Confira uma entrevista com o um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Egydio Schwade
Por Tânair Maria, Jornal do Commercio/Portal Amazônia
Entre denúncias e preocupação com a exploração mineral em terras indígenas, Egydio Schwade, um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Operação Amazônia Nativa (Opan), e atualmente ativista da causa indígena, faz um raio X da atual situação de áreas afetadas. Só para ter uma ideia, desde a década de 1940 países desenvolvidos como Estados Unidos da América e Japão estão de olho nos minérios estratégicos presentes em grande quantidade e de fácil exploração nas áreas Waimiri-Atroari e Yanomami.
Documentos do DER/AM comprovam que a construção da BR-174 não tinha como primeiro objetivo ligar Manaus (AM) à Boa Vista (RR), mas para dar acesso às minas do Pitinga e saqueá-las. Já a Funai (Fundação Nacional do Índio) impede os índios de revelarem ao mundo o genocídio do seu povo e o crime da espoliação de seu território. Schwade, também, dedica-se ao Projeto Cacuí (Casa da Cultura do Urubuí) em Presidente Figueiredo, município da RRM (Região Metropolitana de Manaus), distante 107 km da capital amazonense.
Acompanhe a entrevista exclusiva:
Jornal do Commercio: Quais são as principais ações do Cimi Regional Norte I em relação à exploração mineral em terras indígenas, na sua área de abrangência (Amazonas e Roraima)?
Egydio Schwade: O Cimi Regional Norte I é um órgão ligado à Igreja Católica que acompanha os acontecimentos da questão indígena no Amazonas e Roraima desde 1974. No caso da exploração mineral que interfere nas terras indígenas, impacta e prejudica a vida e o bem viver dessas populações, o Cimi denuncia com frequência a ameaça à sobrevivência desses povos e exige do Estado a observância da Carta Magna.
Por isso chamo, inicialmente, atenção à continuidade do saque dos recursos naturais, patrimônio indígena, que vem ocorrendo há 500 anos e hoje se abate de forma cruel sobre a região amazônica. E com agravantes. A cada ano se acrescentam novos instrumentos para a efetivação do saque mineral que já tem dimensões incalculáveis. Você não precisa ir muito longe para ter uma ideia evidente do saque mineral.
Venha a Presidente Figueiredo, acomode-se em frente ao prédio da Sefaz (Secretaria da Fazenda), que fica a 20 metros da BR-174, e conte quantas caçambas de minério desfilam durante 24 horas pela rodovia. Conte quantas declaram ao órgão responsável o seu conteúdo e valor. Nem uma só. (Consulte a propósito o livro do Prof. Dr. José Aldemir de Oliveira, CIDADES NA SELVA, Editora Valer/2000, pgs 175-179).
Por esta razão, com relação à mineração em geral, em solo brasileiro, sou de opinião que seja interrompida totalmente para ser replanejada em vista dos benefícios que deve trazer ao povo brasileiro e em especial ao povo da área onde é explorada. E o povo não fique apenas com as estradas esburacadas, as águas poluídas, enfim com os prejuízos, como acontece hoje aqui no município de Presidente Figueiredo e na área WaimiriAtroari, em Mariana e no Vale do Rio Doce em Minas Gerais.
Durante toda a História do Brasil, a mineração foi e é uma atividade que favorece apenas uma classe de corruptos nacionais e estrangeiros.
JC: Em relação às terras Waimiri-Atroari, quais foram os principais eventos que envolveram a exploração mineral e causaram prejuízos à comunidade? Como por exemplo, a construção da Usina Hidrelétrica de Balbina e a Mineradora Taboca. Hoje em dia, ainda existem conflitos relacionados a esse assunto?
Schwade: A exploração mineral na área Waimiri-Atroari é um caso exemplar. Desde os anos de 1940 os norte-americanos e outros países ricos como o Japão, estão de olho grande nos minérios estratégicos ali presentes em grande quantidade e de fácil exploração. Já em outubro de 1944 os Waimiri-Atroari mataram dois oficiais americanos e seus integrantes brasileiros, que estavam pesquisando na área. E a construção da BR-174, não foi feita tendo como primeiro objetivo ligar Manaus a Boa Vista, mas para dar acesso às minas do Pitinga e saqueá-las. Documentos do DER/AM das origens da rodovia o comprovam.
Sobre os prejuízos para o povo Waimiri-Atroari? O genocídio. De 3000 passaram a 332 em pouco mais de uma década. Veja o livro A DITADURA MILITAR E O GENOCÍDIO DO POVO WAIMIRI-ATROARI. (pode adquirir no Cimi Norte I). A invasão e esbulho do seu território que continua. O isolamento e cerco do povo indígena e o domínio da política indigenista pelas empresas de exploração energética e mineral, (com acordada ausência da Funai, única responsável pela política indigenista oficial) impede os índios de revelarem ao mundo o genocídio do seu povo e o crime da espoliação de seu território.
