Na Apib
Com a perspectiva de que o novo presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) seja nomeado nas próximas semanas, a Apib encaminhou ao ministro da Justiça uma carta com reivindicações com as quais considera que o novo titular do órgão indigenista deve se comprometer e o perfil que ele precisa ter. Leia abaixo o texto:
Carta No. 51/APIB/2016
Brasília – DF, 22 de agosto de 2016.
Assunto: sobre a Presidência da FUNAI e outras demandas
Ao Excelentíssimo Senhor Alexandre de Moraes, Ministro de Estado da Justiça e Cidadania
Governo Federal, Brasília – DF
Prezado Senhor:
Considerando que compete a vossa excelência a nomeação do Presidente titular da Fundação Nacional do Índio (Funai), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), atendendo a orientação de suas bases, vem por meio da presente externar à vossa excelência as considerações e demandas abaixo, que inclusive ultrapassam os limites do órgão indigenista, em razão de outras políticas públicas voltadas aos povos indígenas.
Reafirmamos, em primeiro lugar, que a Constituição Federal de 1988 avançou significativamente no reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, principalmente no relacionado à posse de suas terras tradicionais e no reconhecimento das identidades culturais diferenciadas (Art. 231) – do caráter multiétnico e pluricultural do país – bem como no fortalecimento da cidadania e autonomia desses povos, ao lhes reconhecer que “são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses “ (Art. 232).
Assim, a Constituição colocou fim ao integracionismo e à tutela. Esse novo ordenamento jurídico brasileiro foi posteriormente reiterado pelos tratados internacionais assinados pelo Brasil: Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e, mais recentemente, a Declaração Americana dos Direitos dos Povos Indígenas. Instrumentos estes que asseguram aos povos indígenas a manutenção da dinâmica própria de seus usos e costumes por meio de uma política indigenista que garanta o respeito a seus direitos coletivos, a demarcação e proteção de suas terras e promova seu desenvolvimento econômico, social e cultural, em novos parâmetros de qualidades diferenciados.
O novo presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) necessariamente deverá ter conhecimento e respeito pleno a esses princípios basilares de garantia dos direitos indígenas, longe do indigenismo integracionista, tutelar, paternalista ou autoritário, junto aos 305 povos indígenas que habitam as distintas regiões e biomas do país, falantes de 274 línguas indígenas diferentes.
O Presidente da Funai, além de ter esse perfil, deverá também estar comprometido com as seguintes reivindicações dos povos e organizações indígenas:
Prezar pelo cumprimento da responsabilidade institucional da Funai que envolve:
- Dar sequência aos processos de demarcação das terras indígenas, instituindo grupos de trabalho (GTs) para assegurar a identificação e delimitação dos territórios indígenas, a fim de serem declarados pelo Ministro da Justiça como terras tradicionais e homologadas pela Presidência da República.
- Cumprir devidamente o seu papel do órgão articulador e fiscalizador junto a outras instâncias governamentais que implementam políticas públicas voltadas aos povos indígenas, principalmente nas áreas da sustentabilidade, da cultura, da saúde e da educação escolar indígena específicas e diferenciadas. É importante registrar que os povos e organizações indígenas são contrários às propostas de municipalização da saúde indígena por serem ilegais e precarizarem mais ainda a atenção básica à saúde dos povos.
- Assegurar a participação dos povos e organizações indígenas na formulação, avaliação e implementação da política indigenista do Estado Brasileiro, considerando o conjunto das mais de 4.800 propostas apontadas pelas bases do movimento indígena durante a construção da Conferência Nacional de Política Indigenista, mas sobretudo as 216 recomendações aprovadas pelas lideranças indígenas participantes do evento, no final do ano de 2015
Por fim, Senhor Ministro, a APIB reitera junto ao governo federal, por meio da vossa excelência, as seguintes reivindicações:
- Compromisso de implementar, com dotação orçamentária necessária, a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas (PNGATI).
- Incidência no Congresso Nacional para inviabilizar a aprovação de dezenas de iniciativas legislativas que tramitam no intuito de suprimir os direitos indígenas, principalmente territoriais, tal e como a PEC 215, assegurados pela Constituição Federal de 1988.
- Sensibilização do Supremo Tribunal Federal (STF) para que interpretações reducionistas do direito originário dos povos indígenas a suas terras, como a tese do “Marco Temporal”, que remete a ocupação tradicional ao ano de 1988, não sejam consolidadas.
- Tomar as medidas cabíveis para colocar fim à violência e criminalização crescentes contra povos, comunidades e lideranças indígenas, pelo simples fato de defenderem os seus territórios da voracidade de invasores de todo tipo (fazendeiros, madeireiros, pescadores ilegais, garimpeiros etc.) e inclusive de empreendimentos governamentais.
O fortalecimento da Funai, com orçamento e quadro de servidores adequados, certamente possibilitará o cumprimento desta agenda, visando uma Política Indigenista contemporizada com o novo marco jurídico nacional e internacional, de reconhecimento, proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas.
Sendo o que tínhamos a manifestar, subscrevemo-nos.
Atenciosamente.
Sonia Guajajara
P / Coordenação Executiva da APIB
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil