“O governo Temer inaugurou uma crise institucional. Se vier a público o que dizem que está nas falas de Sarney, teremos uma crise institucional totalmente instalada.”
Por Ricardo Machado, no IHU
Não se toma o poder com um crime ou uma conspiração sem sujar o próprio trono de sangue. A lição de Macbeth parece não ter servido de exemplo a Michel Temer, que em duas semanas de presidência interina não conseguiu fazer a engrenagem de seu governo andar sem ruídos. “Foi talvez o pior início de um governo, ainda pior que o de Dilma Rousseff após a reeleição. Isso revela a qualidade das gestões políticas atuais do Brasil. Estamos vivendo a pior geração”, avalia Rudá Ricci, em entrevista por telefone à IHU On-Line.
De acordo com o entrevistado, exceto por José Serra e Henrique Meirelles, a composição ministerial de Temer tem sido desastrosa. “O restante do ministério é frágil, incapaz, incompetente e de quarto escalação no cenário político, sem nenhuma trajetória importante”, ressalta. “E, finalmente, com a onda de movimentos erráticos do governo, vem o vazamento da conversa telefônica do Romero Jucá. Evidentemente, em uma situação de desespero, eles anunciam as medidas do pacote econômico pelo Henrique Meirelles para tentar criar um fato político positivo, mas a própria Folha de S. Paulo diz que é um documento inacabado com propostas sem sustentação”, complementa.
Para Ricci, o principal avalista do plano econômico de Temer junto à sociedade deverá ser o Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. “Então, o que se espera hoje é que a reação ao pacote econômico, que será gradativa nas próximas semanas, será respondida com violência militar. O coordenador dessa violência institucional será o Ministro da Justiça, que foi muito conhecido por ter sido Secretário de Segurança de São Paulo”, aponta. A maior questão, entretanto, é que o rombo de R$ 170 bilhões no orçamento ainda não foi muito bem explicado. “É preciso deixar isso mais claro, porque as contas não fecham. Parece que isso faz parte de um marketing para o lançamento deste pacote, porque o discurso passa a ser o seguinte: como há um rombo, não estamos tirando direitos, mas equalizando o orçamento. E isso não está claro, porque não há comprovação desses valores.”
Ao analisar o atual cenário político, Rudá Ricci faz uma crítica profunda à tendência ao personalismo que marca a política brasileira. “Nós jogamos muito peso em ídolos, seja no Lula, no Moro, no Barbosa; temos de destruir essa ideia de que o Brasil precisa de um grande pai. Temos de assumir a responsabilidade pela construção democrática da República no Brasil, cada um de nós pensando no coletivo. Esses valores foram ridicularizados nos últimos dois anos e é por isso que vivemos essa instabilidade e temos esses governos, que são, na verdade, desgovernos”, critica.
Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara e colunista Político da Band News. É autor de Terra de Ninguém (Ed. Unicamp), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto), coautor de A Participação em São Paulo (Ed. Unesp), entre outros. Confira a entrevista:
IHU On-Line – Como o senhor avalia as duas primeiras semanas do governo interino de Michel Temer?
Rudá Ricci – Um desastre. Foi talvez o pior início de um governo, ainda pior que o de Dilma Rousseff após a reeleição. Isso revela a qualidade das gestões políticas atuais do Brasil. Estamos vivendo a pior geração. Mas por que foi um desastre? Alguns fatores do desastre são surpreendentes. O mais surpreendente é que o Michel Temer se revelou um sujeito de baixa estatura política e intelectual, pois não conseguiu ser o maestro da oposição que ele armou.
Em primeiro lugar o Temer tem origem no “Quercismo”, organização política que foi forjada a partir de Orestes Quércia, que foi candidato à presidência no início da década de 1990 e obteve menos de 5% dos votos. Temer sempre foi muito próximo do PSDB paulista, inclusive o PMDB de São Paulo foi um dos últimos diretórios estaduais a aprovar a aliança com o Lulismo. O Lula em 2005 fez tudo o que podia para atrair o PMDB paulista liderado por Michel Temerpara diminuir a resistência ao seu governo, quando, finalmente, Temer entra no cenário federal.
