Cerimônia de abertura das Olimpíadas gera críticas nas redes sociais

“Um daqueles rapazes dançando ao lado de Regina Casé poderia ter sido o jovem [dançarino] DG que foi assassinado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro”

No Rio On Watch

O mundo assistiu na sexta a cerimônia de abertura das Olimpíadas Rio 2016 realizada no estádio do Maracanã. Fogos de artifício incríveis, fantasias coloridas e uma bossa nova suave encheram o ar. Aos olhos de muitas pessoas foi uma cerimônia espetacular. O presidente do Comitê Organizador do Rio 2016, Carlos Nuzman, um ex-atleta Olímpico, declarou que “o sonho Olímpico é agora uma realidade maravilhosa” e a “transformação prometida foi entregue”.

Porém, a história do Brasil é complicada e dolorosa, e muitos dos grupos historicamente marginalizados representados requintadamente no palco sentiram que a cerimônia maquiou a realidade “para inglês ver” como é típico por aqui, como foi descrito na semana passada em um artigo do New Republic intitulado “A Longa História do Brasil de Fingir Progresso“. A cerimônia de abertura, dirigida pelo diretor de Cidade de Deus, Fernando Meirelles, prestou homenagem a alguns desses temas, nomeadamente, a escravidão em massa de afro-brasileiros e a violência em relação aos povos indígenas, reconhecendo que não são partes “bonitas” da história do Brasil, como as belas paisagens e acultura diversificada. A Time Magazine chamou essa representação de “convincente”.

No caso das favelas do Rio, o tom declaradamente feliz foi visto por muitos como doloroso de se ver, mascarando a dor e o sofrimento profundamente enraizado que tais comunidades experienciam devido à estigmatização generalizada e negligência do setor público por quase 120 anos. Um exemplo particularmente pungente e atual foi o contraste entre o cenário colorido das caixas empilhadas, que foi uma indicação inconfundível das favelas do Rio, e o grande número de remoções pela cidade (77.000) devido à chegada das Olimpíadas. Qual é a mensagem aqui? Algo como: “as favelas são boas desde que nós possamos retratá-las artisticamente e nos apropriar de sua estética e cultura, mas nós não as valorizamos o suficiente para melhorá-las e proteger sua cultura na vida real“. Isso é certamente o que nós temos visto na desastrosa implementação de políticas públicas potencialmente benéficas como o Morar Carioca e as UPPs nos últimos anos.

A tentativa de reconciliar e reconhecer os problemas sistêmicos que existem no Brasil se estendeu por toda a cerimônia. Antes do show até mesmo começar, uma sátira foi cortada porque sua mensagem foi considerada inaceitável. Conforme relatado pela Folha de São Paulo, a supermodelo Gisele Bundchen originalmente deveria ser “roubada” por um jovem negro enquanto caminhava ao som de “Garota de Ipanema”. Com o intuito de reconhecer as dificuldades que o Rio e o Brasil enfrentam hoje, a mera consideração dessa sátira é uma prova do quão desconectados os produtores da cerimônia parecem estar em relação aos seus próprios pressupostos, bem como o potencial  impacto mundial que tal exibição pública de preconceito poderia ter.

Moradores de favelas do Rio e outros comentaristas foram às redes sociais durante e após a cerimônia para expressar sua insatisfação com o retrato de sua cidade e seu país.

“Um daqueles rapazes dançando ao lado de Regina Casé poderia ter sido o jovem [dançarino] DG que foi assassinado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro. Pensar que tudo é festa e só falar das histórias bonitas de superação na favela é uma grande hipocrisia. Ontem na Cidade Olímpica aqui na Cidade de Deus um carro foi baleado por uma metralhadora. Desculpa, mas eu não estou no ‘Espírito Olímpico’”, escreveu Wagner Novais, cineasta e morador da Cidade de Deus.

Outros moradores criticaram a cerimônia por mostrar apenas as partes da história brasileira que seriam agradáveis para os estrangeiros verem.

“Parintins e os índios numa Amazônia sem conflitos. Os negros só escravos mas cadê a cultura negra? Cadê o candomblé? E cadê os pobres? Funk, passinho e pagode estilizados e plastificados. A cidade urbana estetizada em módulos móveis (incrível efeito!). Ecologia piedosa e para gringo ver… Estranhamente lindo, absolutamente competente, mas sem alma, sem conflito e sem verdade! Nesse sentido, Brasil deu uma aula de construção de marca publicitária!”, disse Ivana Bentes, uma pesquisadora de comunicação e professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Léo Custodio, pesquisador de Magé na Baixada Fluminense, ofereceu sugestões de como a cerimônia de abertura poderia ter sido uma representação mais realista da história brasileira:

  • Na chegada das caravelas portuguesas, que os índios se jogassem ao chão simbolizando o genocídio dos povos indígenas.
  • Atores com chicotes batendo nos escravos. Que o rastro deixado pelos negros fosse vermelho, não branco.
  • Um dançarino caindo de um prédio ao final da construção da cidade pra simbolizar o descaso com os trabalhadores pobres (e fazer jus à letra de Chico Buarque).
  • O baile da favela encerrando com o corpo de um dos dançarinos de passinho caído no chão entre um ator representando o tráfico e outro representando a PM. Ambos com fuzil. O fuzil do PM sendo branco pra representar a pacificação.
  • Antes da entrada dos atletas, eu sugeriria adicionar uma cena onde tratores derrubassem casas pobres para abrir o caminho por onde as delegações passassem.
  • Na “pira do povo”, ao invés dos fogos na Candelária, a igreja poderia ser iluminada em vermelho simbolizando todos os meninos–como aquele que acendeu a pira–que a cidade escondeu e matou no processo de preparação para os megaeventos.

A cerimônia incluiu uma cena de batalha onde grupos em diferentes trajes coloridos disputavam o poder, representando as muitas diferentes lutas no Brasil devido ao racismo, a colonização, o imperialismo e o status socioeconômico. Na cerimônia foi dada a impressão de que tudo isso foi resolvido por um agente da paz que interveio para unificar os grupos através da dança. Para aqueles que assistiam à cerimônia de abertura a partir das favelas, essa solução simples e ilusão simplista de união fez pouco caso dos problemas e deixou muitos frustrados com o sabor de baunilha da abertura que deixou de fora as realidades que existem por séculos, inalteradas, agora exacerbadas e aromatizadas pelas Olimpíadas.

“Que bela cerimônia e o ‘sol Olímpico’ também. Tudo estava muito bonito, sinceramente. Mas não vale a remoção de uma única casa“, escreveu Thiago Diniz, fotógrafo e produtor cultural dos coletivos da Zona Norte, Norte Comum e Imagens do Povo.

 

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