Por Comitê de Apoio às Ocupações – Porto Alegre/RS (CAO), em Estado de Direito
Às 10 horas da manhã do dia 15 de junho de 2016 (quarta-feira) estava marcada audiência de mediação no Foro Central de Porto Alegre para dar continuidade das tratativas de negociação entre as escolas ocupadas e o Estado do Rio Grande do Sul.
Antes mesmo do início da mediação já havia a informação que seria firmado um acordo entre o Estado do Rio Grande do Sul e as escolas representadas pelas entidades UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), UGES (União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas) e UMESPA (União Metropolitana dos Estudantes Secundários de Porto Alegre), em virtude das negociações realizadas na Assembleia Legislativa no dia anterior.
Ocorre que a proposta de acordo foi rejeitada por secundaristas representados pelo Comitê de Escolas Independentes, sob o argumento de que, em verdade, a negociação ocorreu de forma antidemocrática. Deste modo, estes estudantes optaram por não aderir ao acordo que foi firmado ao final daquela manhã, uma vez que sequer tiveram acesso ao que foi dialogado na Assembleia Legislativa, já que as entidades não permitiram sua entrada no espaço, e, por consequência, permaneceram em audiência para as demais deliberações.
Neste momento, paralelamente à audiência, ocorria a ocupação da Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul (SEFAZ) pelos estudantes das escolas independentes, os quais entendiam que a proposta de acordo não contemplava com especificidade as principais pautas do movimento e exigiam o comparecimento do Governador do Estado para negociação. Em que pese a reivindicação dos estudantes independentes, houve homologação do acordo entre a secretaria de educação do estado e as entidades citadas, momento no qual a audiência foi suspensa e foi estipulado prazo, com ciência do Procurador do Estado, para que os advogados pudessem dialogar com os ocupantes da SEFAZ e retornar a posição adotada à juíza, que conduziria a continuidade da mediação no dia seguinte.
No entanto, ao saírem do Foro Central chegou a estarrecedora notícia de que o Estado estava utilizando força policial para realizar a retirada dos estudantes da ocupação da SEFAZ. Inicia-se, aqui, um dos piores episódios destes quase 40 dias de ocupações.
Violência
Quando componentes do Comitê de Apoio às Ocupações (CAO) chegaram ao local, o Batalhão de Operações Especiais (BOE) já havia isolado a área, e professores e pais gritavam do lado de fora palavras de apoio à ocupação, e um a um dos estudantes era arrastado para dentro da van da Polícia Militar. Ao mesmo tempo, os advogados que acompanhavam os estudantes desde o início das ocupações tiveram acesso negado pela Polícia Militar, permanecendo durante a operação apenas um advogado parceiro do CAO, que conseguiu passar pelo isolamento quando ocorreu uma confusão com um professor. A situação era caótica, havia gritaria, desespero e muito spray de pimenta , inclusive nos advogados.
Sem qualquer possibilidade de diálogo por parte da Brigada Militar, os policiais jogaram spray de pimenta no rosto, puxaram e violentaram de diversas maneiras os ocupantes – que, neste momento, estavam sentados, com os braços entrelaçados, totalmente indefesos, sem caracterizar perigo à ordem, sem ameaçar, inclusive, a integridade física dos agentes de segurança -, para que conseguissem chegar ao objetivo final de separar uns dos outros.
Os 40 estudantes, dentre os quais 32 adolescentes e 8 adultos, conjuntamente com 2 jornalistas – devidamente identificados desde o início da ocupação -, foram levados à Delegacia Especial da Criança e do Adolescente (DECA). Feita a separação entre maiores e menores, os menores permaneceram para depoimento, acompanhados dos pais – que foram deixados por longo período de angústia sem acesso aos filhos -, e os maiores foram levados para a 3ª Delegacia de Pronto Atendimento (DPPA) sendo, posteriormente, levados aos presídios Central e Madre Pelletier. As acusações são de dano qualificado contra o patrimônio do estado, esbulho possessório, paralisação de trabalho de interesse coletivo, associação criminosa e resistência, sendo que os maiores também são acusados de corrupção de menores.
Muitos dos ocupantes tiveram ferimentos e foram levados ao Departamento Médico Legal para a realização do auto de corpo de delito. Em uma das situações vivenciadas, uma menina teve negado seu direito de realização do exame por uma médica (mulher) – que estava presente no momento -, sendo ofertado somente a realização por um médico (homem), corroborando toda a situação de violência psicológica e física já sofrida até aquele momento. Sem alternativa, negou-se a realizar o procedimento daquela maneira. Em consequência a sua negativa e tendo em vista todo o tencionamento gerado pela situação, restou disponibilizada a realização do procedimento pela perita médica.
Após a violência
Somente após 14 horas desde o início da desastrosa operação, houve a concessão de liberdade provisória e todos os adultos foram liberados, permanecendo a angústia da pendência de inquérito policial, com a possibilidade abertura de processo criminal e criminalização do movimento estudantil.
Cabe salientar que os advogados integrantes do Comitê de Apoio às Ocupações recorreram à Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul em defesa de suas prerrogativas, sem que tenham recebido retorno efetivo, já que os representantes da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas adentraram na Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul e não instrumentalizaram o acesso dos estudantes a seus advogados.
Terminou-se este dia com o sentimento de total insegurança jurídica. Houve violação dos Direito Humanos, do direito à manifestação, do direito ao livre exercício da profissão, das garantias fundamentais, de acordo judicial, e das prerrogativas dos advogados, já que sua participação constitui garantia de direitos invioláveis do cidadão, como acesso igualitário à justiça, devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
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Imagem: Sede da Secretaria da Fazenda | Créditos: rs.gov.br