Biopirataria, Cultura Material e Repatriação do ‘Sangue Yanomami’

Por Alenice Baeta para Combate Racismo Ambiental

Finalmente chegou uma terceira remessa de amostras de sangue de alguns indígenas Yanomami coletados indevidamente decênios atrás por equipe de pesquisadores norte-americanos coordenados pelo controverso geneticista Napoleon Chagnon.

O Departamento de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores, intermediou a devolução das amostras de material biológico a partir do acordo celebrado entre a 6ª Câmara do Ministério Público Federal-MPF, que atua em defesa dos povos indígenas e comunidades tradicionais, coordenada pela Dra. Déborah Duprat, e a Secretaria de Cooperação Internacional-SCI junto às universidades da Pensilvânia, Ohio e Nortwet. O líder Davi Kopenawa acompanhou o traslado do material.

A negociação sobre a repatriação das amostras de sangue foi iniciada há quinze anos a partir de denúncias de líderes Yanomami que solicitaram a localização e devolução do material no exterior. Ficou conhecido como o processo ‘Sangue Yanomami’.

Para os Yanomami, o sangue faz parte dos restos mortais e por isto, o coletado necessitará seguir ritos funerários específicos em local sagrado. Tal cerimônia faz-se imprescindível para garantir a paz dos espíritos de seus antepassados e o respeito às suas tradições, aos seus costumes e, sobretudo, à sua autonomia.

A primeira remessa de material genético chegou ao Brasil em abril, e a segunda, em setembro de 2015. Na ocasião, 2.693 frascos de sangue foram enterrados em um ritual na Terra Indígena Yanomami, aldeia de Piauí, região Toototobi, no estado de Roraima.

O americano Napoleon Chagnon frequentou por alguns anos as aldeias Yanomami, quando foram coletadas as amostras de sangue. Produziu uma série de vídeos e publicações sobre este povo, tendo sido elogiado pela produção de farto material etnográfico e visual, todavia, tem sido fortemente criticado por importantes estudiosos por ter utilizado critérios e métodos considerados antiéticos e inconsequentes, dentre eles, Brian Fergunson, Marshall Sahlins e Patrick Tierney, este último, autor da obra ‘Trevas no Eldorado’, que critica as pesquisas e posturas de Chagon no TI Yanomami. Sahlins, professor da Universidade de Chicago, reforça as acusações a Chagnon, pois considera que ele teria incentivado a violência armada na região quando afirmou ser os Yanomami ‘assassinos inerentes e violentos’, doando facões, machados e espingardas para os grupos que cooperassem com a sua pesquisa. Posteriormente, em repúdio à entrada de Chagnon na Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (NAS) em 2013, Salhins pediu demissão da entidade.

Em 2000, a Associação Brasileira de Antropologia-ABA organizou uma sessão “Questões Éticas em Trabalho de Campo com os Yanomami” quando foi criada uma comissão especial para a investigação das acusações contidas no livro de P. Tierney e demais denúncias, apresentando assim uma nota oficial da entidade sobre esta questão. Neste documento, a ABA reiterou a argumentação da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, ex-presidente da entidade, de que a obra de Chagnon teria servido ao discurso do exército brasileiro, então responsável pela demarcação de Terras Indígenas, que se valeu de uma suposta teoria da violência nata dos Yanomami como justificativa para o desmembramento e controle de seu território.

As denúncias mais recentes, como a do Conselho Indígena de Roraima-CIR, sobre contínuas invasões no TI Yanomami para extração ilegal de recursos naturais permanecem, tendo sido apresentadas no último decênio várias cartas que indicam a existência de inúmeros pontos clandestinos de garimpo devastadores na região.

Foto: Leonardo Prado/SECOM/PGR

 

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