Olimpíadas Rio 2016: várias questões não foram respondidas. Entrevista especial com Orlando Alves dos Santos Junior

“É preciso desconstruir a própria ideia de legado; as cidades precisam de justiça social, de democracia, de integração social, e não de exclusão social”, afirma o sociólogo

Patricia Fachin – IHU On-Line

A crítica de que os Jogos Olímpicos se transformaram em “um grande negócio” tem sido recorrente entre muitos especialistas que analisam os impactos financeiros e sociais que esse tipo de evento tem causado às cidades-sedes. Mas o que é mais “grave”, diz Orlando Alves dos Santos Junior à IHU On-Line, é perceber que há “uma opção por parte do governo municipal em subordinar o desenvolvimento urbano à lógica da acumulação urbana. Ou seja, é possível perceber uma subordinação do financiamento para o desenvolvimento urbano a essa lógica de valorização imobiliária”. 

Segundo ele, há uma série de questões não respondidas quando se trata de analisar o modo como os jogos são organizados, entre elas, “por que esses megaeventos precisam ser realizados em uma única cidade. Por que eles não são realizados em diversas cidades de forma a minimizar o impacto sobre as cidades?” Além disso, frisa, os projetos de reurbanização e de mobilidade das cidades-sedes também precisam ser explicados, porque no caso do Rio de Janeiro, “como se pensa em investimentos em mobilidade desconsiderando o fato de o Rio ser polo da segunda maior metrópole do Brasil? Sem pensar o leste metropolitano – Niterói, São Gonçalo e Baixada Fluminense? Então, há muitos problemas nos investimentos que foram realizados e nas opções que foram feitas que poderiam ter sido diferentes se tivesse havido um processo de participação democrático e transparente envolvendo os investimentos que foram realizados”.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, Santos Junior afirma que os recursos financeiros envolvidos na realização do evento são oriundos de grandes companhias, empreiteiras e corporações que, “mesmo com sede nacional, hoje não podem mais ser chamadas de empresas nacionais, no sentido de que seu capital não tem pátria” e são o “principal instrumento de financeirização”.

A contraposição a esse modelo, defende, consiste em afirmar que “as cidades são das pessoas e não dos negócios. Não se pode, em nome da Olimpíada, impactar a vida das pessoas, o futuro da cidade. Isso é muito grave e por isso é preciso repensar esse modelo de megaeventos”.

Orlando Alves dos Santos Junior possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense – UFF, mestrado e doutorado em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Atualmente é professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – IPPUR da UFRJ e pesquisador da Rede Observatório das Metrópoles. É autor e organizador de mais de dez livros, dentre os quais citamos As Metrópoles e a Questão Social Brasileira (São Paulo: Revan, 2007).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O dossiê “O que está em jogo nesses jogos? Olimpíadas 2016 e a mercantilização da cidade do Rio de Janeiro” mostra que megaeventos esportivos foram transformados em um novo tipo de negócio no âmbito da globalização e que é caracterizado pela atração de fluxos financeiros, reestruturação de circuitos de circulação e de acumulação local. Quais são os exemplos de como isso aconteceu no Rio em preparação para as Olimpíadas?

Orlando Alves dos Santos Junior – Basta ver as obras realizadas para constatar que, na verdade, os megaeventos têm se transformado em um processo de mobilização de recursos para serem aplicados na reestruturação urbana das cidades, e isso envolve a mobilização de recursos financeiros. Portanto, é óbvio que esse processo está vinculado fortemente à mobilização de recursos financeiros que viabilizam o processo de transformação urbana das cidades, o que não seria possível no Rio de Janeiro se não houvesse um sistema de catalisação e mobilização de recursos financeiros para viabilizar as obras previstas.

Uma das questões que se faz é por que esses megaeventos precisam ser realizados em uma única cidade. Por que eles não são realizados em diversas cidades de forma a minimizar o impacto sobre as cidades? Porque ele é feito e utilizado para o inverso: para mobilizar recursos financeiros que permitam a transformação urbana das cidades. Ou seja, trata-se de um processo que tenta responder às necessidades do próprio sistema em, permanentemente, estar promovendo a destruição criativa de cidades, encontrando uma aplicação financeira favorável e uma mobilização de recursos lucrativa para o capital, que está sempre em busca de realizar a sua lucratividade. Então, os megaeventos se transformaram em um grande negócio, nessa perspectiva de que o capital está sempre em busca de locais que possam se transformar em uma oportunidade de investimento para um capital financeiro.

