Nota de repúdio à PEC 33/2012 que visa reduzir a maioridade penal

Diversas são as estratégias de maior repressão propostas pelos legisladores, as quais vão desde a redução da maioridade penal e o aumento do tempo máximo de internação dos adolescentes até seu recolhimento em instituições dotadas de características hospitalares/psiquiátricas.

A proposta objeto de repúdio além de flagrantemente inconstitucional, pois tenta modificar cláusula pétrea da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que trata dos direitos e das garantias fundamentais, fere todos os tratados internacionais em matéria de Direitos Humanos das Crianças e Adolescentes em que o Brasil é signatário e, até mesmo, aqueles ratificados pelo Brasil com força de norma constitucional.

O principal argumento dos legisladores é que os adolescentes são os responsáveis pelo clima de insegurança que vive a sociedade brasileira. Porém, do total de atos infracionais cometidos pelos adolescentes, apenas 2,9% dizem respeito a crimes considerados graves[1]. Ou seja, do ponto de vista da segurança pública, a delinquência juvenil não é o maior problema. Por outro lado, o Mapa da Violência[2] aponta que a taxa de homicídio de adolescentes foi de 106.603 por 100 mil em 2011, demonstrando que a preocupação dos legisladores deveria voltar-se para a proteção, e não para uma maior exclusão e marginalização dos mesmos.

Diversas pesquisas apontam que o aumento da criminalidade violenta no Brasil nas últimas décadas têm sido pouco afetado pelas políticas de encarceramento massivo implementadas a partir, principalmente, da edição da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos). Assim, percebe-se que a falta de articulação entre a elaboração de leis e as ações em segurança pública no contexto social acaba por apresentar um quadro de resultados insatisfatórios e inconsistentes. Orientando-se pela maior conveniência imediata ou por acordos para a aprovação de leis contraditórias no Congresso, o parlamento brasileiro ignora as consequências em longo prazo das reformas legislativas e constitucionais em matéria penalizante.

Dados produzidos pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN)[3] dão conta de um crescimento que vai de um total de 232.755 presos no ano 2000 para um total de 548.003 presos em 2012, chegando a ser considerada a terceira maior população carcerária do mundo. O aumento da opção pelo encarceramento no Brasil não é acompanhado pela garantia das condições carcerárias, contribuindo para a violência no interior do sistema, a disseminação de doenças e o crescimento das facções criminais. Configura-se assim uma

situação de vulnerabilidade de todos os atores envolvidos na dinâmica prisional, mas, principalmente, dos apenados.

Em 2011, o déficit de vagas era da ordem de 175.841 vagas. Já em 2012, este número passa para 211.741, num crescimento de 20% no curto período de um ano, chegando a média nacional a 1,7 presos por vaga no sistema[4]. Sem a garantia de vagas no sistema, e com o crescimento do número de presos a cada ano, parece evidente que as prisões no Brasil acabam por assumir um papel criminógeno, reforçando os vínculos do apenado com a criminalidade e deslegitimando a própria atuação do Estado no âmbito da segurança pública.

Com isso, pretende-se demonstrar que reduzir a maioridade penal só fará agravar a situação observada no Sistema Prisional adulto. Nesse sentido, importa ressaltar que do sistema adulto deveríamos aprender a lição de que centenas de milhares de pessoas encarceradas não significam uma sociedade mais segura: o Brasil possui uma das maiores populações carcerárias do mundo, mas, ao mesmo tempo, atinge patamares endêmicos de homicídios, ano após ano.

Os partidários desta reforma constitucional, além de ignorar os instrumentos de proteção à infância e juventude, ignoram os estudos a respeito da temática e a posição dos profissionais e estudiosos do tema, os quais afirmam que, antes de se pensar em maior repressão, existe a necessidade de implementação efetiva das regras existentes no ECA e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – corriqueiramente violadas no Brasil.

Sabe-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente é reconhecido internacionalmente enquanto Diploma Legal exemplar, restando, somente, a ausência de sua efetividade. Diante da inércia estatal em aplicar o Estatuto na sua integralidade, busca a desvalorização desta legislação e de outras leis que estão em conformidade com as normas e diretrizes internacionais. Por fim, como já referido anteriormente, existe um sistema de responsabilização dos adolescentes autores de atos infracionais. Ora, se os Senadores e Senadoras desejam que os jovens cumpram pena em estabelecimentos adequados à sua condição, estão de acordo com as normas do Estatuto da criança e do Adolescente ao tratar da medida de internação.