Essa entrada de Temer ocorre de maneira atrapalhada, porque era um estranho no ninho lulista, ao contrário, por exemplo, de Roberto Requião ou de José Sarney, que estiveram desde sempre no governo. O fato é que Temertentou se constituir, desde então, como espécie de personagem moderador e tentou dar um novo verniz a si próprio, desde 2015, quando começa a aparecer como um homem de confiança do alto empresariado brasileiro, em especial o da região Sudeste. Temer continuava muito recatado, até o início do processo de votação do impeachment e dos movimentos políticos de Eduardo Cunha.
Em 2016 ele deixou esse script e passou a conspirar abertamente contra o governo de que ele faz (ou fazia) parte. Aconspiração é de tal monta que ele trouxe para o seu governo quem perdeu a eleição para a coligação dele, o que é surpreendente. Nesse momento Temer se revela uma oposição aos eleitores que o elegeram. A situação fica ainda pior porque o presidente interino, alguns dias antes de assumir o governo federal, foi condenado pelo Tribunal Regional Eleitoral – TRE de São Paulo, tornando-se inelegível conforme a chamada Lei da Ficha Limpa. Michel Temerprecisava entrar no governo para forjar sua imagem como o maestro da reconstrução do Brasil. Mas o que ocorreu nas duas primeiras semanas é o inverso. É um desastre.
IHU On-Line – Como avalia a formação ministerial de Temer?
Rudá Ricci – Ele só conseguiu colocar dois expoentes no ministério: José Serra e Henrique Meirelles. Esses são nomes importantes na política brasileira, que são tecnicamente respeitados no Brasil, mesmo por quem faz oposição. O restante do ministério é frágil, incapaz, incompetente e de quarto escalação no cenário político, sem nenhuma trajetória importante. Isso não é um juízo de valor geral, mas, sim, uma análise baseada em fatos. O Ministro da Indústria, Comércio e Serviços, que é um bispo da Igreja Universal, na primeira entrevista que deu disse “entendo pouco sobre indústria”, admitindo a ignorância da pasta que assumiu. O Ministério da Cultura foi extinto e incorporado ao Ministério da Educação, para depois, em função da reação, voltar a ser ministério. Seis mulheres foram convidadas para assumir a pasta, porque não há mulheres no ministério de Temer, e todas recusaram, sendo que algumas atacaram o presidente interino pelas redes sociais. O Ministro da Saúde, após falar que cortaria o tamanho do Sistema Único de Saúde – SUS, teve de se retratar três horas depois. O Ministro da Educação afirmou que “tolerariam”, se houvesse demanda das universidades públicas, o pagamento de mensalidades, para depois se desmentir duas horas mais tarde. O Ministro das Cidades, que é do PSDB, cancelou os contratos já assinados de 11 mil residências do Minha Casa Minha Vida, para dizer depois que não era bem assim.
E, finalmente, com a onda de movimentos erráticos do governo, vem o vazamento da conversa telefônica do Romero Jucá. Evidentemente, em uma situação de desespero, eles anunciam as medidas do pacote econômico pelo Henrique Meirelles para tentar criar um fato político positivo, mas a própria Folha de S. Paulo diz que é um documento inacabado com propostas sem sustentação. Então percebemos que é um desastre completo em duas semanas.
IHU On-Line – O que está em jogo no atual cenário político do ponto de vista institucional?
Rudá Ricci – O que está em jogo é a credibilidade do campo institucional. Nesse momento, depois de ter ouvido a fala do Romero Jucá e partes da gravação com Renan Calheiros, alguém, em sã consciência, tem total clareza do papel do Judiciário na pessoa do Supremo Tribunal Federal – STF? O STF, segundo a fala de Jucá, está sob suspeição. O Legislativo é composto pelas pessoas que vêm dando entrevistas e o Executivo é essa bandalheira. O que está em jogo é a legitimidade das instituições da República brasileira. O governo Temer inaugurou uma crise institucional. Se vier a público o que dizem que está nas falas de Sarney, teremos uma crise institucional totalmente instalada.
Constituição em xeque
O primeiro compromisso de Temer é um acordo que foi elaborado, em junho do ano passado, juntamente com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP e recebeu o nome naquela época de Agenda Brasil. Quem apresentou o plano nacionalmente, como um pacto para “salvar” o governo Dilma, foi Renan Calheiros. EssaAgenda Brasil nada mais é do que um sumário das propostas do empresariado brasileiro da década de 1990. Essas propostas retornam com o nome “Ponte para o futuro” da Fundação Ulisses Guimarães que é adotada pelo governo Temer.
