No Cimi
As informações davam conta de que a bancada ruralista confabulava, com o início do mandato de Rodrigo Maia (DEM) na presidência da Câmara Federal, pela votação entre os parlamentares da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215. Poderia ocorrer essa semana, e até mesmo no Dia Internacional dos Povos Indígenas, passado no último dia 9 e lembrado pelo Papa Francisco como um dia de defesa dos direitos indígenas. A resposta aos ruralistas foi imediata. Mobilizações país afora demonstraram o poder que a PEC 215 possui de unir os povos indígenas em um objetivo comum: a defesa do território tradicional.
O resultado foi um acordo travado pela delegação de lideranças indígenas que durante esta semana ocupou dependerias da Câmara Federal e o presidente Rodrigo Maia. O deputado prometeu que não colocará a PEC 215 em votação, ao menos até fevereiro de 2017, e não irá prorrogar os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga as demarcações de terras indígenas e quilombolas feitas pela Funai e pelo Incra. A única postura truculenta contra os protestos ocorreu no Amazonas: o povo Mura bloqueou um trecho da AM-254 que liga o município de Autazes a Manaus. Sem esperar o termino das negociações, a Polícia Militar desocupou a via à força.
Todavia, mais uma batalha vencida numa guerra iniciada em 2011 na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, ano em que os ruralistas afirmaram terem vencido os sem terras com o novo Código Florestal e dali por diante enfrentariam os indígenas e quilombolas com a PEC 215. Em contrapartida, os povos indígenas têm denunciado as violações dos direitos indígenas e as violências realizadas pelo agronegócio no plano internacional. “Na prática nós já enfrentamos a paralisação das demarcações há alguns anos. Sem a PEC 215 já está ruim, imagine com ela. A Funai está sucateada, e a CPI da Funai/Incra ainda tenta desfazer o pouco que o órgão fez”, Oziel Jacinto Kaingang, da Aldeia Nova, município de Iraí, Rio Grande do Sul.
Aldeia Nova, Iraí, Rio dos Índios e Rio da Várzea foram as terras indígenas que bloquearam durante esta quarta-feira, 10, trecho da BR-386, entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O trancamento teve início às 8 horas. Ao meio-dia, o trecho foi aberto e novamente fechado às 14 horas; pouco depois das 16 horas os cerca de 600 Kaingang deixaram o local. “Não protestamos apenas contra a PEC 215 e a CPI da Funai/Incra, mas também pelas demarcações. A principal nossa aqui da região é Rio dos Índios, em Vicente Dutra, que está com portaria declamatória desde 2005 e agora em processos e autodemarcação”, explica Oziel Kaingang.
A liderança explica que no Sul do país é comum encontrar aldeias com dezenas de famílias vivendo em pouquíssimos hectares e com reivindicações territoriais paralisadas. Em Rio dos Índios, por exemplo, mais de 100 famílias Kaingang viviam em menos de 2 hectares a autodemarcação, iniciada no final do último mês de julho. “Em Aldeia Nova somos 30 famílias e vivíamos em poucos hectares, mas agora estamos em 48 de uma demanda total de 2.600”, diz Oziel. Os Kaingang de Aldeia Nova conseguiram os 48 hectares porque a Universidade Federal de Santa Maria liberou a área, que pertencia ao antigo Instituto Agrícola, reconhecimento a ocupação tradicional dos Kaingang.
Se todas as terras indígenas do Rio Grande do Sul fossem demarcadas, aponta o coordenador do Cimi Regional Sul, Roberto Liebgott, ocupariam cerca de 0,5% do território total do estado. No Rio Grande do Sul, de acordo com dados do Setor de Documentação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), das 89 terras indígenas ocupadas ou reivindicadas pelos povos do estado 24 encontram-se sem quaisquer providências administrativas de demarcação pela Funai. Outras 22 estão com o procedimento de identificação em andamento e 15 estão registradas no Departamento de Patrimônio da União (DPU), ou seja, com a homologação concluída. Um passivo que leva aldeias inteiras à sobrevivência às margens de rodovias e no caso de outras 10 terras indígenas reservadas – com pouquíssimos hectares garantidos pelo Estado – como compensações ao túmulo de asfalto posto sobre vastos territórios perdidos pelos povos sem qualquer tipo de consulta.
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Tupinambá mobilizados contra a PEC 215 e a CPI da Funai/Incra
Cerca de 600 representantes das aldeias Tupinambá de Olivença se manifestaram em diversos pontos do município de Ilhéus, no sul da Bahia. Iniciaram com a caminhada de protesto na praia do Maramata e encerraram as atividades em frente à Catedral de São Sebastião de Ilhéus. A primeira parada se deu na ponte Lomanto Júnior (ponte do Pontal), que liga o centro da cidade à zona sul.