JC: A construção do Linhão de Tucuruí também passa pelas terras Waimiri-Atroari, legalmente como está tramitando esse assunto? Em 2015 houve ampla repercussão na imprensa local e nacional envolvendo a Funai e o Incra.
Schwade: O Linhão de Turcuruí tem o mesmo objetivo que a BR-174. Trata-se de um novo instrumento para tornar mais eficiente o saque mineral em toda a região Norte de Manaus e Roraima. Analise-se, por exemplo, a que servirá a Subestação do Linhão prevista no km 152 da BR-174? É óbvio que servirá quase exclusivamente às mineradoras atuantes naquela área.
Infelizmente, os órgãos públicos como Funai, Incra e Ibama, transformados hoje em meros instrumentos de “monitoramento”, perderam os seus objetivos (defesa dos indígenas, pequenos agricultores e da vida animal e vegetal) para serem uma maneira discreta e elegante de colaboração e oficialização da exploração ilícita das riquezas naturais do país, quando deveriam ser pioneiros na defesa dos interesses das riquezas naturais em prol das populações e dos viventes da região.
JC: Atualmente, como estão as comunidades indígenas no Amazonas? Quais são as suas principais reivindicações?
Schwade: Perplexas, denunciando como profetas no deserto, os crimes acobertados por políticos corruptos e pelo Estado. Há dois anos, aos 79 anos de idade, acompanhei um grupo de indígenas Yanomami, três funcionários da Funai, e pessoas de um canal de TV pelos rios Mucajaí e Couto de Magalhães em Roraima rumo a localização e destruição de dois garimpos, próximo à fronteira da Venezuela. Os indígenas, empunhando seus arcos e flechas, prenderam os garimpeiros de dois garimpos. Os levaram à aldeia, advertiram e orientaram para que não voltassem ao crime. E em contato com a Polícia os levaram até a fazenda mais próxima, onde seriam recebidos pela mesma. Entretanto, a Polícia nem sequer compareceu ao local combinado.
Assim fui testemunha da atitude dos funcionários do Estado frente à grave questão mineral na terra Yanomami. Não há vontade política alguma em combater a espoliação mineral ilegal em nosso país. Se índios de arco flecha conseguem desativar um garimpo, mas o Estado com Exército, Polícia, aviões de guerra e batalhões de selva treinados, não conseguem. A corrupção e a falta de vontade política saltam aos olhos!
Esta falta de vontade política do Estado frente a este que é hoje o mais grave problema da Amazônia, o saque mineral, é claro indício da inutilidade de todo o aparelhamento do Estado na defesa da vida amazônica. Se há um crime de lesa pátria ocorrendo nesta parte do país, prejudicando o povo radicado nestas terras, este é a exploração mineral. As comunidades indígenas da Amazônia pedem hoje do governo, justiça e sossego e não (des)envolvimento à custa do seu futuro.
JC: Como o senhor avalia o Programa Waimiri-Atroari e política da Funai?
Schwade: Em 1985, com os auspícios de uma nova era para o país, a Funai organizou um Grupo de Estudos e TrabalhoGET visando uma nova política indigenista para o povo WaimiriAtroari. O GET além de lideranças Waimiri-Atroari e pessoas da Funai integrou pessoas ligadas a órgãos de Pesquisa, Museu Goeldi, Universidade de Brasília, Unicamp e órgãos indigenistas independentes de conhecida atuação na área como o Cimi e a Opan. Após um levantamento exaustivo, o grupo definiu e iniciou um trabalho sério e conjunto, como alfabetização na língua do povo Waimiri-Atroari e pesquisa linguística e antropológica. Tudo estava caminhando para novos rumos quando abruptamente os rumos da política indigenista voltaram à velha rotina.
O presidente da Funai foi mudado e o novo –Romero Jucá–homem até hoje conhecido como envolvido com as mineradoras, tratou devolver os rumos na velha política repressiva da Ditadura, principalmente contra qualquer indigenismo novo e alternativo. Toda a equipe posta, colaboradora e efetivadora dos novos rumos do indigenismo junto aos Waimiri-Atroari, foi afastada, de forma abrupta e caluniosa. (Veja O ESTADO DE SÃO PAULO/agosto de 1987).
Como consequência, no início de 1987, a Funai abdicou, contra a lei, da sua responsabilidade sobre Política Indigenista na área Waimiri-Atroari e mediante um acordo a transferiu ao Programa Waimiri-Atroari-PWA, subordinado à Eletronorte, hoje Eletrobras. A condução do PWA foi entregue ao ex-responsável pela Coama (Coordenação da Amazônia) na área WaimiriAtroari, organismo da Ditadura Militar, que ora respondia como órgão da Funai, ora como se fosse do PIN (Plano de Integração Nacional).