Produtos que contêm benzoato de emamectina estão sendo comprados por produtores rurais de oito estados com base em autorização emergencial irregular do Ministério da Agricultura e Pecuária
No MPF
O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça que determine a anulação de uma portaria publicada em 2013 pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). A norma permitiu a importação de agrotóxicos que contêm a substância benzoato de emamectina, que, segundo estudos técnicos, é prejudicial à saúde. A solicitação consta de uma ação civil pública protocolada nessa terça-feira, 30 de agosto, em Brasília e tem como principais argumentos o fato de a medida ferir a legislação – vigente à época da autorização – e a constatação de que, ao agir dessa forma, o órgão permitiu a compra de produtos que não possuem registro no Brasil.
Em 2007, ao analisar pedido de uma multinacional, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já havia negado a liberação por entender que o princípio ativo possui “elevada neurotoxidade” e característica teratogênica”, podendo causar prejuízos irreversíveis à saúde humana, como a má-formação congênita, além de danos ambientais irreparáveis. Na ação, o MPF pede ainda que seja concedida liminar para assegurar asuspensão imediata da importação bem como o recolhimento dos produtos que estejam no território nacional.
No documento enviado ao Judiciário, as procuradoras da República Carolina Martins Miranda e Eliana Pires Rocha fazem um relato das investigações iniciadas em 2013. Em março daquele ano, o Mapa declarou estado de emergência fitossanitária em decorrência do alastramento de uma praga em plantações de algodão e soja. A lagarta helicoverpa armigera atingiu inicialmente as lavouras da Bahia avançando, posteriormente, para outros estados. Na época – após a decretação do estado de emergência – o Mapa convocou o Comitê Técnico de Assessoramento para Agrotóxicos (CTA) para discutir a possibilidade de liberar o uso do ingrediente. No intervalo de cinco dias foram duas reuniões que terminaram com o mesmo resultado: a rejeição do núcleo técnico, o CTA, à proposta da cúpula do Ministério.
Conforme comprovaram as investigações do MPF, o Mapa ignorou os pareceres da área técnica e permitiu a importação, o que foi viabilizado por uma instrução normativa da Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA). A norma estabeleceu os critérios para a compra dos agrotóxicos, dispensou a necessidade de registro do produto junto ao Ministério e ainda transferiu para os órgãos de vigilância sanitária dos estados todo o controle sobre a aplicação do produto, incluindo a elaboração de levantamento fitossanitário e até o acompanhamento da destinação final das embalagens. “Até aqui todo o proceder do Mapa foi contrário à legislação que regulamentava a matéria, vez que, sem qualquer respaldo legal, autorizou, unilateralmente, a importação de produto a base de benzoato de emamectina, ingrediente ativo este que a Anvisa já havia considerado como de alta neurotoxidade, bem como de possível característica teratogênica, negando seu registro” enfatiza um dos trechos da ação.
Mudança na legislação – Ao frisar que, no momento em que permitiu a concessão de autorizações de importação, o Ministério não tinha amparo legal para a medida, as autoras da ação judicial fazem referência a outra estratégia adotada pelo Mapa ainda em 2013: a edição da Lei 12.813, que foi regulamentada pelo Decreto 8.133. A norma abriu espaço para liberações emergenciais temporárias por parte da instância central e superior do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária, de forma unilateral, ou seja, sem o aval do núcleo técnico do Ministério. As investigações revelaram que, o que se seguiu à aprovação da norma, foi a publicação de uma nova portaria, autorizando, mais uma vez, a importação de agrotóxicos que possuem como ingrediente ativo o benzoato de emamectina.
No entanto, como explicam as autoras da ação, nem mesmo a edição das normas poderia justificar a liberação da compra dos agrotóxicos. É que a legislação – inclusive a Lei 12.813 – impõe restrições e pressupostos que precisam ser preenchidos para que haja a liberação. “Não poderá ser concedida autorização emergencial a agrotóxicos e afins que causem graves danos ao meio ambiente ou que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, de acordo com os resultados atualizados de experiências da comunidade científica”, explicam as procuradoras, reiterando que a Anvisa já confirmou a presença de parte dessas características no princípio ativo liberado pelo Mapa. Desde 2013, o Mapa publicou portarias permitindo que produtores rurais de oito estados façam a importação e a aplicação da substância, embora existam outros agrotóxicos já registrados no Brasil capazes de combater a praga efeitos menos tóxicos para o ser humano e para o meio ambiente.
Pedidos da ação – Ao todo, a ação civil pública apresenta cinco pedidos a serem apreciados pelo Poder Judiciário. O mais importante é a anulação da Portaria 1.109/13, que abriu espaço para as importações de agrotóxicos que contenham o benzoato de emamectina. Também foi solicitada a concessão de liminar para haja a suspensão imediata das autorizações de compra. O MPF pediu, ainda, que – caso seja concedida a chamada tutela provisória – que a Justiça já estipule uma multa de R$ 10 mil por dia de atraso no cumprimento da determinação.
Outra solicitação é para que a União seja condenada a informar todos os estados sobre as providências a serem adotadas no sentido de apreender e recolher os agrotóxicos e embalagens que estejam no território nacional. Nesse caso, o pedido é para que a medida seja tomada em, no máximo 30 dias a contar a sentença judicial. O MPF pediu ainda que o Mapa seja proibido de voltar a permitir a importação, manipulação, produção, pesquisa, experimentação, transporte, armazenamento, comercialização e utilização do produto, além da fixação de uma indenização a título de danos morais coletivos, no valor de R$ 250 mil, valor que deverá ser a repassado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.
Um produto perigoso – A ação a ser apreciada pela Justiça Federal traz ainda referências a estudos técnicos e científicos que atestaram os riscos que representam o uso da substância benzoato de emamectina. Os danos são classificados como “incalculáveis e irreversíveis”, podendo atingir tanto a população quanto o meio ambiente. No caso da ameaça à saúde, a ação lembra que o parecer técnico da Anvisa é contundente, ao afirmar que a substância afetou “gravemente todas as espécies que foram submetidas à pesquisa”, causando desde tremores, redução de atividade motora, alterações em tecidos e órgãos até a degeneração de neurônios e má-formação fetal.
No caso dos danos ambientais, é mencionado o fato de se tratar de um agrotóxico não seletivo, cujos efeitos não atingem apenas a praga a ser combatida, mas todas as espécies – vegetais e animais, – que recebam o produto. Como exemplo, são mencionadas análises feitas pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos que concluíram ser o benzoato de emamectina altamente tóxico para insetos, mamíferos, peixes, aves e animais invertebrados aquáticos. Diante do quadro e da falta de estudos conclusivos no Brasil, frisa o MPF, o uso da substância deve ser proibido, em atendimento aos princípios da prevenção e da precaução.