Medidas de Temer para a previdência social penalizam trabalhadores/as de baixa renda

Por Elka Macedo – Asacom

Com apenas 28 anos de vigência, a Seguridade Social tal qual está na Constituição Federal de 1988 corre riscos de ser restringida a partir da reforma proposta pelo governo interino de Michel Temer que sugere aumento da idade mínima para aposentadoria, prevê que homens e mulheres se aposentem com a mesma idade, além da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/16 que determina que as despesas com a previdência terão seu limite baseado na inflação do ano anterior, corrigido pela variação do IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, o que implica no congelamento dos investimentos do estado até 2037.

“As propostas que estão sendo colocadas pelo governo interino e divulgadas pela mídia são extremamente perniciosas para os trabalhadores rurais. O aumento da idade da aposentadoria é praticamente a única chance de acesso à aposentadoria. Mais de 70% das mulheres e mais de 78% dos homens rurais ingressaram no mercado de trabalho com menos de 14 anos. Isso dá uma dimensão de que a mulher para se aposentar com 55 anos ela já está tendo de trabalhar 41 anos. Então, aumentar a idade vai exigir um tempo laboral maior e pela penosidade do trabalho do campo hoje, as condições que essa pessoa chega para receber o beneficio certamente vão dar muito pouca oportunidade de conseguir se aposentar”, salienta o assessor jurídico da Contag, Evandro Morelo.

A expectativa de vida dos brasileiros aumentou para 75 anos e dois meses (75,2), em 2014, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, esta não é uma projeção que condiz com todas as realidades do país. O Semiárido brasileiro, por exemplo, região que possui um terço dos estabelecimentos da agricultura familiar, é onde está a menor expectativa de vida dos brasileiros. Se dividirmos a perspectiva de vida ao nascer de homens e mulheres que moram em municípios da região, veremos que parte da população poderá nem gozar do benefício da seguridade social, a exemplo dos homens que residem nos estados do Piauí, Maranhão e Alagoas que não devem chegar aos 67 anos de idade e as mulheres, que segundo o IBGE, podem completar no máximo 75 anos.

A idade necessária para se aposentar atualmente é de 60 anos para a mulher da área urbana e 65 anos para o homem. Já para quem trabalha no campo são exigidos 55 anos para mulher e 60 anos para homens. Esta medida vale também para agricultores familiares, garimpeiros e pescadores artesanais. Porém, as novas regras previstas pelo governo em exercício, que determina a aposentadoria com idade mínima aos 70 anos, afeta toda a população, que vai levar muito mais tempo para se aposentar. Se considerarmos que em alguns estados brasileiros a expectativa de vida não passa dos 70 anos de idade, o que é proposto pelo atual governo condicionará a população a trabalhar até a morte.

“É relevante destacar a expectativa de vida de homens e mulheres no Brasil. A afirmação geral dos dados é de que as mulheres vivem mais. No entanto, o que se tem verificado é que o tempo de vida do homem do campo é semelhante ao do homem e da mulher urbana, mas o tempo de vida da mulher rural a partir do momento que ela acessa o benefício até o momento que é cancelado (90% em caso de morte) está demonstrando que as mulheres estão vivendo cinco anos a menos que os homens. Então, essa discussão de pensar nivelamento de idade sem considerar as questões regionais do Brasil e sem considerar as condições de trabalho às quais as pessoas são impostas é uma situação que pode prejudicar muito os trabalhadores e trabalhadoras do campo. Claro que o assunto ainda precisa ser mais estudado”, acrescenta Evandro Morelo.

Para a secretária nacional de formação da CUT, Rosane Bertotti, a tentativa de aumento da idade para aposentadoria representa mais uma negação de direitos para a população de baixa renda. “Você fazer uma colocação de idade mínima sem levar em consideração o tipo de trabalho, a idade de início do trabalho e a condição do trabalhador, para mim é uma forma, com certeza, de penalizar os operários de baixa renda e menor qualificação, e os trabalhadores que trabalham com mais dificuldades em ocupações braçais e trabalhos mais penosos. Essa é uma forma de desmerecer os trabalhadores e as trabalhadoras. É uma forma de retirar direitos”, ressalta.