IHU On-Line – Quais são os principais grupos que atuam nas Olimpíadas tendo em vista essa perspectiva de acumulação financeira?  

Orlando Alves dos Santos Junior – Em primeiro lugar, estamos falando de grandes companhias, empreiteiras e corporações que, mesmo com sede nacional, hoje não podem mais ser chamadas de empresas nacionais, no sentido de que seu capital não tem pátria. Então, se percebe o envolvimento e o engajamento dos patrocinadores vinculados ao Comitê Olímpico Internacional – COI, pois todos são empresas transnacionais — Coca-Cola, McDonald’s e empresas de materiais esportivos.

Além disso, grandes corporações estão envolvidas nas obras e intervenções urbanas e de transformação da cidade — Odebrecht e meia dúzia de grandes corporações estão envolvidas em quase todas as obras que estão sendo realizadas no Rio de Janeiro e também nas Parcerias Público-Privadas – PPPs. Portanto, não se está falando de um capital nacional, mas de um capital que não tem pátria nem fronteiras e, obviamente, o sistema financeiro opera junto com essas empresas.

IHU On-Line – Outro ponto da sua pesquisa são as Parcerias Público-Privadas para a realização das Olimpíadas. Como se deu essa parceria no Rio de Janeiro? Muitos dizem que tem sido difícil encontrar informações sobre o valor gasto e sobre as parcerias. Que informações o senhor tem?

Orlando Alves dos Santos Junior – Em nossas análises, está evidente que a Parceria Público-Privada distribui os ônus de forma desigual, em que o poder público assume muito mais os riscos do que a iniciativa privada. Diferentemente do que o governo municipal tem divulgado, essas parcerias envolvem contrapartidas e cláusulas que garantem a segurança dos negócios para a iniciativa privada.

Durante a Copa do Mundo, vários estádios de futebol foram reformados e sua gestão foi repassada para a iniciativa privada, e o mesmo aconteceu com os aeroportos. No caso do Rio de Janeiro, esse processo de Parcerias Público-Privadas não se restringiu ao aeroporto Tom Jobim nem ao estádio do Maracanã, mas envolveu a renovação urbana de certas áreas da cidade, como é o caso do Porto Maravilha e do Parque Olímpico. Além disso, também envolveu o repasse da prestação de serviços urbanos como o VLT [Veículo Leve sobre Trilhos] e o BRT [Bus Rapid Transit].

Subordinação da gestão pública aos interesses privados

Em todos os casos, diferentemente do que o poder público divulga, do que a prefeitura municipal do Rio de Janeiro divulga, nós temos contrapartidas que não são divulgadas, como cláusulas que garantem a segurança dos negócios para o setor privado e a distribuição dos riscos de forma desigual, com o poder público assumindo os maiores riscos desses negócios. Por exemplo, no caso do Porto Maravilha, apesar de os Certificados de Potencial Adicional de Construção – Cepac terem sido comprados pelo FGTS — recursos, portanto, públicos —, há uma cláusula que exige a transferência de terrenos que eram públicos para o setor privado como contrapartida dos repasses do FGTS para a operação urbana do Porto Maravilha. Ou seja, a compra do Cepac pelo FGTS também exigiu que houvesse a criação de um mercado para o próprio Cepac, através da transferência desses terrenos públicos para o setor privado.

No caso do VLT, existe no contrato uma cláusula que garante que se o número de passageiros não for suficiente para cobrir os custos de operação do VLT, o poder público cobrirá essa diferença. No caso do Parque Olímpico, tem o repasse do terreno onde foi construído o Parque Olímpico para o setor privado, de forma a viabilizar o empreendimento imobiliário voltado para as classes média e alta.

Então, é isso que estamos tentando mostrar: que, na verdade, há uma subordinação na gestão de serviços e espaços públicos à lógica do mercado. As PPPs, diferentemente do que se divulga, não representam uma distribuição igualitária dos riscos, nem uma vantagem para o poder público, muito pelo contrário, elas representam um risco à ampliação das desigualdades socioespaciais que já existem na cidade do Rio de Janeiro.

