Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental
Um amigo escreveu hoje que “Cunha transformou o Congresso Nacional em um tribunal de exceção. Passamos da judicialização da política para a criminalização da política”. A segunda frase é perfeita; discordo quanto à primeira. Cunha transformou o Congresso (na verdade, a Câmara, por enquanto) num palco de ópera bufa. Quem está permitindo que nessa ópera se encene um tribunal de exceção é o Supremo Tribunal Federal.
O STF terá contas a prestar à nossa História pelo que está acontecendo. A vergonhosa sessão da noite do dia 14 de abril não pode e não deverá ser esquecida. Quem sofreu a angústia e a revolta de acompanhar voto após voto o desfile de arrogância e vaidade da maioria absoluta dos seus membros (sem contar o cinismo imbatível de Gilmar Mendes) com certeza guardará esses sentimentos pelo resto de sua vida. O argumento pífio do “respeito ao excelentíssimo senhor presidente da Câmara” soava quase como um deboche: e o respeito à excelentíssima senhora presidente da República, quanto a ministros por ela indicados dentro de suas prerrogativas legais, para começar? Não foi como ouvir a leitura do Ato Institucional nº5, é verdade, mas, guardadas as diferenças de momento histórico, a lembrança não pode ser evitada.
É verdade que Marco Aurélio Mello merece ser louvado pela teimosa insistência com que pedia um mínimo de sensibilidade de seus ‘pares’ para com a seriedade do que estava em pauta para o País. Verdade também que Ricardo Lewandowski o acompanhou nesta preocupação fundamental, chegando ao ponto de procurar um caminho para, em vez da pura e simples negativa de acolhimento de liminares que buscavam garantir à encenação da ópera um mínimo de decência, pelo menos garantir que a ‘acusação’ original fosse respeitada. Aliás, se isso acontecerá ou não veremos esta tarde: como ele mesmo leu em determinado momento, acolhendo crítica de Marco Aurélio, o regimento da Câmara prevê a aprovação do texto do relator. E esse, como sabemos, vai bem além das aleivosias alegadas por Cunha para abrir o processo, buscando respaldo até mesmo na ‘delação premiada espontânea’ de Delcídio ao MPF de Curitiba. De qualquer forma, foi como se falassem para surdos: os votos seguintes sequer dialogavam com as preocupações republicanas de ambos.
Contando exclusivamente os últimos meses, há pelo menos dois pontos, entretanto, nos quais também Lewandowski e Marco Aurélio se tornam responsáveis pela ópera bufa e pela criminalização da política. O mais antigo é a inqualificável omissão do Supremo em relação à denúncia encaminhada pelo Procurador Geral da República contra Eduardo Cunha. Se são indecentes os recursos que o Presidente do Palco vem usando para evitar o processo contra ele no Conselho de Ética, o que dizer da (in)ação do STF quanto à tramitação dessa denúncia? Salvo erro, são mais de quatro meses, 125 dias.
O segundo ponto é bem mais recente e envolve exatamente Marco Aurélio Mello. Afinal, o que aconteceu com a determinação, feita por ele, para que o Presidente do Palco iniciasse de imediato o exame do processo contra Michel Temer? Como lembramos, na ocasião a primeira reação de Cunha foi dizer que não o faria. Marco Aurélio respondeu à imprensa que, se ele não o fizesse, incorreria também em crime de responsabilidade. Cunha grasnou, em fotos sorridente, que ‘os partidos de oposição não indicariam representantes’, antes que qualquer um deles o afirmasse. Só.
Os primeiros nomes apresentados foram de deputados que combatem o golpe, sem qualquer reverberação na imprensa golpista, e o assunto foi rapidamente (como todos os outros que não interessam à corja) esquecido, indo direto das colunas de baixo das páginas do meio para o espaço zero nas revistas e jornais. Até onde sei, ninguém mais perguntou (claro!) e também nada mais foi dito, sequer por Marco Aurélio Melo. São 13 dias.
Se cabe ao Supremo garantir a Constituição, como foi repetido ad nauseam na madrugada do dia 15 de abril, falta deixar claro o que afinal os preclaros ministros entendem por isso. Permitir o crescendo de uma situação de divisão fabricada da população brasileira, ao ponto de levar ao descalabro da construção da nossa versão do muro da vergonha em frente ao Congresso? Lavam as brancas mãos e se omitem até quando? Até a baba do ódio se transformar em sangue?
Apesar de utópicas nas atuais circunstâncias, a realização da Reforma Política e a instalação de uma Constituinte exclusiva são de inegável urgência para as pessoas que se preocupam com os destinos deste País. Mas a falta de mecanismos de controle social sobre um Judiciário onde cargos e papeis são heranças familiares da elite, com garantia de vitaliciedade e impunidade de fato, talvez torne inócuas quaisquer tentativas das necessárias mudanças políticas. Os últimos acontecimentos parecem indicar que, antes de mais nada, devemos lutar pela Reforma do Judiciário Já!.