Em seguida os indígenas fizeram outro momento de manifestação na Praça Cairu, no centro de Ilhéus, ocupando toda a praça com manifestações ritualísticas. Na sequência percorreram todo centro comercial da cidade, chamando a atenção da população e distribuindo panfletos explicando a ação. Ficaram por cerca de uma hora em frente ao Palácio Paranaguá, onde em rituais e falas mostraram as razões do protesto. “A manifestação de hoje é pedindo, sobretudo, para a sociedade regional que nos apoie na nossa justa e digna luta pela garantia de nossa cidadania e nossos projetos de vida, que se resume à reconquista e garantia de nosso território, nada mais que um direito garantido pela Constituição Federal. Aproveitamos também para denunciar os ataques que as comunidades indígenas em todo o Brasil vêm sofrendo, por parte dos ruralistas e até mesmo do governo brasileiro”, explicou o cacique Ramon Ytajiba.
Os caciques Gildo e Valdenilson Tupinambá denunciaram uma série de violências cometidas contra as comunidades indígenas: “Destacamos e pedimos o imediato arquivamento da PEC 215, a imediata suspensão da CPI da Funai/Incra, que é uma armadilha para retirar ainda mais nossos direitos”. O cacique Sival Magalhães pede ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) não aceite a compreensão de alguns ministros sobre o Marco Temporal.
A cacica Jamapoty falou sobre o equivocado parecer do Mandado de Segurança imposto ao território Tupinambá de Olivença pelo desembargador Napoleão Maia do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O embargo impede o Ministério da Justiça de publicar a portaria declaratória da terra indígena. As lideranças chamaram a atenção da população sobre o PL 4059, que abre ainda mais as portas para o capital estrangeiro na aquisição de terras. “Não só nas terras indígenas, mas em todas as terras, é a porta aberta para mais invasões. Estamos alertando para algo grave não só para os povos indígenas, mas para toda a sociedade brasileira”, destacou Jamapoty.
Presentes em todas as mobilizações Tupinambá, os jovens também demonstraram seus interesses na mobilização. “Neste Dia Internacional dos Povos Indígenas, em todo o Brasil, mais do que simplesmente comemorar a ocasião de uma data e prestar homenagens simbólicas, estamos convocando a população a apoiar a nossa agenda de lutas e reivindicações para garantir que os índios do Brasil e do mundo não tenham os seus direitos básicos violentados e continuem sendo usurpados pelos nossos inimigos históricos”, declarou a jovem Juliana Tupinambá.
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Como se diz Fora Temer! em Macuxi?: V Marcha dos Povos Indígenas de Roraima
Em Roraima os povos indígenas se mobilizaram na capital Boa Vista. O movimento indígena de Roraima realizou a V Marcha dos Povos Indígenas de Roraima em alusão ao Dia Internacional dos Povos Indígenas. A Marcha iniciou pela manhã, na Praça do Centro Cívico e percorreu as principais vias da cidade. A Marcha reuniu aproximadamente 500 pessoas, entre indígenas das aldeias, indígenas na cidade, representantes das organizações indígenas, dos movimentos sociais e demais entidades parceiras do movimento indígena.
Pela manhã, houve a abertura tradicional e em seguida a entrega da Carta da Marcha (leia abaixo) no Palácio do Governo e Secretaria Estadual de Educação. À tarde, o movimento recebeu representantes de instituições públicas, como a Distrito Sanitário Especial Indígena do Leste de Roraima (DSEI-Leste), Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y), Ministério Público Estadual (MPE) e Ministério Público Federal(MPF).
O protesto foi contra a PEC 215, CPI da Funai/Incra e pelas demarcações das terras indígenas, além de sua proteção pelo Estado Nacional, teve ainda os indígenas pedindo Fora Temer! na língua Macuxi. Apesar do Norte ser a região do país com mais terras indígenas demarcadas, os povos são constantemente acossados por madeireiros, grileiros, caçadores, grandes empreendimentos estatais e expansão das fronteiras agropecuárias.
A partir das 15h, o movimento indígena participou da Audiência Pública na Assembleia Legislativa do Estado de Roraima e após, como forma de apoio e fortalecimento do único órgão indigenista, o encerramento ocorreu na sede da Fundação Nacional do Índio (Funai/RR).
Confira a Carta da V Marcha dos Povos Indígenas de Roraima, assinada pelas organizações indígenas participantes do movimento.
