“Nada irá adiante se não tiver luta social. Conselhos terão de assumir protagonismo”, diz Sottili, que vê com cautela mudança na área e nomeação de Alexandre de Moraes para o Ministério da Justiça [de Temer]
por Vitor Nuzzi, da RBA
Exonerado ontem (12) pela ainda presidenta Dilma Rousseff, agora afastada, o ex-secretário especial de Direitos Humanos Rogério Sottili vê com cautela e preocupação a nova configuração da área – importante nos governos petistas e com raízes também entre tucanos –, que passará a ser vinculada ao Ministério da Justiça e Cidadania, sob o comando de Alexandre de Moraes, ex-secretário estadual da Segurança Pública de São Paulo. O histórico do estado em relação a movimentos sociais e à população mais pobre já preocupa entidades ligados aos direitos humanos. E a subordinação ao novo ministro causou reação negativa inclusive em pessoas que atuaram em governos do PSDB.
Caso, por exemplo, do ex-ministro Paulo Sérgio Pinheiro, que já declarou recear passos para trás nas políticas de direitos humanos. “O governo que se instala parece que, temerariamente, vai voltar ao passado, criar uma ‘divisãozinha’ no Ministério da Justiça para tratar dos assuntos de cidadania”, afirmou. Ele lembrou que desde a redemocratização, de José Sarney até Dilma, todos os presidentes deram contribuições na formulação de uma política de Estado para o tema.
Esse é um ponto considerado fundamental por Sottili. “O Fernando Henrique Cardoso, quando foi eleito presidente e no tapete da democracia, consegue avanços importantes e cria a Secretaria de Direitos Humanos”, lembra, observando que a área era vinculada ao Ministério da Justiça, como agora – a SDH foi criada em 1997 e teve como primeiro titular José Gregori. Mas à medida que se avançou na visão de que os direitos humanos exigiriam políticas de Estado, o setor passou a demandar espaço próprio. “Isso (a mudança atual), por si só, já é um retrocesso. O que a gente não pode é permitir que haja retrocesso. Direitos humanos só pode ter avanço.”
“Não começa bem”
O ex-secretário concorda que a sinalização inicial não foi boa. “Mexe numa estrutura que já havia sido repensada a partir de avanços e da compreensão que direitos humanos tinha de ser uma política de Estado. Não começa bem”, avalia Sottili.
Como secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania em São Paulo, ele teve alguns encontros com o então secretário da Segurança Alexandre de Moraes. “Ele foi muito cordial”, relata Sottili. Mas acrescenta: “Não percebi que a partir da nossa conversa tivesse sido promovida alguma mudança na atuação da polícia”.
Para ele, as mudanças são preocupantes se forem por conceito ou por desinformação. E espera compreensão do novo ministro para a importância do tema. “Os direitos humanos têm de ser vistos como direitos universais e indivisíveis”, afirma. “Não é uma diretriz do PT, é uma linha republicana.”
Sottili se preocupa com a mudança de comando no setor. “O secretário que assume o ministério agora tem um histórico que eu gostaria muito que não se confirmasse enquanto ele estivesse à frente do Ministério da Justiça”, diz. “A violência em São Paulo é muito preocupante.” Mas também pede cautela: “Ele manteve a secretaria especial, a gente não sabe quem vai ser. Não será aceitável qualquer retrocesso na agenda de direitos humanos”.
Violência
“Muito da violência de hoje é resquício da violência que tivemos no Brasil, como na ditadura”, destaca o ex-secretário, lembrando dos autos de resistência em São Paulo – há um projeto em tramitação na Câmara sobre o tema. Com um governo conservador, existe chance de aprovar o texto? “Nada irá adiante se não tiver luta social, luta popular. O Congresso não vai ter a menor vontade de votar essa pauta”, afirma.
Ele acredita que a partir de agora ganham ainda mais relevância os conselhos que atuam no setor, como o CNDH (“O mais antigo da República”), os de defesa da pessoa idosa, das pessoas com deficiência, da criança e do adolescente (Conanda) e de combate ao trabalho escravo (Conatrae), entre outros. “Eles vão ter de assumir o protagonismo da luta pelos direitos humanos, terão de ser muito assertivos e cobrar o governo.”
Mas Sottili chama a atenção, ainda, para uma completa transformação em um governo que pode deixar de ser interino, mesmo considerando difícil a possibilidade de volta da presidenta Dilma após a tramitação do impeachment. “O que fica muito estranho, preocupante, é que faz toda a mudança num processo de interinidade”, afirma, vendo nisso um “gesto de afronta do ponto de vista da continuidade das políticas”.
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Imagem: Governo interino de Michel Temer anuncia medidas que podem alterar políticas de direitos humanas iniciadas há 20 anos – DANIEL CARON/ FAS