Por João Flores da Cunha / Com Agências – IHU On-Line
“Um grito coletivo contra a violência machista”. É assim que se define o movimento Ni una menos, que surgiu na Argentina, em 2015. Desde sua criação, vem ganhando força. Em um ato no último dia 3 de junho, mais de 200 mil pessoas participaram de uma manifestação do Ni una menos em Buenos Aires. O movimento espalhou-se por outros países da América Latina: houve atos não só em outras cidades da Argentina, mas também no Chile, no México e no Uruguai.
Feminicídios
O estopim do movimento argentino foi o brutal assassinato de Chiara Páez, ocorrido em maio de 2015 em Rufino, um município de 20 mil habitantes localizado na província de Santa Fé. Páez tinha 14 anos, estava grávida e foi morta por seu namorado, que a enterrou no quintal de casa.
A partir desse caso, tornou-se notória a informação de que, em 2014, ocorreram 277 feminicídios no país. Ou seja, a cada um dia e meio uma mulher foi morta por ser mulher. Segundo um manifesto lido no ato de 3 de junho, “feminicídio é uma categoria política, é a palavra que denuncia o modo em que a sociedade torna natural algo que não o é: a violência machista. E a violência machista é um assunto de direitos humanos”.
Nesse sentido, um dos lemas do movimento é “vivas nos queremos”. O movimento tem sido impulsionado por familiares das vítimas – assim como ocorreu em relação às vítimas da última ditadura militar no país, a partir das organizações das Avós e das Mães da Praça de Maio.
Violência contra as mulheres
Há na Argentina um plano nacional de prevenção, assistência e erradicação da violência contra as mulheres, que foi criado por uma lei aprovada em 2009. No entanto, ele ainda não foi regulamentado, e não há previsão para sua implementação. Embora a lei preveja um orçamento para esse programa, até hoje ele não foi contemplado com recursos federais.
A medida ajudaria a combater outras formas de violência, segundo seus defensores. De acordo com uma enquete realizada com mulheres durante a manifestação de 3 de junho por pesquisadores da Universidade de Buenos Aires – UBA, 91% delas dizem já ter sofrido assédio na rua.
Representação na mídia
Ainda segundo essa pesquisa, da Faculdade de Ciências Sociais da UBA, mais de 80% valorizaram o fato de que os meios de comunicação estejam dando mais atenção para o tema da violência contra a mulher. No entanto, 40% delas têm críticas à abordagem da mídia. Ativistas notam que a própria repercussão dos casos reproduz discursos de uma sociedade machista. Um deles é o de duas jovens argentinas que foram mortas em fevereiro último, no Equador. A cobertura do caso foi alvo de críticas por conta da expressão, frequente em reportagens sobre o crime, de que elas “viajavam sozinhas” – o que, considerando que elas estavam juntas, significava, na verdade, que elas viajavam sem homens.
América Latina
No mesmo dia da manifestação do Ni una menos em Buenos Aires, também houve atos, embora menores, em Santiago do Chile, na Cidade do México, e em Montevidéu, no Uruguai. No Brasil, o recente estupro coletivo de uma adolescente no Rio de Janeiro ficou marcado pela culpabilização da vítima, o que inclusive levou ao afastamento do delegado que inicialmente cuidava do caso. Após a transferência da investigação para uma delegacia da Criança e Adolescente Vítima, os responsáveis foram indiciados.
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Foto: Rodrigo Paredes – Flickr – Creative commons
Sim, o feminicídio é uma realidade e deve ser denunciado. Mas a realidade triste no nosso país é a brutalidade que atinge a todos, notadamente mulheres, pessoas idosas, crianças e homens de todas as idades, principalmente jovens pobres com baixa ou nenhuma escolaridade que vivem em ambientes de risco e de reprodução permanente de praticas ilegais.
As camadas sociais em condições de diálogo, pensamento e reflexão deveriam abraçar mais seriamente a discussão sobre crime, exclusão e educação de qualidade.