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V MARCHA DOS POVOS INDÍGENAS DE RORAIMA PELO DIA INTERNACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS
“Direitos Socioculturais Sem Corrupção”
Os Povos Indígenas de Roraima e suas organizações indígenas, com apoio e solidariedade do Movimento Social em Roraima, em reafirmação dos direitos dos Povos Indígenas e considerando a situação de vulnerabilidade e instabilidade dos direitos humanos dos povos indígenas, vimos nesta data de 09 de Agosto de 2016, considerado Dia Internacional dos Povos Indígenas, reivindicar a atenção e medidas necessárias das autoridades públicas para as seguintes situações:
1. Afirmamos que a terra é o centro de nossos direitos. A partir da garantia de nossos territórios poderemos exercer nossos direitos socioculturais. Porém Povos Indígenas sempre são excluídos da lista de prioridades no planejamento governamental. Saúde, Educação, Justiça, Alimentação, Vida, Segurança e demais direitos são fundamentais e indispensáveis para ter um mínimo de dignidade e igualdade;
2. Queremos rechaçar a insistência de projetos anti-indígenas como a PEC 215. Não à PEC 215 porque é inconstitucional e visa o interesse individual, econômico e politiqueiro;
3. Saúde e Educação, sem nenhuma discriminação – A crise sobre a saúde e educação ameaçam a organização social, usos e costumes indígenas. A situação da Educação escolar indígena é precária. Há 1 ano atrás foi aprovado o Plano Estadual de Educação com garantias importantes para a educação escolar indígena. O Estado de Roraima se comprometeu atender demandas urgentes e necessárias para as comunidades indígenas, mas não foram cumpridas totalmente. Queremos efetividade e seriedade aos direitos.
4. A saúde indígena é uma especialidade é assim deveria ser considerada pelo Governo Federal que insiste em manter com a esfera estadual colapsada o atendimento de média e alta complexidade dos indígenas. Nos últimos dez anos aumentaram muitas vezes de forma diretamente proporcional os gastos com a saúde e a piora da atenção aos indígenas. A saúde indígena vem sendo desmontada ano a ano e a influência crescente política nos órgãos gestores beneficia somente as empresas prestadoras de serviços que comprometida com essa máfia política levam a maior parte do bolo orçamentário. Formar médicos e outros profissionais indígenas, equipar melhor os distritos sanitários especiais indígenas e fomentar a estruturação de serviços especializados para atendimento que respeite as culturas dos povos indígenas são algumas soluções para diminuir um pouco a desigualdade e minimizar a mortalidade precoce que enfraquece os povos indígenas. Da mesma forma, somos contra a intenção do governo Temer de fazer novamente a municipalização da saúde indígena.
5. Os programas e serviços sociais devem ser desenvolvidos em cooperação com os Povos Indígenas. O governo deve criar linhas específicas de apoio às atividades econômicas sustentáveis dos povos indígenas, apoio à implementação dos planos de gestão territorial e ambiental das terras indígenas já construídos pelas comunidades indígenas e não implantar projetos de qualquer jeito;
6. Justiça e proteção aos direitos humanos como salvaguardas essenciais – A impunidade dos crimes cometidos contra os povos indígenas contribui para novas práticas de crimes e abusos. Queremos uma defensoria pública especializada para atender os povos indígenas e ver a legislação indigenista ser aplicada no judiciário;
7. Manifestamos nossa preocupação ao tratamento dado ao único Órgão Indigenista Federal – Funai. Apoiamos o fortalecimento institucional da FUNAI e somos contra os cortes orçamentários, redução do já precário quadro de servidores; e a supressão da FUNAI da estrutura administrativa do Ministério da Justiça.
8. Que o Estado Brasileiro não negocie os direitos indígenas por acordos políticos e favorecidas ao agronegócio. E as demarcações das terras indígenas devem ser priorizadas e concluídas para garantir a vida dos povos indígenas.
Abaixo assinamos
Boa Vista-RR, 09 de agosto de 2016.
Conselho Indígena de Roraima – CIR, Conselho do Povo Indígena Ingarikó – COPING, Hutukara Associação Yanomami – HAY, Associação dos Povos Indígenas da Terra São Marcos – APITSM, Associação dos Povos Indígenas de Roraima – APIRR, Associação dos Povos Indígenas Wai-Wai – APIW, Associação do Povo Ye’kuana do Brasil – APYB, Organização das Mulheres Indígenas de Roraima – OMIR, Organização dos Professores Indígenas de Roraima – OPIR, Organização dos Índios na Cidade – ODIC, TWM.