Ela destaca ainda que a medida é mais cruel com as mulheres porque não respeita o seu papel na sociedade. “Quando eles [governo] querem equiparar o benefício da aposentadoria das mulheres ao dos homens, não reconhecem o trabalho de vida das mulheres porque as mulheres além de estarem em postos de trabalho, em sua maioria, são responsáveis pelo cuidado da casa e das crianças. A medida não reconhece todo o trabalho reprodutivo das mulheres como uma ação de trabalho e sim, apenas uma condição de mãe, apenas uma condição de mulher. Não reconhecem que a maioria das mulheres não tem uma folha corrida [tempo de contribuição contínuo] na previdência porque quando elas geram a vida é a elas que é dado o papel de cuidar”, pontua.

Sobre a medida, a agricultora Maria Selsa Gomes Soares que tem 46 anos e mora no município pernambucano de Santa Cruz destaca que a vivência no campo começa muito cedo e a mudança da idade de aposentadoria não é justa. “Eu trabalho na roça desde criança, no meu tempo não tinha escola que nem hoje, na idade de minha filha, com 12 anos eu já apanhava feijão na roça. A gente já trabalhou muito, e as mulheres trabalham mais, a gente já começa no trabalho em casa, vai pra roça e ainda cuida dos filhos. É bom como está: homem se aposenta com 60 e mulher com 55”, afirma.

A proposta de reforma da previdência social deve ser enviada ao Congresso Nacional após o julgamento impeachment da presidente Dilma Roussef, previsto para acontecer entre 29 de agosto e 2 de setembro deste ano. Para tentar coibir esta ação, os movimentos sociais e sindicais estão se articulando e realizando debates para mobilizar e esclarecer a população sobre o tema.

“O camponês começa a trabalhar junto com sua família, aos seis ou sete anos de idade. Ao longo da vida inteira trabalha aos domingos, feriados e não têm férias. Nós, enquanto movimento sindical, não vamos aceitar calados as propostas de mudança que esse governo quer fazer. Isso é uma ruptura do que foi construído a partir das lutas dos movimentos. Nós não podemos ficar calados diante disso! Devemos lutar para assegurar esse e também outros direitos como a habitação rural, o direito ao lazer, e os previdenciários que estão muito aquém”, afirma o agricultor agroflorestal e sindicalista, Vilmar Lermen, que reside na Serra dos Paus Dóias em Exu-PE.

Rombo na Previdência

Há muitos anos, economistas e a mídia brasileira têm pautado muito o chamado “rombo da previdência”, reforçando a ideia de que a arrecadação da contribuição dos trabalhadores na ativa no mercado de trabalho não dá condição de arcar com as despesas com aposentadorias e afirmam que um dos motivos do déficit está relacionado às aposentadorias de trabalhadores rurais. No entanto, dados da arrecadação de 2014 provam o contrário e mostram que o Orçamento da Seguridade Social apresenta uma receita maior do que a despesa. Consequentemente, os orçamentos da Saúde, da previdência e da Assistência também. No ano, de acordo com dados da Anfip, a Seguridade Social teve uma receita de R$ 686 bilhões e uma despesa de R$ 632 bilhões, tendo como resultado um superávit de R$ 53 bilhões.

Neste sentido, a dirigente da CUT questiona que o governo em exercício não tem se preocupado com uma estruturação da previdência que beneficie a maior parte da população.  “Se tem um déficit na previdência por que não vamos saber quem são os devedores da previdência? Por que não vamos construir uma proposta diferente? Por que não se faz uma reforma tributária onde quem tem mais paga mais? Eles [governo] apenas pensam em propostas que tiram dos mais pobres, dos mais pequenos, privilegiando o grande capital”, salienta Bertotti.

