Conciliação ajuda na regularização de áreas quilombolas em São Paulo

Revista Consultor Jurídico

Depois de 46 anos, a comunidade quilombola do Cafundó, na área rural de Salto de Pirapora (SP), está conseguindo obter a posse de suas terras. A disputa judicial pela área começou em 1970, mas a solução está sendo alcançada fora das cortes, pela conciliação.

“São várias famílias, com muitos herdeiros. Conseguir entender cada família, as ramificações, as sucessões de posse que ocorreram em cada imóvel sem a conciliação seria uma tarefa quase impossível”, afirma a defensora pública federal Luciana Moraes Rosa Grecchi.

O Quilombo Cafundó nasceu em 1866, quando o fazendeiro dono da área libertou 15 escravos e deu a eles 218 hectares das terras. Atualmente, 20 famílias moram na comunidade quilombola. Antes da conciliação, os quilombolas moveram ações de usucapião por causa das diversas invasões ocorridas durante a década de 1970.

Em 1999, o processo de regularização dessas terras foi iniciado pela Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), mas o procedimento federal de para regularizar a área só foi aberto em 2004 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em 2006, o Incra reconheceu o território de Cafundó com 218 hectares e começou a conceder o termo de posse a cada família do local.

Três anos mais tarde, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto reconhecendo o Cafundó como território de interesse social. O documento que garante a posse do terreno pelos moradores foi entregue ano passado pelo Incra, e, em maio deste ano, aconteceu a última etapa das conciliações.

No encontro foram feitos os pagamentos a quem assinou o acordo na primeira sessão de conciliação, ocorrida em abril, além de audiências conciliatórias com os posseiros — pessoas que compravam e vendiam as terras dentro do quilombo e nelas faziam benfeitorias, por exemplo, construção de casas e demarcação com cercas.

Durante as conciliações, a Defensoria Pública Federal atendeu individualmente cada quilombola e cada posseiro. “Os conciliadores fazem um excelente trabalho e eu percebo que está sendo muito produtivo, as pessoas estão satisfeitas e nenhum acordo é feito de forma forçada. Tudo é feito de forma clara e transparente. O nosso objetivo está sendo atingido”, explica Grecchi.

Questão quilombola
As diversas etapas enfrentas para a regularização do Cafundó mostram como a questão dos quilombos no Brasil é complicada. Segundo o Incra, essas comunidades são grupos étnicos, constituídos predominantemente pela população negra, seja ela rural ou urbana, que se autodefinem a partir das relações com a terra, com o parentesco, com o território, com a ancestralidade e com as tradições e práticas culturais próprias.

A regularização dessas terras é assegurada pela Constituição Federal, no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Em 2003, o governo federal, com o Decreto 4.887, regulamentou o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata a Constituição Federal.

Porém, o modelo de regularização de quilombos e autodefinição como quilombola são questionados no Supremo Tribunal Federal pelo DEM. Apresentada em 2004 pelo partido, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.239 traz como argumentos o fato de o detalhamento de uma norma constitucional ter ocorrido por decreto e a inconstitucionalidade de desapropriar essas terras, pois, para a sigla, o estado é responsável apenas por emitir o certificado de posse das terras ocupadas.

“Incorre em vício de inconstitucionalidade qualquer norma que determine a expropriação das áreas, bem como o uso de recursos públicos, para a transferência posterior aos titulares do direito originário de propriedade definitiva”, explica o DEM na ação, alegando ainda que essa prática tenta fazer, “por vias oblíquas, uma reforma agrária sui generis”.

O partido também questiona a auto-atribuição pelo quilombola. “Submeter a qualificação constitucional a uma declaração do próprio interessado nas terras importa radical subversão da lógica constitucional.”

Já a Advocacia-Geral da União explica que não como questionar a constitucionalidade do decreto, pois a norma é político-administrativa. A AGU afirma ainda que o pedido do CEM traz uma “impugnação genérica” e que a regra promulgada pela Presidência tomou como base os artigos 215 e 216 da Constituição Federal.

As normas definem que o Estado deve garantir o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional e que os bens de natureza material e imaterial, individualmente ou em conjunto, são patrimônio cultural brasileiro. Sobre a auto-atribuição, a AGU diz que esse ponto nada mais é do que a comparação com outros integrantes da mesma etnia e que não concedendo ao usuário da terra a oportunidade de se declarar como quilombola.

Jurisprudência quilombola
O advogado Rodrigo Pedrosa, do Chiarottino e Nicoletti Advogados, cita que há precedentes sobre o tema. Citando o Recurso Especial 931.060, analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, o profissional destaca que o assunto também envolve o princípio da dignidade da pessoa humana.

Mesmo com os problemas enfrentados, o advogado destaca que a jurisprudência sobre a questão quilombola tem evoluído nos últimos anos. “Na elaboração da constituição, o que se entendia por quilombo eram as áreas onde os escravos se refugiavam. O STJ deixou claro que esse tema extrapola a questão fundiária.” Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.

Foto: Quilombo Cafundó está sendo devidamente regularizado graças à conciliação entre quilombolas e posseiros

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