Favelas do Rio amargam abril violento

Ao longo do último mês, PM e traficantes causaram a morte de pelo menos 15 pessoas. Na última segunda (25), houve trocas de tiros no Jacarezinho e na Mangueira. Para pesquisadora, fenômeno é sinal da crise na política de pacificação adotada pelo Governo do Estado.

Por Saulo Pereira Guimarães, Vozerio

O despertador toca cedo na casa de Ana Paula Grecco, na favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio. Às 6h30 desta segunda (25/4), a moça que distribui jornais já estava a caminho do trabalho. Nesse horário, contudo, ela foi surpreendida por uma operação policial na comunidade. “Só não filmei porque tive de correr”, conta. Era o começo de mais um dia de guerra na região, que convive com ações diárias das forças de segurança do Rio há uma semana. Segundo Ana Paula, mais de 10 pessoas foram mortas neste período. “Meus filhos não foram à escola durante todos esses dias”, afirma ela. Dessas mortes relatadas pela moradora do Jacarezinho, apenas uma foi noticiada: a do pastor Vagner Honório Lopes, 47 anos, que teria sido confundido com um policial por traficantes da comunidade.

A situação relatada por Ana Paula não é um ponto fora da curva. Hoje pela manhã, uma operação policial terminou com uma pessoa morta na Mangueira. De acordo com a PM, agentes receberam uma denúncia de venda de drogas na localidade da favela conhecida como Três Tombos e foram recebidos à bala pelos criminosos. No último sábado (23/4), no Complexo do Alemão, o mototaxista Aguinaldo Nascimento, conhecido como Sherek, foi morto pela PM no último sábado (23/4) quando levava uma passageira grávida na garupa. No mesmo dia, o pastor Vagner voltava do culto no Jacarezinho quando foi alvejado pelos traficantes. No final de semana do dia 15, no Alemão, 48 horas de tiroteio terminaram em duas pessoas mortas e sete feridas. Em uma contabilização informal a partir de notícias publicadas ao longo deste mês, é possível afirmar que, desde o começo de abril, foram noticiadas 15 mortes em conflitos nas favelas do Rio.

“Fica a sensação de injustiça. Parece que a vida na favela tem menos valor”, afirma o midiativista Raull Santiago, fundador do Papo Reto, coletivo de comunicação independente formado por moradores do Alemão. O Complexo enfrenta um aumento drástico na violência desde o começo de 2015, levando moradores da comunidade e até membros das forças de segurança questionarem a presença de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Alemão.

Além do Alemão, Jacarezinho e Mangueira também contam com UPPs. Por e-mail, o Comando de Operações Especiais (COE) informou ao Vozerio que vem atuando com o objetivo de estabilizar as áreas de UPP que têm registrado maior número de confronto nos últimos dias.

Ao longo de abril, também aconteceram diversos tiroteios em locais sem UPPs. Em Acari, cinco pessoas foram mortas no último dia 4 durante uma ação da Core e da Polícia Federal (veja a lista com mais casos no fim da reportagem).

Crise na segurança pública

“O que se verifica em pesquisas e acompanhamentos é que os grupos armados ilegais estão voltando às favelas pacificadas e fazendo pressão pelo controle do território”, afirma a cientista social Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Cândido Mendes. Para Silvia, trata-se de um problema grave, pois indica que há uma crise na política das UPPs. “Tirar o controle do território desses grupos era um dos pontos centrais das UPPs”, explica.

Segundo a pesquisadora, até 2013 a venda de drogas na maioria das favelas com UPP estava limitada a pequenas quantidades e não envolvia o uso de armamento pesado. Isso diminuía a ocorrência de tiroteios. Porém, nos últimos três anos, a presença de traficantes armados em locais de difícil acesso dessas comunidades voltou a ser verificada.

São áreas como a Quadra Velha, no Morro da Coroa, onde houve policiais e traficantes trocaram tiros no último domingo (24). “Os traficantes deixaram de desfilar com fuzil como faziam antes das UPPs, mas rechaçam o patrulhamento nos locais que estão sob seu controle, dando origem aos tiroteios”, explica Silvia. Como consequência disso, a polícia termina deixando de patrulhar esses espaços, o que colabora para o crescimento das zonas de influência dos grupos armados.

“Há resistência dos criminosos por não haver recuo por parte das forças de segurança do estado. É preciso que as pessoas de bem acreditem e apoiem as UPPs”, afirmou um representante do COE por e-mail. No meio do fogo cruzado, moradores como Raull e Ana Paula se tornam as principais vítimas do problema. “Acho que o combate ao tráfico tinha que começar pelas fronteiras, e não pelas comunidades”, opina Ana Paula. Ela acredita que o aumento dos investimentos em educação também pode ser decisivo para a mudança do quadro atual — afinal, afirma, hoje no Jacarezinho não há nenhum curso profissionalizante ou de pré-vestibular.

Já Raull afirma que a aposta em cultura, esporte e outras áreas ligadas à qualidade de vida pode ajudar a transformar o cenário das favelas. “O tráfico hoje só se sustenta por conta da falta de oportunidades de quem vive na comunidades”, diz.

UM MÊS DIFÍCIL

Entre 4 e 25 de abril, trocas de tiros em favelas foram frequentes

4 de abril
Troca de tiros durante operação policial da Polícia Federal com apoio da Core e da PM mata cinco pessoas em Acari.

5 de abril
Auxiliar de serviços gerais João Batista Soares de Souza, de 29 anos, é morto em tiroteio durante operação da PM emManguinhos. Favela é pacificada desde 2013.

7 de abril
Troca de tiros no Jacarezinho mata duas pessoas. Na Mangueira, soldado Pablo Victor dos Santos Lira Alves é baleado durante operação policial. Pablo morreu no dia seguinte. Tiroteios entre policiais e criminosos também foram registrados em Manguinhos, nos morros São João (no Engenho Novo) e do Turano (na Tijuca). As três áreas contam com UPPs.

19 de abril
No Complexo do Alemão, troca de tiros entre PMs da UPP e traficantes deixa dois mortos e nove feridos. NoJacarezinho, 1 homem é morto em tiroteio durante ação dos agentes da Core.

23 de abril
O mototaxista Aguinaldo José de Nascimento é morto na Fazendinha, no Complexo do Alemão. De acordo com a polícia, PMs trocavam tiros com criminosos quando o homem foi baleado. No Jacarezinho, o pastor Vagner Honório Lopes é morto por bandidos após ser confundido com policial.

24 de abril
Policiais em patrulhamento se envolvem em confronto contra criminosos na Quadra Velha, no Morro da Coroa. Comunidade tem UPP desde 2011. Na localidade da Favelinha, no Morro dos Macacos, PMs trocam tiros com homens armados.

25 de abril
Policiais da UPP recebem denúncia de venda de drogas na localidade conhecida como Três Tombos, na Mangueira. Agentes são recebidos à bala no local. Saldo da operação: 1 morto

Foto: Helicóptero da PM sobrevoa Manguinhos durante operação de implantação de UPP na comunidade, em 2012 (Vladimir Platonow/Agência Brasil)

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