Fica muito nítido que se trata de um projeto do alto empresariado e do sistema financeiro, que impõe uma série de reformas, que nos anos 1990 se chamava “redução do custo Brasil”. No entanto, isso significa quebrar todo o sistema de seguridade social brasileiro, que tem um lastro no getulismo, mas é principalmente fundado na Constituição de 1988. Portanto as reformas, na verdade, sugerem uma revisão da Constituição sem consulta popular, promovendo a quebra dos gastos sociais, abertura do mercado e, partir daí, há a crença liberal de que o mercado livre teria uma pujança econômica que geraria empregos, e com isso a estabilidade social sem gasto do governo.
Utopia ultraliberal
Não há uma experiência social que tenha dado certo nesse sentido. Isso é uma utopia ultraliberal. Nos países onde ela foi instalada, a Troika impôs essa lógica na Grécia, gerou-se uma ruptura social. Lá 300 mil famílias ficaram sem energia elétrica, o que levou o Syriza ao poder. Na Espanha surgiu o Podemos e o sistema partidário espanhol, baseado no PP e no PSOE, está sendo corroído por dentro. As grandes cidades da Espanha estão sendo governadas por jovens que formaram seus partidos há menos de dois anos. Em Portugal só não há aumento de desemprego por conta do êxodo de jovens para países vizinhos, porque não há emprego para os jovens. Onde foi instalado o pacto da Troika houve esgarçamento social. Em síntese, o primeiro compromisso do Temer é com o alto empresariado e com o sistema financeiro às custas dos direitos sociais. Mas se ele quer fazer isso precisa ser muito rápido porque os impactos sociais são grandes e a reação popular e nas urnas desmontam a crença dos deputados para votarem a favor desses pacotes.
Baixo clero
O segundo compromisso é com o baixo clero, que é um segmento de políticos sem grandes elaborações e formulações políticas, mas são eles de fato que comandam hoje o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no Brasil. Porque nos últimos 20 anos foi crescendo até chegar o momento – devido ao nosso presidencialismo híbrido – em que o parlamento tem muito peso para os governos, o que gera uma relação muito promíscua, de tal maneira que para aprovar o orçamento é preciso colocar o “pessoal” dos deputados do baixo clero dentro do governo.
Todos os governos no Brasil fazem isso atualmente. Para eles terem estabilidade, os deputados ou vereadores indicam quais as secretarias eles querem ter em suas mãos. Essa promiscuidade entre o legislativo e o Executivo gerou o poder do baixo do clero, poder esse que vimos pela primeira vez com Severino Cavalcanti e agora observamos com Eduardo Cunha .
São pessoas sem elaboração, mas que têm um controle político muito grande da maioria e o que esse pessoal quer são demandas pulverizadas, querem ser atendidos na pulverização territorial em algum poder dentro dos governos que eles apoiarão e são muito móveis. A Dilma tentou pagar essa fatura e não conseguiu e o Temer terá que pagar essa fatura até as eleições municipais, porque esse pessoal vai se “cacifar” para continuar no Congresso com as eleições municipais, porque prefeito e vereador fazem o conjunto dos cabos eleitorais mais importantes desse pessoal, o problema é que o Temer não tem dinheiro para “cacifar”, pagar essa conta.
Fatura com partidos
A terceira fatura está vinculada com os partidos mais importantes da estrutura política de elaboração de políticas que apoiaram o Temer, e nesse eu destacaria o PSDB. Ou seja, o PMDB não é um partido que formula política pública porque ele se baseia no baixo clero e não tem capacidade de elaboração, nunca teve. No PMDB não nasceu nenhuma política importante no Brasil, nem na área social e nem econômica. Nesse caso, o PSDB é o partido que tem a maior formulação teórica e política da base do Temer e nesse ponto temos um problema. O problema central nesse pagamento de fatura é que o PSDB vive um racha, e o principal nome do PSDB no governo Temer é José Serra, que quer a economia, ele não deixou nenhuma vez dúvidas de que ele queria ser Ministro da Fazenda e ganhou o Ministério das Relações Exteriores, mas o Serra continua se mobilizando para conquistar a pasta da economia, como já foi em todos os governos que ele participou. Há quem diga que o vazamento pela Folha de S. Paulo desses grampos telefônicos com Romero Jucá e outros, sigam interesses de José Serra. José Serra é inimigo de Aécio Neves eGeraldo Alckmin disputa com Serra 2018. Esse é outro campo muito delicado que o Temer está tendo que administrar, sendo que Serra tem uma fome voraz de poder e acha que ele pode ser o candidato em 2018.
