Bresser Pereira: “Foi a primeira vez que eu vi ódio na política brasileira”

Da IHU On-line

Entre os intelectuais brasileiros, ele é uma das vozes mais críticas ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. A RFI (Radio France Internacional) convidou o economista e cientista político Luiz Carlos Bresser-Pereira, que esteve em Paris para uma palestra sobre um tema intrigante: “Chegamos ao fim de uma era de democracia e justiça social no Brasil?”

A entrevista é de Lúcia Müzell, publicada por Rádio France Internacional, 12-06-2016. Na entrevista, ele comenta o fato de ter sido um dos escolhidos pela presidente para defendê-la no Senado, no julgamento do impeachment. Ao seu lado, nomes como Ciro Gomes tentarão reverter a destituição da presidente.

“Terei não só o prazer, como o dever cívico de defendê-la”, afirma o ex-ministro de José Sarney e de Fernando Henrique Cardoso, para quem o impeachment de Dilma gera “um forte arranhão na democracia brasileira”. “Temer não terá apoio para nada”, aposta.

Eis a entrevista.

É o fim de um ciclo de democracia e justiça social no Brasil?

Sim, é o fim. É uma análise que faço no meu último livro, A Construção Política do Brasil, em que eu divido a história do Brasil independente em três grandes ciclos. O primeiro, do Império, eu chamo de Estado e integração Territorial. Depois, tem um período intermediário, a Velha República, até chegarmos a um novo ciclo, de 1930 e 1980, que chamo de nação e desenvolvimento. É o momento da revolução capitalista brasileira, com a figura marcante de Getúlio Vargas. Depois, de 1980 até 2014, temos o ciclo democracia e justiça social. Tivemos a transição democrática, que foi alcançada, e a justiça social, que foi modestamente melhorada. Ainda estamos longe dela, mas caminhamos na sua direção. A origem do problema é que, a partir de 1930 [?], a economia do Brasil para, cresce a uma taxa muito menor do que nos 50 anos anteriores. A ideia de se ter redistribuição da renda e diminuição das desigualdades sem crescimento econômico é praticamente impossível, de forma que agora se chega ao fim deste ciclo. E ainda surge uma direita algo violenta neste final.

O ano de 2014 foi o da reeleição de Dilma Rousseff. Para o senhor, o início do segundo mandato dela foi marcado pelo fim deste ciclo?

Sim. Para mim, antes mesmo da grande recessão e da grande crise econômica, política e moral que teremos se desencadeando em 2015, já estava claro que esse ciclo de democracia e justiça social estava se esgotando. A grande tentativa política dos governos Lula-Dilma tinha sido de fazer um pacto político e de classes desenvolvimentista. Um pacto que juntasse os trabalhadores e a burocracia pública aos empresários industriais, aos empresários produtivos. Foi o que ocorreu na era de Getúlio Vargas.

O capitalismo em qualquer país do mundo é ou desenvolvimentista, ou liberal. Se for liberal, é um capitalismo dos rentistas e dos financistas, como vimos nos Estados Unidos e na França, a partir de 1980. Nós, com a chega do Collor à presidência, teremos um ciclo que chamo de liberal-dependente. O governo Fernando Henrique foi neoliberal no plano econômico, mas não no plano social. E agora, neste novo governo que surgiu após este impeachment absolutamente inaceitável, vemos uma tentativa de desmontar o nosso Estado de bem estar social no Brasil.

Como um dos fundadores do PSDB, como o senhor vê a postura de líderes da sigla nesta crise, especialmente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso?

Durante o primeiro ano do governo de Fernando Henrique, eu vi que a política econômica do governo era muito equivocada, porque era uma política de câmbio muito apreciado e juros muito altos. Eu insistentemente falei com o Fernando Henrique, insistia nisso uma vez por mês. Ele era muito simpático e ainda é simpaticíssimo, uma pessoa da melhor qualidade. Mas ele estava assessorado por economistas que haviam se tornado totalmente conservadores, de forma que eu não consegui nada.