IHU On-Line – O senhor também afirma que há um fenômeno de “gentrificação como estratégia de neoliberalização das cidades brasileiras”. Como tem acontecido esse fenômeno no Rio de Janeiro? 

Orlando Alves dos Santos Junior – A gentrificação está vinculada exatamente a esse processo de transformação de determinadas áreas da cidade em mercadoria. Ou seja, a transformação de determinados espaços da cidade em oportunidade para o setor privado e para o mercado imobiliário. Então, nesse processo de renovação urbana da área portuária, existe a gentrificação de certas áreas, que estão recebendo investimentos e que estão sendo abertas como oportunidades para os investimentos do mercado imobiliário de alta renda, do mercado imobiliário voltado para as corporações e do mercado imobiliário voltado para residência das classes média e alta.

O caso da Vila Autódromo é o mais escandaloso, onde houve a remoção de quase toda a comunidade da Vila. Além disso, houve a remoção de outras tantas comunidades na Barra da Tijuca, como Vila Recreio e Vila Harmonia. Ou seja, essas áreas são objeto da intervenção do poder público, que são subordinadas à lógica do mercado e à lógica da acumulação urbana, e estão sofrendo processos de elitização e gentrificação.

O que é grave é que se percebe uma opção por parte do governo municipal em subordinar o desenvolvimento urbano à lógica da acumulação urbana. Ou seja, é possível perceber uma subordinação do financiamento para o desenvolvimento urbano a essa lógica de valorização imobiliária.

IHU On-Line – Onde foram alocados os moradores removidos? Há desenvolvimento nesses “novos bairros”?  

Orlando Alves dos Santos Junior – Claro que esse processo envolveu muitos conflitos, então essa resposta é complexa porque não tem um movimento unidirecional. Mas, se levantarmos os dados sobre os maiores conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida destinados às famílias de baixa renda, a maior parte deles está situada na periferia do Rio de Janeiro. Só no final do processo de preparação da cidade para as Olimpíadas é que foram construídos os conjuntos habitacionais em Triagem, que é uma região semiperiférica. Mas é possível perceber que a maior parte dos conjuntos é construída na periferia da Zona Oeste.

IHU On-Line – A que o senhor atribui o estado de calamidade pública do Rio de Janeiro, declarado pelo governador do Estado, Francisco Dornelles? Essa situação está diretamente relacionada com a gestão dos megaeventos?

Orlando Alves dos Santos Junior – Essa declaração foi um artifício para garantir os recursos para a Olimpíada, para o metrô da linha quatro. O que acontece é o seguinte: o Brasil vive uma crise econômica e essa crise não poderia atingir as Olimpíadas, em razão dos grandes interesses econômicos que estão envolvidos nesse megaevento, mas se percebia que a situação econômica do estado atingia os setores de saúde, educação e funcionalismo – os aposentados. E, no meio dessa crise, como garantir o cumprimento dos acordos firmados pelo governo do Rio com a Olimpíada? Decretando o estado de calamidade pública, e aí se fez um acordo para que o governo federal garantisse os recursos necessários para a conclusão da linha quatro.

Com isso é possível perceber claramente que essa medida foi um artifício para que fossem honrados os compromissos vinculados à Olimpíada. Não se trata, portanto, de um instrumento que estava visando à garantia da melhoria da saúde, da educação e do funcionalismo. No caso do governo municipal, essa crise também é sentida nos programas sociais, que serão fortemente atingidos pela crise econômica. Encerrou-se o Programa Morar Carioca, de urbanização de favelas, que sumiu do legado olímpico — o governo prometia a urbanização de todas as favelas até 2020.

É possível perceber que os compromissos com os grandes interesses econômicos e com os grandes capitais serão mantidos à custa dos programas sociais, porque eles vão sofrer os efeitos da crise econômica. Além disso, já se pode prever uma “ressaca”, um quadro muito mais grave no próximo ano, quando os contratos de empréstimos assinados pelo governo municipal terão amortizações muito superiores. A partir de 2017 está previsto um aumento nas amortizações pagas pelo governo municipal, e isso deve agravar ainda mais a saúde financeira do município do Rio de Janeiro.