Sendo assim, indubitavelmente, conclui-se que a proposta de Emenda Constitucional 33/2012 nada mais é que uma jogada política popular diante do problema histórico e social da violência urbana no Brasil. Restando, portanto, aos jovens brasileiros carregar o fardo de vilão desta questão, visto a sua ausência de voz e de reconhecimento no Congresso Nacional, sem falar-se na ausência de assistência social à infância e à juventude, o que não contribui para a situação de extrema vulnerabilidade social na qual se encontram a grande maioria dos adolescentes selecionados pelo sistema de justiça juvenil brasileiro.

Dessa forma, as entidades que assinam a presente nota manifestam-se completamente contrárias a aprovação, nesta Comissão, da PEC 33/2012 e esperam que os eminentes Senadores e as eminentes Senadoras reflitam a respeito das inconsequentes reformas que estão prestes a votar, uma vez que trarão danos irreparáveis à juventude e, inclusive, à segurança pública e ao sistema de justiça criminal do Brasil.

Assinam:

  • ADEPAM – Associação dos Defensores Públicos do Amazonas
  • AMPARAR – Associação de amigos e familiares de presos/as
  • ANCED/Seção DCI – Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente
  • Associação Civil Sociedade Alternativa
  • Associação de Moradores do Jardim Comercial e Adjacências
  • RENADE – Rede Nacional da Defensa do Adolescente em Conflito com a Lei
  • CEDECA Bahia
  • CEDECA David Arantes
  • CEDECA Interlagos
  • CEDECA Maria dos Anjos (Rondônia)
  • CEDECA Sapopemba
  • CEDECA Zeferina
  • CENDHEC – Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social
  • Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba
  • Comitê de Enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes do Estado da Bahia
  • Conectas Direitos Humanos
  • CRIA – Centro de Referência Integral de Adolescente
  • CRP/SP – Conselho Regional de Psicologia de São Paulo
  • DDH – Instituto de Defesa dos Direitos Humanos
  • DIACONIA
  • GEVAC – Grupo de estudos sobre violência e administração de conflitos da UFScar
  • GPESC – Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Segurança Pública e Administração da Justiça Penal da PUC/RS
  • Grupo 10 – Assessoria à Juventude Criminalizada do Serviço de Assessoria Jurídica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
  • Grupo de Pesquisa Produção de Subjetividade e Estratégia de Poder no campo da Infância e da Adolescência – UERJ
  • IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
  • IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa
  • Instituto Braços
  • ITTC – Instituto Terra, Trabalho e Cidadania
  • Justiça Global
  • Núcleo de Pesquisa Lógicas Institucionais e Coletivas do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Social da PUC-SP
  • NESC – Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
  • NEIJ – Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
  • OBIJUV/UFRN – Observatório da População Infantojuvenil em Contextos de Violência
  • Observatório de Cidadania e Direitos Humanos – Universidade Federal de Rondônia
  • Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
  • Pastoral Carcerária
  • PIPA – Programa Interdepartamental de Práticas com Adolescentes e Jovens em Conflito com a Lei da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
  • PPFH/UERJ – Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana. Universidade do Estado do Rio de Janeiro
  • Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
  • REAJAN – Rede de Articulação do Jangurussu e Ancuri
  • SAJU – Serviço de Assessoria Jurídica Universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
  • SEFRAS – Serviço franciscano de Solidariedade
  • SMSE/MA Capão Redondo II
  • SMSE/MA Santa Luzia

Notas:

[1] Ver, a esse respeito: http://www.forumseguranca.org.br/produtos/anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/8o-anuario-brasileiro-de-seguranca-publica acesso em 19 mai 2016

[2] Ver, a esse respeito: http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2014_jovens.php acesso em 19 mai 2016

[3] Ver, a esse respeito: http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf acesso em 19 mai 2016

[4] A situação é mais grave em estados cuja razão de presos por vaga chega a mais de 2, como nos estados da Bahia (2,2), Rio Grande do Norte (2,3), Amapá (2,4), Pernambuco (2,5), Amazonas (2,6), e o recordista estado de Alagoas, com 3,7 presos por vaga.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Vinícius Valentin Raduan Miguel.

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