição e pelo Partido Democrata Cristão.

O governo considerou uma vitória conseguir a aprovação definitiva das comissões, após a inclusão de dois artigos especiais. Um desses artigos tem a ver com a “objeção de consciência” para os médicos que se declarem contra o aborto — o profissional teria que manifestar formalmente e não poderia mais realizar o procedimento. O outro artigo prevê a criação de um organismo de assistência às mulheres abusadas sexualmente.

Segundo a ministra Claudia Pascual, do Sernam (Serviço Nacional da Mulher, responsável pelo projeto), “a aprovação hoje permite ter esperança de que isso possa ser lei já nós próximos meses. Esperamos que antes do segundo semestre as mulheres chilenas que se enfrentem a um desses três casos possam decidir de forma livre e soberana”.

A ministra também ressaltou que o projeto que será apresentado ao Senado não terá alterações, como chegou a acusar a oposição. “Poderemos incluir algumas precisões ao texto, tendo em vista as dúvidas que vimos na Câmara, isso é normal e não alteram o conteúdo do que está proposto”, explicou ela.

Clima quente em plenário

A votação foi precedida por um debate ríspido entre os deputados que apoiaram e rechaçaram a proposta, o que também foi alimentado por muitos gritos vindos da plateia que assistia a sessão, onde via grande presença tanto de grupos feministas pró-aborto, como de organizações ligadas a igrejas católicas e evangélicas, que são contra a medida. A causal de abuso sexual, que terminou com a menor vantagem de votos favoráveis, foi também a que gerou mais controvérsia.

A deputada socialista Cristina Girardi foi uma das mais enfáticas, e chegou a pedir aos colegas homens que “lembrem que também existem homens que sofrem estupro e isso também é terrível, mas só no caso da mulher essa violência pode significar uma gravidez, porque se fosse o contrário, ou se ambos pudessem engravidar, isso já seria lei há muito tempo”. Quem também se destacou entre os apoiadores foi o deputado Giorgio Jackson ao dizer que “não aceito o argumento dos que se opõem ao projeto, de que eles não fazem isso para reprimir sexualmente as mulheres e sim `porque estão a favor da vida´, pois são os que sempre estiveram contra a liberação dos meios anticoncepcionais, depois contra a distribuição deles nos hospitais públicos e os que se resistem até hoje a legislar sobre a educação sexual nas escolas”.

Por sua parte, a oposição usou boa parte do seu tempo para lançar apelos ao Partido Democrata Cristão, que era aliado da direita contra o projeto até janeiro, e cuja mudança de postura foi o que permitiu a votação desta quinta. O deputado Nicolás Monckeberg assegurou que “se esse projeto for aprovado, em poucos meses veremos como ele esconde a possibilidade de haver abortos no Chile de forma indiscriminada, pela fragilidade do texto, e então aqueles que são pró-vida cobrarão dos democratas cristãos a posição humanista que deles se esperava e a qual eles pretendem trair hoje”.

Monckeberg também afirmou que, caso o Senado ratifique a aprovação do projeto, a oposição pretende entrar com uma ação contestatória no Tribunal Constitucional. “A questão do direito à vida está estabelecida constitucionalmente, a presidente Bachelet pode querer mudar a Constituição, mas por enquanto ainda estamos regidos pela de 1980, e ela diz que nenhuma lei pode atentar contra o direito à vida”, afirmou o deputado.

A ministra do Sernam, Claudia Pascual, se referiu a essa possibilidade, minutos depois: “todas as reformas aprovadas durante o atual governo, como a tributária e a educacional, foram levadas ao tribunal constitucional e sempre tivemos decisões favoráveis. Portanto, estamos preparados para enfrentar novamente essa instância”.

Foto: Manifestantes comemoram decisão da Câmara

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