Egon Heck – Cimi Secretario Nacional
“Unir para lutar e unificar para vencer”: Com essa proclamação os jovens indígenas concluíram seu encontro nacional, entre os dias 23 e 28 de agosto, em Luziânia (GO), para dar continuidade em suas aldeias e comunidades ao compromisso assumido.
“Nós somos jovens guerreiros e por nossas terras vamos lutar, espalhar nossas sementes, nossa aldeia germinar. Tentaram nos enterrar, mas se esqueceram que somos sementes, e quem nasceu para viver lutando, não vai morrer de braços cruzados. Por isso reafirmamos que em cima do medo, CORAGEM!”
“Estou ansioso”, afirmava uma das lideranças presentes ao Seminário Nacional da Juventude Indígena. Com razão, diante do complexo e iníquo cenário em que se pretende a todo custo suprimir direitos indígenas, resta-lhes a árdua luta da resistência e afirmação de seus direitos e projetos do Bem Viver.
Enquanto jovens – e vários deles também como professores em suas aldeias – não poderiam deixar de debater a precariedade das escolas indígenas, estando a maior parte delas submetidas a ditames que contrariam a própria Constituição e outras leis que lhes garantem um escola com currículo diferenciado e de qualidade. Essa é uma das lutas que eles vêm sustentando há décadas e certamente continuarão tendo que forjar o processo a partir das realidades de cada aldeia. No Início de outubro se realizará o 2º Forum de Educação Escolar Indígena, que é um espaço de luta que está sendo construído pelos professores indígenas de todo o país. A grande maioria desses professores são jovens e com certeza estarão mutuamente construindo as bandeiras de luta do movimento.
Nesse eixo de formação política, que deverá ser um dos eixos transversais de toda a luta, também discutiram a importância de trabalharem a memória de seus povos, como uma ferramenta, uma arma, um “Porantim”. Ao invés de esperar que historiadores, antropólogos e outros cientistas venham registrar a história dos povos, é importante que os próprios jovens o façam e se capacitem em todas essas áreas do conhecimento e da sabedoria dos anciões.
O Território, enquanto espaço integrador e fonte de vida para os povos, deve ser legalizado e garantido, numa luta contínua contra todas as investidas feitas pelo agronegócio e outros setores poderosos. Terra/território é sagrado, é mãe, é vida, e os jovens afirmam em sua carta: “Apesar de todas as ameaças lutaremos pelas nossas terras, pois somos filhos delas. Dançaremos, cantaremos, rezaremos pois nossa luta é uma luta pela nossa cultura, pela nossa tradição e modo de ser originário”.
Alguns termos que, apesar de preocupantes, ficaram para ser debatidos e aprofundados nas comunidades, dentre a questão da política partidária e eleições. Esse é um desafio histórico que precisa ser enfrentado, não apenas pelos jovens, mas pelas comunidades e movimento indígena. Apesar dos imensos danos que normalmente são causados pelos políticos em suas incursões nos períodos eleitorais, não se vê, no final do túnel, uma saída conjunta e articulada.
Saiba mais e leia a carta da I Assembleia da Juventude Indígena do Nordeste
Saiba mais e leia a carta do seminário Herdeiros da História, Guerreiros da Luta, da juventude indígena da Bahia e Minas Gerais
Saiba mais e leia a carta da Retomada da Aty Jovem (RAJ), da juventude Guarani e Kaiowá
Saiba mais e leia a carta da Encontro da Juventude Indígena da Amazônia
Outro tema que merece maior debate e análise é a presença de inúmeras igrejas dentro das aldeias, várias fundamentalistas, com grandes interferências na cultura e lutas dos povos indígenas por seus direitos. Ficou como sugestão ir fortalecendo as religiões e cultura próprias dos povos.
Quanto ao processo organizativo interno dos jovens indígenas e suas alianças com outros movimentos de jovens em luta, particularmente no movimento popular e populações e povos tradicionais. Isso supõe um trabalho dentro do próprio povo e uma necessária articulação com as comunidades e participação nas lutas de cada comunidade.
Durante o encontro, foram muitos e expressivos os momentos de rituais dos diversos povos participantes. Voltaram para suas comunidades com a certeza de que deram um passo importante na luta pelos direitos dos povos originários indígenas no Brasil.