IHU On-Line – Dada a situação financeira do Estado do Rio, muitas notícias têm relatado o descaso de parte da população com os Jogos Olímpicos. Que reações o senhor tem visto? As pessoas têm consciência dessa reestruturação da cidade?

Orlando Alves dos Santos Junior – É muito difícil falar da população em geral, pois ela é muito heterogênea e diversa. Mas o que se percebe é uma insatisfação, e diria que esse é o sentimento que marca a população do Rio de Janeiro em relação à preparação da cidade para os Jogos Olímpicos. O fato de a população estar curtindo a Olimpíada e de estar recepcionando os turistas não se confunde com a insatisfação com os investimentos que estão sendo realizados. Não é à toa que algumas pesquisas revelam que a maior parte dos moradores do Rio de Janeiro está insatisfeita com a Olimpíada e não a apoia.

Então, há um quadro de insatisfação que, a meu ver, não é contraditório com a cultura da alegria e do esporte, que também vigora e existe no Rio de Janeiro. Certamente, a ressaca será no dia seguinte, quando os Jogos passarem e esse projeto de cidade prosseguirá. Os efeitos dessa cidade mais desigual serão sentidos e isso afetará o cotidiano da população que vive no Rio de Janeiro.

IHU On-Line – Que tipo de investimento poderia ter sido feito no Rio de Janeiro?

Orlando Alves dos Santos Junior – O financiamento deveria ter sido feito pelo setor público e não pelo setor privado. O que se deve discutir é o processo pelo qual esses investimentos são decididos. Portanto, é preciso democratizar o processo decisório. Em primeiro lugar, nenhuma cidade deve receber Olimpíadas ou Copa do Mundo sem que haja um referendo no qual a população diga se quer ou não; em segundo lugar, os investimentos que serão realizados deveriam ser objetos de uma discussão democrática, transparente com a população, e isso não foi feito; além disso, aquilo que é chamado de “legado” deveria ter sido discutido com a população.

Por exemplo, os sistemas de mobilidade que foram construídos são sistemas prioritários? Como se pensa em investimentos em mobilidade desconsiderando o fato de o Rio de Janeiro ser polo da segunda maior metrópole do Brasil? Sem pensar o leste metropolitano — Niterói, São Gonçalo e Baixada Fluminense? Então, há muitos problemas nos investimentos que foram realizados e nas opções que foram feitas que poderiam ter sido diferentes se tivesse havido um processo de participação democrático e transparente envolvendo os investimentos que foram realizados. Esse modelo de megaeventos precisa ser repensado. Por que todas as modalidades esportivas têm que ser realizadas na cidade do Rio de Janeiro? Poderia ter sido planejado outro sistema ou processo no qual as modalidades pudessem ter sido realizadas na Argentina, no Uruguai, em São Paulo, no Nordeste, no Norte, no Centro-Oeste, trazendo menos impactos para as cidades onde foram realizadas.

Essas reformas, essa renovação urbana e esse projeto urbano que é legitimado pelos megaeventos é o que parece ser o principal instrumento de financeirização. A questão da financeirização também precisa ser dita de outra maneira, porque, mesmo quando o recurso é público, é impossível não estabelecer uma conexão entre os circuitos financeiros, pois certamente a dívida pública é financiada, de alguma maneira, pelo circuito financeiro, na medida em que envolve títulos da dívida pública que são negociados no mercado. Com isso se subordina a cidade a esses interesses e é nesse ponto que os megaeventos se tornam um grande negócio. A contraposição a isso é dizer: as cidades são das pessoas e não dos negócios. Não se pode, em nome da Olimpíada, impactar a vida das pessoas, o futuro da cidade. Isso é muito grave e por isso é preciso repensar esse modelo de megaeventos.

IHU On-Line – Qual é o (não) legado das Olimpíadas para o Rio de Janeiro?

Orlando Alves dos Santos Junior –Primeiro, não é correto trabalhar com a ideia de legado, porque legado é uma palavra mágica que serve para legitimar o que está acontecendo no Rio de Janeiro e o que acontece nas cidades que recebem megaeventos. Ao contrário da ideia de um legado, é preciso discutir os impactos que os megaeventos trazem para as cidades – para mim esse é o ponto central. É preciso desconstruir a própria ideia de legado; as cidades precisam de justiça social, de democracia, de integração social, e não de exclusão social. Então, em nome de um suposto legado se justificam as atrocidades e violações de direitos humanos que estão sendo promovidas; no caso do Rio de Janeiro, esse é o ponto central.