O que eu vi, depois que saí do governo, é que a guinada do PSDB para a direita era muito forte. Acontecera não só na política econômica, de privatizações e liberalização, como na política externa, dependente dos Estados Unidos e de políticas ortodoxas. Eu demorei 10 anos para sair do PSDB. Pensei muito, meus amigos estavam todos lá, mas eu vi que, realmente, a virada para a direita tinha sido muito grande.

O senhor está entre os indicados como testemunhas pela presidente Dilma Rousseff, na sua defesa contra o impeachment. O que o senhor pretende argumentar em favor da presidente?

Terei todo o prazer, e não só o prazer, como o dever cívico de defendê-la. No meu entendimento, esse impeachment, sob o ponto de vista jurídico é uma farsa, é na realidade um golpe de Estado. Nós todos sabemos – inclusive os relatores, os impetrantes em geral do processo – que o motivo real do impeachment não foram as famosas pedaladas. Essas foram irregularidades que todo o presidente, em qualquer o país, faz. Não é só no Brasil, e nunca foi origem de impeachment antes. Foram outras as razões – e outras razões são inaceitáveis. Ponto.

As outras razões foram essencialmente que a direita, a classe capitalista rentista e financista brasileira, resolveu que não queria mais ser governada pelo PT. Eles nunca quiseram – o Brasil entrou em uma crise em 2002, por causa da eleição do Lula. Mas, depois, o Lula tentou de todas as maneiras fazer compromissos e acordos, que eram necessários, e a coisa foi indo. Mas depois a economia começou a derrapar fortemente, em 2012, e a taxa de lucro dos empresários industriais caiu de maneira dramática, para 5% e depois para 4% ao ano, muito abaixo da taxa de juros, nesse momento essa direita se uniu. Os economistas passaram a fazer uma gritaria a respeito do “pibinho” e a respeito dos erros de política econômica que ela de fato cometeu, vários. Mas, para a surpresa dessa direita, a presidente foi reeleita, e num quadro muito curioso: nunca vi um presidente ser reeleito no Brasil sem nenhum apoio das classes dirigentes. Até no caso do Lula, havia algum apoio. Dessa vez, não havia nada, de forma que, em seguida, os derrotados imediatamente começaram a pedir o impeachment.

Mas Dilma também desfrutou de cada vez menos apoio da sociedade, não?

A popularidade de Dilma despencou, em parte por uma grande inabilidade política dela. O resultado foi que deu certo a demanda da oposição e de uma direita nova que surgia, cheia de ódio. Fiquei muito impressionado com isso. O ódio apareceu em 2013, mas ficou claro para mim em 2014. Foi a primeira vez que eu vi ódio na política brasileira – e ódio é incompatível com política. Na política, há adversários, não inimigos. Inimigos se confrontam em guerras, e o Brasil entrou nessa guerra. Juntou-se essa direita violenta, com o Aécio Neves e o PSDB, que queriam ganhar o que não tinham ganho. E, no final, veio esta maravilha chamado PMDB, com os senhores Eduardo Cunha e Temer, “paladinos da moralidade pública”.

Na sua avaliação, quais as chances de a presidente conseguir reverter essa situação?

É difícil prever como vai ser. As suas chances são pequenas, mas é possível. Esse impeachment é uma farsa jurídica, que causa um forte arranhão na democracia brasileira. Esse governo entendeu a baixa popularidade da presidente como o apoio para políticas econômicas violentamente contra os trabalhadores, contras as minorias raciais.

O governo Temer teria apoio para fazer cortes drásticos nas políticas sociais?

Eu não creio que ele terá apoio para nada. Esse governo começou mal e está caminhando mal. Existe o conceito sociológico de legitimidade, de apoio na sociedade civil, apoio em quem tem poder. A Dilma sofreu esse impeachment porque perdeu o apoio da sociedade civil, principalmente dos ricos, mas também dos iletrados. Esse novo governo que está começando não pode ter ilegitimidade maior. É só olhar. As pessoas que lutaram pelo impeachment devem estar olhando para si mesmas e pensando: será que era isso mesmo que eu queria?

 

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