Panis et Circenses

Em meio ao golpe e aos riscos de retrocesso, as “pessoas na sala de jantar” precisam formular e debater um novo projeto de país

Por Cristina Fróes de Borja Reis – Outras Palavras

Eu quis cantar/ Minha canção iluminada de sol

Neste 2016 milhões de brasileiros e brasileiras viram-se no dilema: impeachment ou golpe? Dentre as justificativas teóricas, apoiadores ou contrários ao afastamento da presidenta Dilma Rousseff afirmam o combate à corrupção e a defesa de melhores condições de vida para a população. Ambos os lados, inclusive dos isentos ou alheios, acreditam estar buscando o melhor para a nação.

Com a virada da fase ascendente do ciclo de crescimento econômico desencadeado pela redistribuição de renda, ainda que longe de resolver a pobreza e a desigualdade no Brasil, acirraram-se as disputas típicas do capitalismo: Liberalismo ou Estruturalismo? Monetarismo ou Keynesianismo? Estado mínimo ou de Bem Estar Social? Desenvolvimentismo ou Dependência Associada? Meritocracia ou assistencialismo? Até o inacreditável plutocracia ou democracia voltou à tona.

Soltei os panos sobre os mastros no ar / Soltei os tigres e os leões nos quintais

Ainda que sem clara compreensão dessas diferenças, que em alguns casos nem deviam estar colocadas, a sociedade tensionou e rachou. Só que em meio às discussões e indelicadezas assistimos igualmente estupefatos ao show de horrores das votações pelo impeachment na Câmara dos Deputados e no Senado. Com poucas exceções, naquele circo os parlamentares democraticamente eleitos estamparam que seu voto não tem nada a ver com o que pensa o povo, mas sim seus financiadores, suas questões familiares e suas disputas pessoais.

Ali ficou ainda mais claro como o Legislativo, assim como o Judiciário, são ensimesmados, trabalhando em nome de pequenos grupos de poder super competitivos entre si, com alianças tão obscuras quanto os grampos que a grande mídia divulga de repente. Longe de estarem claras essas conexões, as teorias da conspiração se reformulam… de um lado por parte daqueles que acham que o PT são o demônio do mundo, de outro daqueles que enxergam os Estados Unidos e os grandes grupos financeiros passando o rodo geral.

Mandei fazer / De puro aço luminoso um punhal / Para matar o meu amor e matei

Apesar disso, (deixando de lado as preferências dos poucos que apoiam a ditadura ou a monarquia, ou formas alternativas de modo de produção), a ampla maioria dos brasileiros e brasileiras quer democracia. Embora soubéssemos que a nossa tem muitos problemas, não dava para imaginar que era tão frágil. Nesta semana, o ministro do governo interino, Romero Jucá, confirmou que a democracia recebeu a maior punhalada desde sua retomada em 1985. Segundo ele, o afastamento da presidente eleita Dilma Rousseff foi articulado exatamente para estancar o combate à corrupção que muitos dos favoráveis ao seu impeachment defendiam.

E a configuração do governo interino explicitou a que veio nos primeiros dias: composto por homens brancos, idosos, ricos, banqueiros e vários envolvidos em escândalos de corrupção, reduziu sumariamente a importância da sociedade civil por meio da extinção dos ministérios do Desenvolvimento Agrário, da Cultura (já ressuscitado) e das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos etc. Mais além, Temer e sua equipe interina ignoram as melhorias nas condições de vida que vêm sendo tão clamadas, e até mesmo a retomada da economia.

Ao contrário, as primeiras medidas de seu governo são no sentido de maior recessão econômica, com o ajuste atingindo, dentre outros, o SUS, a educação (FIES, PROUNI e PRONATEC), a habitação (Minha Casa, Minha Vida), a renda básica (Bolsa Família), e um provável maior conservadorismo na política monetária. Nesse cenário, os grandes grupos midiáticos continuam selecionando as notícias e manipulando editoriais, insuflando a população a um sentimento de confusão, frustração, descrença nas instituições democráticas e na própria política.

Mandei plantar / Folhas de sonho no jardim do solar / As folhas sabem procurar pelo sol / E as raízes procurar, procurar

Nesse interim, prossegue a pauta conservadora de redução dos direitos trabalhistas, fortalecimento dos ruralistas, desnacionalização dos recursos naturais, redução da soberania do país, com desmantelamento das leis ambientais e aperto nos movimentos sociais. Diante de um quadro tão negativo, procurar pelo sol exige a reflexão coletiva. Que Brasil queremos? Existe uma causa comum – se sim, qual? A questão número um é agora a democracia. Sem ela, não há como nada se resolver. É hora de ampliar e melhorar o debate político. É essencial reconhecer que houve um golpe de Estado, e apurar os crimes relacionados. E, na volta da presidenta eleita, os diferentes projetos de país e rumos para as políticas públicas precisam ser debatidos até as novas eleições.

No aqui e agora temos ainda de barrar o oportunismo dos grupos minoritários que têm amplo poder. Pela democracia e pelos direitos sociais, concordemos que decisões importantes para o futuro do país não podem ser tomadas sem o devido debate na sociedade. Tal debate, ao contrário de ser cerceado e reprimido, como querem aqueles oportunistas, precisa se tornar mais maduro, profundo e produtivo – encontrando condições mais propícias para florescer, crescer e se enraizar.

Mas as pessoas na sala de jantar / são ocupadas em nascer e morrer

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