Reconstrução do PMDB
E a quarta fatura é a própria tentativa do Temer de reconstruir o PMDB como um partido nacional, porque hoje ele é um partido de federação, e nesse caso o principal adversário dele é o Renan Calheiros. É por isso que o Romero Jucá diz: “o Renan Calheiros precisa aprender a parar com o que ele está fazendo e aprender que o problema é que deve haver o impeachment para que nós não soframos com a Lava Jato”. Romero Jucá é muito claro citando o PSDB e o Renan Calheiros. Isto é, o diagnóstico que o Romero Jucá faz é correto, além do baixo clero e do alto empresariado, o governo Temer tem que pagar esse tributo para o PSDB e para o Renan Calheiros. Portanto, temos um governo que é altamente fragilizado pelas disputas desses quatro grandes blocos no seu interior. Na terça-feira, 24-05-2016, por exemplo, se pagou a fatura para o alto empresariado, mas continua tendo problemas com o PMDB e o PSDB, e é por isso que o governo é tão frágil.
IHU On-Line – As ligações de Jucá revelaram que o impeachment foi, também, uma manobra para tentar estancar a Lava Jato. Com o vazamento dos áudios, como o processo deve seguir? Mais políticos devem ser presos?
Rudá Ricci – Evidentemente nos próximos dias haverá uma tentativa de abafamento dessas acusações. No limite, tentarão reduzir essa acusação ao Romero Jucá, que terá sua “cabeça colocada a prêmio”, como já foi feito com Eduardo Cunha e já se dizia, desde o ano passado, que seria com Aécio Neves.
Mas é evidente que o pacote econômico anunciado por Henrique Meirelles era uma tentativa de construção de uma agenda positiva para tentar inibir o vazamento do grampo de Jucá. O problema é que hoje, 25-05-2016, foi divulgado um grampo de Renan Calheiros – divulgado parcial -, e não é à toa que estão deixando a divulgação do grampo de José Sarney por último. Em Brasília se fala que o grampo de Sarney é o pior de todos. O que se pode perceber é que a estratégia editorial da Folha de S. Paulo é de, a conta-gotas, esgarçar o governo Temer.
IHU On-Line – É possível pensar que poderá haver “um golpe dentro do golpe”? Por que a Folha está vazando os áudios a conta-gotas? Qual o papel da imprensa estrangeira?
Rudá Ricci – Já é um golpe dentro do golpe. A Folha de S. Paulo atacou pesadamente o pacote anunciado pelo Meirelles. A manchete de ontem, 24-05-2016, dizia que o pacote não se sustentava nem do ponto de vista fiscal, nem do ponto de vista da política. Além disso, o jornal publicou uma série de matérias dizendo que se as intenções desse pacote forem aplicadas – o qual dizem que é frágil porque ainda não está amarrado -, o sistema de educação e de saúde do país será destruído.
A Folha de S. Paulo foi quem fez o principal ataque a Meirelles até agora, de tal modo que os protagonistas da política neste momento são a Folha de S. Paulo, de um lado, e a imprensa estrangeira, de outro, como o Le Monde e o The Guardian, que acusam o governo de corrupto. De outro lado, a Rede Globo e o Estadão estão tentando fazer com que essa cena positiva do Meirelles ganhe mais relevo.
O que estou tentando mostrar é como as instituições brasileiras saíram de cena. Depois das últimas denúncias, o Parlamento, o Executivo e o Judiciário estão reagindo a reboque. Então, é evidente que depois dessa denúncia gravíssima e das próximas que virão, teríamos de ter isonomia de decretar prisões preventivas em função das obstruções das investigações da Lava Jato. Jucá diz claramente que obstruiu a Justiça — e alguns dizem que as próximas gravações serão piores.
Não consigo perceber como será possível fazer isso sem desmanchar a República no Brasil. Volto a dizer: o problema é que o governo Temer abriu não mais uma crise política — que era a crise do governo Dilma —, ele inaugurou umacrise institucional. Esse é o problema mais grave. Ele colocou o Executivo, o Judiciário e o Legislativo em suspeição.
IHU On-Line – Mas essa não era uma acusação que pesava sobre a presidente Dilma?
