A destruição da República

Por Renato da Fonseca Janon*, no Justificando

Era uma terra pacata e distante
Sem cerca, sem grade, sem muro
Até que lá chegou um farsante
Que escondia o passado obscuro

Ele falava em ordem e em lei
Ensinando o povo a ter medo
Fizeram então dele o seu rei
Mas o rei tinha um segredo

É que a força do tirano
Não era espada nem cobre
Não era o grito do insano
Era o silêncio do pobre.

(Soneto da Opressão)

Em algum lugar abaixo da linha do Equador, havia uma terra mítica conhecida como Pindorama. Deitada eternamente em berço esplêndido, tornou-se lendária pelo contraste entre suas riquezas naturais e a pobreza dos seus habitantes. Lá não havia duendes nem gnomos, mas muitos juravam terem visto vampiros. Talvez porque fosse governada por uma aristocracia sem nobreza, que impunha seu jugo por meio da força e do medo.

Nesse reino desencantado, os trabalhadores eram submetidos a um regime de servidão, que muito lembrava o feudalismo. Seu único direito era o de prestar vassalagem aos senhores feudais. Trabalhavam incessantemente em troca de comida e hospedagem. Quando reclamavam, os suseranos respondiam que deviam estar satisfeitos por gozarem de sua proteção.

Até que um dia, cansados de tanta opressão, os trabalhadores se rebelaram e exigiram a proclamação da República. Diante da revolta popular, os nobres pouco puderam fazer e, para não perderem os seus feudos, resolveram aderir ao movimento republicano, fingindo serem democratas.

Mas a nova República não durou muito. Depois de um breve período de prosperidade, uma severa estiagem devastou os campos de Pindorama. E com ela veio a fome e a insegurança. Temerosos do seu futuro, os trabalhadores se apegaram ao único passado que conheciam. Era a oportunidade perfeita pela qual os senhores feudais esperavam para restaurarem a monarquia. Indignados com a perda de seus privilégios, os nobres derrubaram a presidente eleita pelo povo e entronizaram um déspota da sua confiança, que ficou conhecido como o Rei-Fantoche.

Prometiam que, a partir de então, os servos seriam tratados com mais benevolência. Em vez da escravidão, poderiam trabalhar 80 horas por semana. Em vez da chibata, tudo seria resolvido através da negociação, que era muito simples: quem não aceitasse a proposta do suserano, morreria de fome.

Quando questionados, diziam que não era possível pensar apenas nos trabalhadores, porque, afinal, os senhores feudais precisavam de segurança para investir e o direito dos trabalhadores atrapalhava o progresso, ou seja, os servos da gleba eram os únicos responsáveis pela própria servidão. Insistiam que a lei republicana precisava ser revista e que, uma vez restaurado o feudalismo, todos seriam mais felizes porque o povo nasceu para ser governado, e não para governar. Governar era o destino dos nobres. Daí por que era preciso resgatar a tradição medieval. A desfaçatez era tamanha que um proeminente aristocrata, embriagado de arrogância, chegou a dizer que esse negócio de eleições limpas era coisa de bêbados.

Porém, desta vez, os fidalgos tinham aprendido a lição da história e sabiam que precisavam disfarçar a tirania, simulando um regime democrático. Mestres da arte da dissimulação, os aristocratas permitiriam até que o povo votasse para o parlamento, mas desde que os eleitos fossem sempre nomes da confiança da nobreza. Seria o regime perfeito: a monarquia absolutista travestida de um falso parlamentarismo. O povo, feliz por ter participado de supostas eleições, esqueceria a opressão que lhes era imposta.

Duques e barões voltaram a ostentar o luxo dos seus palacetes, enquanto os bobos da corte aplaudiam, com entusiasmo, a própria humilhação.

Definitivamente, havia algo de podre no Reino de Pindorama.

*Juiz Titular da 2ª.Vara do Trabalho de São Carlos.
Foto: Lula Marques /Agência PT

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