Leia abaixo a carta do Seminário Nacional da Juventude Indígena:
Nós, Juventude Indígena, reunidos no período de 23 a 28 de agosto de 2016 no Centro de Formação Vicente Canãs, em Luziânia-GO, com representações dos encontros regionais: “I Assembleia de Juventude Indígena do Nordeste” na Aldeia Pedra D’água, Território Xukuru do Ororubá de 21 a 23 de Maio de 2016 no qual participaram jovens da Bahia dos Povos Pataxó, Pataxó Hãhãhãe, Tumbalalá, Tuxá e Tupinambá, de Alagoas os Povos Xukuru Kariri, Katokinn, Koiupanka e Kalankó, da Paraíba os Povos Potiguara e Tabajara, do Ceará os Povos Canindé, Pitaguary, Anacé e Tapeba, do Rio Grande do Norte o Povo Potiguara do Amarelão, e de Pernambuco os Povos Atikum, Entre Serras Pankararu, Kambiwá, Kapinawá, Pankara de Itacoruba, Pipipã, Pankararu, Truká, Tuxá e Xukuru do Ororubá; “Herdeiros da História, Guerreiros da luta” na Aldeia Sapucaeira, Território Tupinamba que aconteceu em 10 a 12 de Junho de 2016 no qual participaram jovens dos Povos Pataxó, Pataxó Hãhãhãe, Tupinambá de Olivença do estado da Bahia e Xakriabá de Minas Gerais; “Retomada Aty Jovem” na Aldeia Paraguasu/Yvy Kuarusu em 20 a 24 de Julho de 2016 no qual participaram jovens do Povos Guarani e Kaiowá do Mato grosso do Sul; “Encontro de Juventude Indígena da Amazônia” no Centro Xare Manaus-AM, de 11 a 14 de agosto de 2016 no qual participaram jovens dos Povos Makuxi, Puruborá, Tembé, Karajá, Kayapó, Jaminawá, Mayoruna, Mura, Sabanê, Dessana, Galibi Maworno, Deni, Huni kui, Arapiun, Munduruku, Wapichana, Arara e Maraguá dos estados do Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima, Pará e Amapá.
Reafirmamos, assim como discutido nos encontros regionais que lutaremos por uma educação especifica e diferenciada dentro das nossas comunidades, com escolas indígenas de estruturas físicas de qualidade e acesso facilitado tendo como objetivo fortalecer o projeto de futuro das nossas etnias. E por uma Saúde específica, que valorize os conhecimentos dos nossos anciões, curandeiros, pajés e a utilização das medicinas tradicionais e espirituais, proporcionando a manutenção dos costumes e tradições de cada povo e preservando as nossas plantas através da pratica do reflorestamento e a preservação das nossas florestas, para assim garantir a morada dos nossos encantados. E também pela permanência e ampliação dos cursos universitários para os povos indígenas do Brasil e que as universidades combatam as inúmeras formas de preconceitos sofridas pelos os estudantes indígenas,
Exigimos respeito a nós, Povos Originários, e a nosso modo de vida que tem sido afetado pelas Mineradoras, REDD, Hidroelétricas, Agronegócio, Madeireiros, Petroleiros, Grileiros, e vários empreendimentos que não respeitaram a Convenção 169 da OIT, pois não realizaram a consulta livre, prévia e informada.
Vamos lutar contra a PEC 215 que propõe um retrocesso nos direitos garantidos na constituição de 1988, entendemos como INCONSTITUCIONAL a utilização do subterfúgio do Marco Temporal pelo poder judiciário. Repudiamos todos os ataques contra os nossos direitos constitucionais através de PEC’s, PL’s, Portarias, Mandados de Segurança ou qualquer medida ou projeto que venha prejudicar e ferir os direitos já conquistados.
Entendemos que existe em curso, para nos intimidar e nos desmobilizar, a criminalização de nossas lutas e nossas lideranças patrocinado pela bancada do Boi, da Bíblia e da Bala hoje existente no Congresso Nacional. Além da constante incitação à violência contra as nossas comunidades partindo de Deputados Federais que são contra a causa indígena por terem suas campanhas financiadas por empresas do agronegócio. Vemos também ataques paramilitares para nos retirar dos territórios sagrados que sempre nos pertenceu.
E apesar de todas as ameaças lutaremos pelas nossas terras, pois somos filhos delas. Dançaremos, cantaremos, rezaremos pois nossa luta é uma luta pela nossa cultura, pela nossa tradição e modo de ser originário. Somarem-nos com nossas lideranças e fortalecidos pela união entre os diferentes povos, principalmente com os mais velhos, estamos aqui reafirmando nosso compromisso e responsabilidade de dar continuidade as nossas lutas já iniciadas por nossos ancestrais.
Propomo-nos “Unir para lutar e unificar para vencer”, pois “Nós somos jovens guerreiros e por nossas terras vamos lutar, espalhar nossas sementes, nossa aldeia germinar”. “Tentaram nos enterrar, mas se esqueceram que somos sementes” , e “Quem nasceu para viver lutando, não vai morrer de braços cruzados”. Por isso reafirmamos que “Em cima do medo, CORAGEM!”
Luziânia/GO, 28 de agosto de 2016
Foto: Marisol Kaiowá (Geniniana)