Nós estamos realizando a Olimpíada – a imprensa não fala nisso – com o Estádio Célio de Barros fechado, o qual era um estádio fundamental, que recebia população de baixa renda, que era o único estádio do Rio de Janeiro de alto rendimento, um estádio localizado numa área central da cidade. Simbolicamente isso é muito grave, porque estamos realizando a Olimpíada com um dos principais estádios de atletismo fechado. Além disso, estamos realizando a Olimpíada mantendo o estádio de remo praticamente privatizado. Ou seja, há uma lógica que nem sob o ponto de vista do esporte existe a democratização, e o esporte na Olimpíada é novamente tratado mais como negócio do que como uma prática de integração social.

IHU On-Line – Em que consiste o Projeto Prata Preta, cujo objetivo é realizar um levantamento de todos os cortiços na região portuária da cidade? De que modo essa pesquisa pretende contribuir para a discussão sobre moradia?  

Orlando Alves dos Santos Junior – A pesquisa já está em andamento. É um projeto que busca visibilizar a existência de cortiços na área central do Rio de Janeiro, porque a operação urbana do Porto Maravilha não previa nenhum investimento em habitação de interesse social. Em 2015, o governo elaborou um plano de habitação de interesse social, que até agora não saiu do papel. Esse projeto é uma exigência do Ministério das Cidades e resultado da pressão do movimento popular. Mas esse plano não reconhece a existência de cortiços na área portuária. Inclusive, a palavra cortiço só aparece uma vez no projeto, em função de um imóvel que é tombado — e é um cortiço —, mas os cortiços são invisibilizados nesse plano, embora todo mundo saiba que a região central abriga diversos cortiços, apesar de o Rio de Janeiro não ter nenhuma legislação específica para cortiços.

Então, com base no conhecimento e na ideia de que a região central é uma região muito atravessada por muitos cortiços, nós, junto com a Central de Movimentos Populares, decidimos fazer uma pesquisa sobre cortiços. Através do estudo nos deparamos com a ausência completa de informações oficiais sobre os cortiços e por isso decidimos caminhar em outro rumo, tentando identificá-los.

A pesquisa tem um duplo objetivo: traçar um perfil dos cortiços e traçar um perfil dos moradores de cortiço. Identificamos 54 cortiços na área portuária — área da operação urbana Porto Maravilha —, uma população que pode ser estimada em mais de 1.100 pessoas e uma heterogeneidade muito grande, pois existem famílias com crianças morando em cortiços — mais ou menos 20% desse universo é composto por famílias —, mas também existem idosos e pessoas que estão em um processo de construção de sua vida profissional, como muitos nordestinos, africanos e latino-americanos.

Há uma situação muito heterogênea e por isso não é fácil sintetizar o perfil dos moradores, mas a pesquisa revela que uma parte desses moradores precisa de uma habitação de interesse social, uma habitação digna, que não é respondida pelo cortiço. Ou seja, essas famílias com crianças deveriam entrar no déficit habitacional e, portanto, deveria existir uma política para abrigar essas pessoas na área central, em habitações de interesse social. Mas outra parte dessa população demanda habitações simples na área central, onde o cortiço poderia ser, sim, uma solução, desde que houvesse uma legislação que garantisse reformas nos cortiços para que eles, efetivamente, se constituíssem em espaços com qualidade de vida, como há em São Paulo, onde existe uma legislação regulamentando os cortiços.

A pesquisa já está feita e revelamos os primeiros resultados durante os “Jogos da exclusão”, mas os dados ainda estão sendo trabalhados. Nossa ideia é dar publicidade a esses dados e cobrar do poder público soluções para essa situação habitacional. Nossa ideia não é a de propor o fim dos cortiços, muito pelo contrário, é reconhecer que os cortiços podem, sim, se constituir em uma alternativa habitacional para uma parte importante da população que precisa e que tem direito ao centro.

Foto: André Motta / brasil2016.gov.br

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