MPF/MS pede R$ 650 mil por negligência em morte de criança indígena

Em 2 anos de sua curta vida, Lilian passou 140 dias internada em 4 hospitais diferentes

MPF/MS

O Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul (MPF/MS) ajuizou Ação Civil Pública de Danos Morais contra a União e o Hospital Regional de Campo Grande pela morte da criança indígena Lilian Eliandres Amaral, da tribo Ofayé-Xavante, em dezembro de 2012. A instituição pede o pagamento de danos morais coletivos e individuais, no total de R$ 650 mil. Desse valor, a União será responsável por R$ 500 mil, que devem ser investidos no atendimento à saúde dos indígenas. Já R$ 150 mil devem ser pagos à família de Lilian. A Justiça ainda vai analisar o processo.

A menina, nascida em 10 de janeiro de 2011, passou 140 dias internada no período de dois anos, em quatro hospitais, entre Brasilândia e Campo Grande, apresentando desnutrição, severa alteração de peso, anemia e infecção de vias aéreas superiores. Em 8 de dezembro de 2012, Lilian recebeu alta do Hospital Regional com documento registrando melhora dos sintomas. Apenas quatro dias após a alta, ela deu entrada no Hospital Júlio César Paulino Maia, em Brasilândia, apresentando diarreia, febre e desnutrição grave, sendo transferida novamente para o Hospital Regional após complicação do seu quadro de saúde, falecendo no dia 16 de dezembro.

A Ficha de Investigação de Óbito Infantil indica como causas da morte falência múltipla de órgãos, hemorragia, infecção generalizada e desnutrição grave. Para o MPF, o Hospital Regional deu alta a uma paciente ainda debilitada, sendo responsável direto pela morte da indígena. “O caso revelou falha permanente e prolongada do serviço. Essas falhas não atingiram apenas Lilian e sua família, pois havia outras crianças e famílias na aldeia que também foram expostas à mesma precariedade de atenção e atendimento, contrariando a Constituição Federal e também legislação internacional”.

No processo, o MPF/MS cita estudo que atesta que em Mato Grosso do Sul, nos últimos 13 anos, 2.112 índios morreram por causas que poderiam ter sido evitadas caso houvesse atendimento, prevenção e tratamento adequados. Leia de Souza Eliandres, mãe da menina, afirma que “Lilian nunca recebeu visita da equipe multidisciplinar da SESAI”.

15 meses, 6,820 kg – A ficha médica de Lilian registra que em seu primeiro atendimento, em 12 de dezembro de 2011, ela apresentava desnutrição grave, intolerância à lactose e ausência de melhora com medidas ambulatoriais. Em sua primeira internação no Hospital Júlio César Paulino Maia, em 15 de dezembro de 2011, o quadro evoluiu para severa alteração de peso, desnutrição e anemia grave.

Em 21 de dezembro de 2011, ela foi transferida para a Santa Casa de Campo Grande, apresentando desnutrição grave e piora acentuada do quadro. Houve relato de péssimo atendimento médico e a menor ficou em ala destinada a crianças com outras enfermidades, quando desenvolveu infecção generalizada e graves lesões na pele. Em 3 de fevereiro de 2012, a pequena indígena sofreu uma parada respiratória, levando à transferência para o CTI Pediátrico do Núcleo Hospital Universitário da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – NHU/UFMS – quando já estava em recuperação do seu peso e há mais de uma semana sem febre.

Ela recebeu alta do NHU/UFMS em 20 de abril de 2012. Após quatro meses de internação na capital, Lilian com 1 ano e 3 meses, pesava 6,820 kg, peso de uma criança de 3 meses. Sete meses depois, em 29 de novembro de 2012, nova internação no hospital de Brasilândia, com quadro de desidratação, pouca aceitação da dieta e diarreia. O Ministério Público ajuizou ação pedindo  imediata transferência para Campo Grande para receber tratamento específico na tentativa de reverter o quadro. A decisão foi proferida em 1º de dezembro de 2012, sendo cumprida na mesma data, com a transferência da paciente para o Hospital Regional de Campo Grande – HRMS.

Lilian recebeu alta em 8 de dezembro de 2012, uma semana após a transferência, com documento registrando “melhora dos sintomas”. Quatro dias depois, ela deu entrada mais uma vez no hospital em Brasilândia, apresentando diarreia, febre e desnutrição grave, tendo sido transferida novamente para o Hospital Regional em 15 de dezembro de 2012. Não foi possível reverter o quadro e Lilian faleceu um dia depois (16/).

Ofayé-xavante

Exilados na própria terra, os ofayé-xavante passaram por dificuldades em Mato Grosso do Sul. Ainda no século XIX, a maior parte da comunidade foi expulsa pelos colonos que chegavam ao então Mato Grosso. O grupo remanescente, que ocupava área na região de Brasilândia, foi expulso da terra em 1978 e se espalhou pelo estado. Oito anos depois, os indígenas atravessaram o estado a pé para retornar às suas terras tradicionais, onde foram recebidos como estranhos. Passaram a ocupar uma área provisória, após acordo com a Funai.

Um povo de 2 mil indivíduos, que dominavam as terras de Mato Grosso do Sul – da Serra de Maracaju ao Alto Paraná –, hoje se resume a 60 índios em cerca de mil hectares no município de Brasilândia, sudeste do estado. Os ofayé-xavante, ao longo dos anos, perderam mais que espaço territorial; tiveram sua cultura modificada; sua tradição, em parte, esquecida e sua língua quase perdida. O artesanato tradicional já não existe mais e apenas doze pessoas falam fluentemente ofayé.

Referência processual na Justiça Federal de Três Lagoas: 0002717-71.2015.403.6003

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