Rudá Ricci – Essa que é a questão. O governo Dilma tinha algumas características que são diferentes desse governo. Primeiro, qual é a culpa do governo Dilma? Pelo menos duas: a primeira é que em janeiro de 2015 Dilma instalou uma política econômica que deu vazão para quem está no poder agora, porque o pacote econômico dela estava filiado à mesma concepção do pacote do Temer — embora o dele seja mais radical —, que é de aumentar os lucros do sistema financeiro e reduzir as possibilidades e ganhos dos trabalhadores; o segundo erro da Dilma foi a falta de escuta.
O governo Temer, agora está evidente, é um governo de uma pessoa que estava no governo Dilma e que tem características próximas às desse governo. A primeira delas é que ele radicalizou o pacote econômico, por isso não há uma ruptura real com a economia do governo Dilma. Em segundo lugar, o governo Temer não dialoga com a sociedade do mesmo modo que fazia o governo Dilma, mas ele radicaliza, porque escolheu ministros que não têm mediações com sindicatos, igrejas, ONGs, algo que o governo Dilma tinha e com isso era possível assegurar políticas sociais.
O Ministro que dará conta do impacto das políticas econômicas é o Ministro da Justiça. Então, o que se espera hoje é que a reação ao pacote econômico, que será gradativa nas próximas semanas, será respondida com violência militar. O coordenador dessa violência institucional será o Ministro da Justiça, que foi muito conhecido por ter sido Secretário de Segurança de São Paulo.
De alguma maneira, o governo Dilma abriu as portas para essa radicalização. O erro começou com Dilma, mas não é, nem de longe, o que está sendo feito no governo Temer, que é o pior governo que o Brasil já teve desde o fim do regime militar.
IHU On-Line – Como o senhor avalia a agenda econômica apresentada na quarta-feira?
Rudá Ricci – Como a Folha de S. Paulo diz, é um arremedo de agenda. É uma agenda complicada porque se coloca como principal questão a redução dos direitos sociais, tendo como objetivo garantir o superávit primário, ou seja, não está claro ainda se o país de fato tem esse rombo de 170 bilhões, como foi anunciado. É preciso deixar isso mais claro, porque as contas não fecham. Parece que isso faz parte de um marketing para o lançamento deste pacote, porque o discurso passa a ser o seguinte: como há um rombo, não estamos tirando direitos, mas equalizando o orçamento. E isso não está claro, porque não há comprovação desses valores. Como se trata de um governo muito amador em todas as suas políticas, ele precisa provar que tem esse rombo. De todo modo, o pacote vai nessa direção de equalizar o orçamento, fazer cortes agressivos para, então, não gerar inflação e poder baixar os juros.
O pacote é simplório, vai esgarçar os direitos da sociedade e não resolve o problema dos juros. Ou seja, se a grande questão é ter equilíbrio para retomar o crescimento, a saída é baixar os juros, porque com os juros elevados não é possível ter crédito para o pequeno empresário e com isso se quebra o ciclo do desenvolvimento econômico.
O governo não baixa os juros porque tem um compromisso com o sistema financeiro. Então, esse pacote parece ser um sofisma, porque parte de uma interpretação, que não está clara, de que temos um rombo histórico e gigantesco no orçamento.
IHU On-Line – O que está em jogo nas reformas que vem sendo ensaiadas com relação à seguridade social, incluindo a previsão de reformas previdenciária e no SUS? Como garantir a continuidade do SUS e das aposentadorias sem modificações no sistema?
Rudá Ricci – Em primeiro lugar, com relação às questões sociais, o pacote é igual ao pacote de austeridade daTroika europeia, ou seja, estamos tratando de um governo pouco intelectualizado e que copia o que está sendo feito na Europa. Não se faz isso nos EUA, que adotam outra lógica de política econômica. Mas a política da Troika, que é a do Fundo Monetário Internacional – FMI, do Banco Europeu, deixa claro que é exatamente isso que será feito:suspensão de direitos e contração da economia. Então, esse é o objetivo; não tem outro.
Quatro blocos de resistência
No que diz respeito à reação a esse pacote, ela será gigantesca. Gostaria de formular uma breve interpretação das resistências ou organizações que já começam a resistir, mas que estão em processo de formulação das suas resistências, tendo como ápice o início das Olimpíadas.
