Por Daniela Alarcon e Haroldo Heleno*
Entre os dias 3 e 5 de junho último, cerca de cem jovens realizaram na aldeia Serra do Padeiro (Terra Indígena Tupinambá de Olivença) o Pré-Encontro Geral da Frente da Juventude Tupinambá. Oriundos das comunidades do Acuípe de Baixo, Itapoã, Mamão, Olhos D’água, Olivença, Parque de Olivença, Serra do Padeiro, Tetama, Tamandaré, Tupã e Tucum, os indígenas reuniram-se para debater estratégias de mobilização e fortalecimento da atuação política da juventude, considerando em especial a necessidade de aprofundar seu envolvimento na luta pela terra. A realização do Encontro Geral da Frente da Juventude Tupinambá está prevista para novembro próximo.
No pré-encontro, os jovens tupinambá debateram graves questões que afetam seus povos (como a criminalização de lideranças), acordaram ações conjuntas e aprovaram um documento final em que expressam seus sonhos, desafios e responsabilidades. “Hoje, nosso maior sonho é a demarcação de nossa terra, processo que já se arrasta há 12 anos, contrariando todos os prazos legais”, enfatiza o texto. Cumpre notar que o processo demarcatório da Terra Indígena Tupinambá de Olivença encontra-se suspenso, desde abril, devido a uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que acolheu mandado de segurança impetrado por indivíduos contrários ao reconhecimento dos direitos territoriais indígenas. “Neste cenário, precisamos manter os jovens tupinambá organizados, unidos para a luta. Queremos debater política cada vez mais e manter vivos os grupos de jovens que existem em nosso território.”
Os jovens denunciaram ainda o preconceito contra os povos indígenas; os empreendimentos que impactam negativamente seus territórios, como os areais que se estendem pela terra tupinambá; e os ataques materializados no Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 215 e em outras iniciativas levadas a cabo no âmbito dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Além disso, apresentaram um conjunto de demandas em face do poder público: a adoção de medidas para a conservação do ambiente; a garantia de saúde e educação de qualidade, com a construção de uma escola indígena diferenciada de fato, a produção de livros didáticos que contemplem a perspectiva indígena e a criação de uma universidade indígena; e, finalmente, a adoção de investimentos no esporte, considerando as especificidades dos povos indígenas.
Para Curapaty Tupinambá, vice-cacique da aldeia Tamandaré e um dos organizadores do evento, foi possível contemplar as diferentes realidades vivenciadas pelos jovens tupinambá, tanto aqueles que vivem nas serras como aqueles que vivem no litoral. “Nossos sonhos e desafios – alguns diferentes, devido à própria realidade onde estamos inseridos – se complementam e fortalecem a nossa luta. E nós, enquanto jovens, temos que assumir esta responsabilidade e, junto com as nossas lideranças, lutar mais ainda para realizar o processo de autodemarcação de nosso território.”
Na mesma direção, o documento final enfatiza: “Nosso sonho é permanecer sempre na cultura indígena, valorizando-a cada vez mais, respeitando uns aos outros e trabalhando em torno de um só objetivo”. No encontro, os jovens afirmaram, ainda, a decisão de estreitar seus vínculos com os mais velhos e com as lideranças de seus povos, recuperando as histórias antigas, aprofundando seus conhecimentos e fortalecendo sua religiosidade. “Sabemos que, como jovens guerreiros, temos grandes responsabilidades. A maior delas é lutar pela terra e pela garantia de todos os nossos direitos.”
O documento final (abaixo) do encontro traduz toda a riqueza e profundidade das reflexões levadas a cabo pela juventude tupinambá, assim como os compromissos assumidos pela mesma, trazendo muita esperança para a luta desse povo tão guerreiro.
Leia o documento final na íntegra:
CARTA FINAL DO PRÉ ENCONTRO DA JUVENTUDE TUPINAMBÁ
Nós somos jovens guerreiros
E por nossa terra vamos lutar,
Espalhar nossas sementes
Nossa aldeia germinar.
