O que é o Racismo Ambiental e o que tem a ver com a apropriação do território, no campo e na cidade?

Por Gabriela Arruada, no Impacto Ambiental

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, alerta para o problema da desertificação dos solos que, atualmente, torna improdutiva 50% das terras agrícolas no mundo todo. O tema suscitou uma reflexão sobre a apropriação de espaços tradicionais e a consequente exclusão de comunidades inteiras para uso mercadológico, conhecida, no Brasil, como Racismo Ambiental.

Quase 800 milhões de pessoas no mundo enfrentam subnutrição crônica ligada diretamente à degradação do solo, à redução da fertilidade das terras, à perda de biodiversidade, ao uso insustentável de recursos hídricos e à seca.

De acordo com o pronunciamento, feito no Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca, Ban Ki-moon disse que esse quadro tende a se agravar ainda mais. Estimativas revelam que pelos próximos 25 anos, a produção global de comida pode registrar queda de até 12%, provocando aumento de 30% no preço dos alimentos.

A desertificação já atinge cerca de 33% da superfície total dos continentes, com mais de 50% de terras agrícolas moderada ou severamente degradadas e 12 milhões de hectares de produção perdidos a cada ano.

No Brasil, estima-se que mais de 30 milhões de pessoas já sofram os efeitos da desertificação nas áreas mais suscetíveis, principalmente na porção semiárida do Nordeste, onde cerca de 1,1 milhão de quilômetros quadrados se encontram em estado vulnerável ao fenômeno.

Formação dos Solos

O geógrafo e professor André Guibur explica como é o processo de formação do solo e o porquê de sua degradação ser tão nociva ao meio ambiente e às populações. “O solo é formado pela decomposição natural das rochas e se diferencia delas por possuir vida microbiana. Ele forma a camada superficial da terra arável. Sua espessura, características físico-químicas e qualidades variam de acordo com a rocha matriz que lhe deu origem e das condições ambientais em que se formou, sobretudo as condições climáticas”.

O professor acrescenta que o solo é considerado um tipo de recurso natural renovável, que pode ser manejado de forma racional e seu uso pode se estender por tempo indefinido, apesar dos processos naturais de formação de novos solos serem bastante lentos.

O efeito da ação antrópica

Guibur diz que “o desmatamento, os resíduos industriais e a agropecuária intensiva são os principais responsáveis pelo problema, que já afeta aproximadamente metade dos solos cultiváveis do planeta”. A ação humana é um fator determinante para a perda de solos potencialmente produtivos.

A alteração química do solo é um fator que resulta na perda de fertilidade e pode ter diferentes causas. Em geral, ela está relacionada ao uso inadequado de produtos químicos na agricultura, os chamados agrotóxicos, e outros insumos destinados ao controle de pragas e ao aumento de produtividade.

“Um dos principais problemas que fazem o solo tornar-se improdutivo é a erosão acelerada (ou antrópica), que consiste no desgaste e no transporte de partículas de solo pela água (erosão hídrica) ou pelo vento (erosão eólica), intensificados pelo desmatamento”, explica o geólogo. Por fim, a compactação ou compressão do solo, causada pelo constante pisoteio de rebanhos ou pela contínua passagem de máquinas e veículos de grande porte, se junta ao grupo de fatores antrópicos responsáveis pela degradação dos solos.

Guibur reitera que “a manutenção da vegetação e o reflorestamento das áreas – preferencialmente com espécies nativas – constituem as medidas mais eficazes contra a erosão e, consequentemente, contra uma das formas de degradação”.

O povo Guarani Kaiowá vive na fronteira do Mato Grosso do Sul e Paraguai, em luta para manter suas terras e sua identidade desde o governo imperial. Foto: Reprodução /História Digital
O povo Guarani Kaiowá vive na fronteira do Mato Grosso do Sul e Paraguai, em luta para manter suas terras e sua identidade desde o governo imperial. Foto: Reprodução /História Digital

O capital, a apropriação de espaços tradicionais e o Racismo Ambiental

Tania Pacheco, doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense e coordenadora-executiva do site Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e Saúde no Brasil., se dedica ao estudo dos impactos de grandes empreendimentos econômicos sobre comunidades socialmente excluídas, adotando o termo Racismo Ambiental para se referir às injustiças sociais e ambientais praticadas contra grupos étnicos e outras comunidades, discriminadas por “raça”, origem ou cor.

Segundo Pacheco “é através do Racismo Ambiental que o capital atua a seu bel prazer junto aos integrantes dessas comunidades, muitas vezes usando-as, inclusive, como agentes de sua própria destruição.” Ela aponta o exemplo do povo Guarani Kaiowá, que viram suas terras serem ocupadas e cercadas por fazendas e plantações, muitas vezes sendo eles obrigados a desmatar suas próprias florestas e a trabalhar como peões semi-escravizados.

A historiadora atribui ao atual modelo de desenvolvimento mercadológico a principal causa deste problema, uma vez que, o capital ocupa um lugar central nos negócios, acima, inclusive, dos direitos humanos. “Em nome do ‘deus’ mercado, literalmente varrem-se essas comunidades dos mapas, substituindo elas e a natureza na qual e da qual vivem pelos desertos dos monocultivos (como a soja, o eucalipto e a cana) envenenados por agrotóxicos, por pastos intermináveis, por desastres minerários, dos quais a tragédia em Mariana é apenas um exemplo parcial, apesar da divulgação que teve”, afirma.

Os inúmeros relatos e históricos de injustiças que sofrem povos indígenas, quilombolas, integrantes de comunidades tradicionais variadas, como pescadores artesanais, ribeirinhos, geraizeiros (populações tradicionais que vivem nos cerrados no norte de Minas Gerais), entre outros, ilustram o Racismo Ambiental.

Nas cidades, o Racismo Ambiental ocorre nas comunidades negras das favelas e periferias, como explica a historiadora, destacando a política de gentrificação (fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local) que o governo do Rio de Janeiro vem desenvolvendo contra as comunidades urbanas, para a realização dos Jogos Olímpicos 2016. “Mais de 70 mil pessoas foram e estão, ainda, sendo deslocadas de seus espaços de vida, abrindo ainda mais a cidade para o vampirismo do capital imobiliário. E o escândalo das remoções desnecessárias e criminosas não merece espaço nos jornais nacionais, eles próprios porta-vozes de uma elite financeira que só se interessa de fato pelo lucro”.

Para Tania Pacheco “enquanto não encararmos tudo isso com honestidade e expulsarmos os preconceitos que perduram, convenientemente deturpados, segundo os interesses do ‘mercado’, será impossível erradicar das nossas vidas o racismo e outras injustiças, sociais e ambientais”, declara.

Favela da Rocinha em contraste com os edifícios de São Conrado no Rio de Janeiro. Foto: Alicia Nijdam /Flickr
Favela da Rocinha em contraste com os edifícios de São Conrado no Rio de Janeiro. Foto: Alicia Nijdam /Flickr

Foto: Antônio Cruz.

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