O primeiro bloco de resistência é o lulista, e as duas entidades mais importantes desse bloco são a Central Única dos Trabalhadores – CUT e a União Nacional dos Estudantes – UNE. Esse bloco se baseia, ainda, na defesa das políticas sociais lulistas: Bolsa Família, aumento real do salário mínimo, sistema de cotas, Minha Casa Minha Vida, ou seja, não rompeu com a lógica anterior das políticas sociais e de conciliação de interesses. De uma certa maneira, esse bloco está um pouco órfão, mas está reagindo a algumas políticas anunciadas. Vou mencionar o caso da CUT e a reação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE em relação ao pacote anunciado pelo Meirelles: eles reagiram de modo muito forte e já começam a organizar uma greve.
O segundo campo é pragmático, principalmente vinculado à luta por direitos sociais e próximo à Igreja Católica progressista, que consiste na luta por habitação, creches e alguns direitos civis. Esse grupo, por ser pragmático, negocia com todos, porque a intenção é conquistar benefícios sociais, mas como o Temer está retirando a possibilidade de negociação, eles estão se aproximando rapidamente do terceiro bloco.
O terceiro bloco é o da radicalização das políticas sociais e tem como principal referência a Frente Povo Sem Medo, que tem a CUT e a UNE dentro dele, ou seja, engloba pessoas do primeiro bloco e inclui pessoas do segundo bloco, como as igrejas e movimentos sociais, e tem Guilherme Boulos como principal nome de liderança. Aposto que essa frente vai liderar as reações de massa nos grandes centros urbanos a partir do início de junho e daqui para frente.Boulos será o principal nome de oposição ao governo Temer, porque não acredito que uma oposição possa vir dos partidos.
O quarto bloco é um bloquinho, porque não tem a pujança dos demais, mas vem criando reações espetaculares, que é o pessoal do movimento estudantil, os herdeiros de junho de 2013, que são contra organizações verticais, estão ocupando escolas públicas, são autonomistas ou anarquistas, não gostam de partidos, mas fazem o que os anarquistas chamam de ações diretas: ocupam os espaços e resistem até o final.
É dessa massa, ainda não totalmente composta de quatro blocos de reação social, que virá a oposição ao governoTemer daqui para frente. Aí vai se recolocar a discussão sobre Previdência e outros temas relacionados aos direitos sociais.
O governo Temer está balançando; em 12 dias é um governo que revela que não tem nenhuma estabilidade. É muito provável que, como ele nasceu de traição, tenhamos um golpe dentro do golpe em curso, e que parte do baixo clero debande desse governo até as eleições municipais.
IHU On-Line – Qual o desafio à República no Brasil?
Rudá Ricci – Temos que reconstruir a crença na democracia. O fato é que, desde a eleição de 2014, nós destruímos a crença na democracia, que consiste no reconhecimento de que nem sempre ganhamos, porque na democracia também podemos perder e isso faz parte do jogo. Se num jogo de futebol, um dos times saísse da liga porque não ganhou o campeonato, em pouco tempo não teríamos mais campeonatos nem times de futebol, porque um time só ganha se jogar com o outro.
O que aconteceu no Brasil é que estamos nos aproximando de uma cultura fascista, na qual “só brinco se eu puder ganhar”. Sem essa crença na democracia, as instituições não funcionam e isso parece ter contaminado o Judiciário, que resolveu assumir o papel de poder central de tutela da institucionalidade pública brasileira: ele diz se pode ou não pode ser ministro, se pode cassar a presidente ou não, se pode vazar uma conversa telefônica, e isso implica na prisão de um senador e de outro não. Quer dizer, o Judiciário assumiu uma postura magistrática em relação à sociedade brasileira, e isso vem ocorrendo porque a crença democrática como um valor universal no Brasil tem sido debelada nos últimos dois anos.
O grande desafio é reconstruir a nossa crença e se autoconter para viver em sociedade, ou seja, confiar nos brasileiros e não só em mim, porque em alguns momentos da democracia temos de nos resignar, não confiar em ídolos e confiar mais no coletivo. Nós jogamos muito peso em ídolos, seja no Lula, no Moro, no Barbosa; temos de destruir essa ideia de que o Brasil precisa de um grande pai. Temos de assumir a responsabilidade pela construção democrática da República no Brasil, cada um de nós pensando no coletivo. Esses valores foram ridicularizados nos últimos dois anos e é por isso que vivemos essa instabilidade e temos esses governos, que são, na verdade, desgovernos.
Colaboração de Patricia Fachin.