Nós, cerca de cem jovens, das comunidades do Acuípe, Itapoã, Mamão, Olhos D’água, Olivença, Parque de Olivença, Serra do Padeiro, Tamandaré e Tucum, situadas na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, reunidos na Aldeia Serra do Padeiro, entre os dias 3 e 5 de junho, expressamos neste documento nossos sonhos, desafios e responsabilidades. Hoje, nosso maior sonho é a demarcação de nossa terra, processo que já se arrasta há 12 anos, contrariando todos os prazos legais. Neste cenário, precisamos manter os jovens tupinambá organizados, unidos para a luta. Queremos debater política cada vez mais e manter vivos os grupos de jovens que existem em nosso território.
Desejamos o fim das rivalidades entre as nossas comunidades e a união dos povos indígenas do Brasil, para a melhoria de nossas vidas. Sonhamos com o fim do preconceito contra os povos indígenas.
Nosso sonho é permanecer sempre na cultura indígena, valorizando-a cada vez mais, respeitando uns aos outros e trabalhando em torno de um só objetivo. Precisamos resgatar as histórias antigas, junto aos mais velhos, e buscar a nossa religiosidade, considerando o fundamento específico dos nossos rituais. Lutaremos para ver a natureza respeitada e conservada. Exigimos ter acesso à saúde e educação de qualidade. Demandamos também investimentos no esporte, considerando as especificidades dos povos indígenas. Sonhamos, ainda, em ver a cultura nos livros didáticos contada por nós mesmos e com a criação de uma universidade indígena.
Para conquistar nossos sonhos, precisamos enfrentar grandes desafios. É fundamental trazermos os jovens para a luta, inclusive aqueles que estão afastados do movimento, garantindo sua autonomia, dentro e fora de suas comunidades. Para superar nossos inimigos, necessitamos de mais exemplos de luta. Nossos jovens têm que estar preparados para guerrear, atentos e concentrados. É fundamental que participemos dos eventos que acontecem em nossas comunidades. Precisamos garantir que os jovens estejam preparados para resistir se sofrermos ataques – como vem acontecendo, com tantas ações de reintegração de posse –, ajudando uns aos outros. Precisamos manter a cultura sempre viva e manter os encantados entre nós. É fundamental despertar o desejo dos jovens por participar de nossos rituais.
Derrubar a PEC 215 e barrar outros ataques contra os povos indígenas, no Executivo, Legislativo e Judiciário, é urgente. Precisamos organizar encontros com os pesquisadores indígenas e não indígenas que estudaram ou estudam junto ao nosso povo, para que dividam seus conhecimentos conosco. Entender melhor nossos inimigos é fundamental, para que possamos nos defender melhor. Temos que enfrentar o desmatamento, os areais e a falta de água, para que as matas nativas fiquem limpas e conservadas. É urgente combater o preconceito e pôr fim às humilhações e à desconfiança em torno dos povos indígenas.
Precisamos combater as drogas em nossas comunidades, inclusive o consumo excessivo de álcool. É preciso também evitar os efeitos negativos das tecnologias, utilizando-as para potencializar a luta. Além disso, precisamos melhorar o transporte, para que possamos deslocar mais jovens para as atividades, dentro e fora do território. É necessário, ainda, construir uma escola indígena diferenciada de fato e trabalhar para a reconstrução e aprendizado de nossa língua.
Sabemos que, como jovens guerreiros, temos grandes responsabilidades. A maior delas é lutar pela terra e pela garantia de todos os nossos direitos. Para isso, precisamos nos fortalecer espiritualmente. Todos nós precisamos ter responsabilidade para com a cultura, com os nossos costumes, com a aldeia e com a natureza. Temos que nos assumir como Tupinambá, cumprir com todas as nossas obrigações e respeitar nossas lideranças, caciques, pajés e anciões. Precisamos buscar os conhecimentos dos mais velhos e dividir nossos saberes, transmitindo nossas ciências e nossas tradições para os curumins. Temos que procurar nossa história e saber contá-la, ensinando aqueles que querem aprender conosco. Precisamos que as lideranças nos ensinem a caminhar melhor, para sabermos nos defender de maneira digna e respeitosa.
Aldeia Serra do Padeiro, 05 de Junho de 2016.
*Daniela Alarcon é jornalista e antropóloga; Haroldo Heleno é do Cimi Regional Leste.
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Foto: Daniela Alarcon.