Ela complementa: “Ao mesmo tempo em que eles [governo] cortam as políticas sociais e que tentam convencer a sociedade a economizar recursos para garantir o desenvolvimento e a economia do Brasil, continuam investindo recursos no grande capital, não cortaram nenhum recurso para grandes empresários. É um governo que já disse a que veio. Veio para retirar direitos!”, enfatiza Rosane Bertotti.

O recurso das aposentadorias além de garantir vida digna para a população é responsável por uma fatia importante da economia de várias cidades brasileiras. Segundo pesquisa realizada em 2010, por Álvaro Sólon de França [auditor fiscal aposentado da Receita Federal do Brasil, e ex-secretário-executivo do Ministério da Previdência] em parceria com a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) revela que 3.875 cidades contaram com pagamentos da Previdência superiores ao do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), ou seja, quase 70% do total. Em 4.589 municípios (82% do total), os pagamentos da Previdência superam a arrecadação.

Sobre o assunto, Evandro Morelo reflete que “ao limitar gastos, o governo tem propostas para desvinculação dos benefícios previdenciários ao valor do salário mínimo, mas, considerando a restrição do benefício, o que a gente tem avaliado é que a previdência é uma das políticas que mais contribui com a distribuição de renda no nosso país. Ela faz distribuição de renda entre as pessoas, mas faz também a distribuição de renda nos municípios brasileiros. Com o reajuste, você acaba criando uma redução da injeção de recursos na economia local. As pessoas vão ter menos poder de compra”, destaca.

Ministério da Previdência

No Brasil, a previdência social é mais que um simples benefício social, ela envolve uma série de políticas ligadas à saúde, renda, e segurança alimentar que garantem a promoção de vida digna para milhares de pessoas. Com mais de 100 anos de história, o sistema previdenciário brasileiro teve um de seus marcos na Constituição de 1988 quando os benefícios foram estendidos a todos os trabalhadores e trabalhadoras. A Carta Magna, em seu artigo 194, também conceitua o termo seguridade social, implantado no mesmo ano, como “um conjunto de ações integradas de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

Neste sentido, a Previdência Social no Brasil tem como missão garantir proteção ao trabalhador e sua família, por meio de sistema público de política previdenciária solidária, inclusiva e sustentável, com objetivo de promover o bem-estar social. O Sistema de Seguridade Social formado ainda pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério da Saúde e Ministério da Previdência Social, mais a política de Seguro-Desemprego do Ministério do Trabalho e Emprego, protegem, aproximadamente, 64 milhões de pessoas ocupadas com idade entre 16 e 59 anos. Além disso, protege ainda 21,5 milhões de pessoas com 60 anos ou mais de idade, de acordo com dados do informe da previdência social publicado em fevereiro de 2015.

Esse era o desenho que se tinha dos ministérios que juntos cuidavam do sistema de seguridade social no país. No entanto, ao assumir a presidência interina, o peemedebista Michel Temer extinguiu diversos ministérios, entre eles, o do Desenvolvimento Social, e sob a argumentação de que a previdência precisa ser “sustentável” acabou com o Ministério da Previdência Social e o transformou em uma secretaria do Ministério da Fazenda por meio da Medida Provisória (MP) de 12 de maio deste ano. Com isso, a agenda de previdência social passa a se submeter verticalmente à agenda econômica e do mercado, ficando em segundo plano as questões ligadas às conquistas e interesse dos trabalhadores.

“O governo compreende a previdência como uma questão de números por isso está ligada ao Ministério da Fazenda e, portanto, não acha que previdência tem um conjunto de políticas para o desenvolvimento humano e de seguridade social. Ele fatia a previdência quando tira os usuários da previdência e os coloca na assistência social. Aqui, ele está dizendo que os agricultores familiares não têm produção. Ao mesmo tempo, quando ele [Temer] acaba com o MDS não reconhece uma categoria importante que produz 70% dos alimentos da mesa dos brasileiros como uma categoria de trabalhadores. Não reconhece a seguridade social, o desenvolvimento dos municípios e acaba atingindo em cheio os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras”, enfatiza Rosane.

Foto: Vládia Lima

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

16 − 2 =