E se o governador fosse detido antes de protestos para prevenir violência?, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

A Polícia Militar de São Paulo deteve 26 jovens antes da manifestação contra o governo Michel Temer e por eleições diretas na capital paulista. De acordo com o governo estadual, os 18 adultos foram indiciados por associação criminosa, formação de quadrilha ou bando e corrupção de menores.

Nesta segunda (6), o juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo mandou soltá-los por considerar as prisões ilegais. ”O Brasil como Estado Democrático de Direito não pode legitimar a atuação de praticar verdadeira ‘prisão para averiguação’ sob o pretexto de que estudantes poderiam, eventualmente, praticar atos de violência e vandalismo em manifestação ideológica. Este tempo, felizmente, já passou”, afirmou em sua decisão.

”Destaco que a prisão dos indiciados decorreu de um fortuito encontro com policiais militares que realizavam patrulhamento ostensivo preventivo e não de uma séria e prévia apuração de modo que qualificar os averiguados como criminosos à míngua de qualquer elemento investigativo seria, minimamente, temerário”, também escreveu o juiz. Os adolescentes também tiveram a soltura determinada pela Vara da Infância e da Juventude.

Ou seja, que crime os manifestantes cometeram para presos antes mesmo do protesto começar? Resposta: nenhum. Mas o governo do Estado de São Paulo tem outra resposta: nenhum ainda. Sim, a principal razão do ataque foi o risco de causar problemas. Risco na opinião da polícia, é claro.

Mas se alguém é atacado e/ou preso antes de cometer um crime e sem indícios palpáveis de que cometeria um delito, essa pessoa pode ser acusada por este crime uma vez que o motivo que levou à sua prisão nunca ocorreu e muito provavelmente não ocorra? Por aqui, isso pouco importa.

Fiquei quebrando a cabeça para entender como a polícia, sem provas suficientes, tem tanta certeza que aqueles ativistas cometeriam crimes para terem seus direitos fundamentais enterrados. Será que ninguém avisou a eles que o filme Minority Report – A Nova Lei (estrelado por Tom Cruise e dirigido por Steven Spielberg) é uma ficção e não um documentário?

Se aplicarmos a mesma lógica da polícia, de ”prisão para averiguação”, por conta do risco eventual de ”praticar atos de violência e vandalismo em manifestação ideológica”, como afirmou o magistrado em sua firme decisão, podemos deter o senhor governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, antes da próxima manifestação.

Já que o poder público reinterpreta a realidade a fim de deter jovens antes que eles cometam crimes e sem indícios suficientes de que eles sequer ocorreriam, o governador então bem que poderia, eventualmente, ser enquadrado na Lei Antiterrorismo (13.260/2016) – aquela excrescência proposta pelo governo Dilma Rousseff e aprovada pelo Congresso Nacional, que tipifica esse tipo de crime e que, mais cedo ou mais tarde, será usado contra movimentos e organizações sociais.

Diz a lei, em seu artigo segundo: ”O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.”

E um dos atos previstos o artigo é exatamente ”atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa”.

Quem estava no final do protesto deste domingo (4), viu a PM utilizar-se de violência desmedida e desnecessária, com bombas e outros armamentos menos letais, contra os manifestantes sob a justificativa de controlar meia dúzia de pessoas que estariam depredando patrimônio do metrô e dispersar a multidão.

Mas há outra justificativa para isso: o poder público paulista tem discriminado sistematicamente manifestações que não vão ao encontro de suas posições ideológicas.

Quem não se lembra do fatídico 13 de junho de 2013, quando a polícia não fez selfies mas, pelo contrário, lançou bombas de gás, espancou, cegou, sangrou, feriu manifestantes e jornalistas que estavam no protesto pacífico pela redução da tarifa do transporte público?

Se esse tipo de violência institucional não provoca ”terror social ou generalizado”, colocando em perigo pessoas e a paz pública, então nada mais pode ser enquadrado dessa forma.

Então, o responsável final por tudo isso é o senhor governador. Que, portanto, deveria, antes do início de cada manifestação, ser posto sob observação judicial. Vai que ele dá alguma ordem que pode colocar a vida das pessoas em risco… Ou, pior: vai que fica em silêncio e, através de sua inação, deixa a polícia de forma violenta contra uma manifestação pacífica.

O mesmo valeria antes de ações policiais em favelas e comunidades pobres, em que a polícia (porcamente paga, treinada de forma equivocada, maltratada pelo próprio Estado e, muitas vezes, vivendo sob as mesmas condições sociais das pessoas que jurou proteger e que se tornam suas vítimas) age, sob ordens de autoridades, como se estivessem em guerra aberta contra sua própria população. Com o agravante de que a maioria dos mortos nas periferias das grandes cidades são jovens negros. Ou seja, um claro atentado contra a pessoa, por razões de ”preconceito de raça, cor, etnia” – como prevê a Lei Antiterrorismo.

Se for em nome do bem público, que deixemos não apenas o governador, mas também o Secretário de Segurança Pública e comandantes policiais sob vigilância judicial a fim de que violência não seja disseminada enquanto a democracia se manifesta.

A verdade é estamos nos especializando no caminho do terrorismo de Estado, tanto ao criar entraves à liberdade de expressão de manifestações quanto ao reprimir ainda mais o punhado de direitos das comunidades pobres que ainda não foram defenestrados. Ninguém está acima dos artigos da Constituição Federal que garantem direitos fundamentais, nem manifestantes, nem poder público, nem ninguém.

Estamos atravessando um período sombrio, em que ódio e intolerância são mais comuns que diálogo e empatia. É importante que todos os lados envolvidos saibam que podemos perder muito mais do que poder político e a narrativa dos fatos. Podemos retroceder nas regras que garantem que sejamos uma sociedade. Que o futuro tenha piedade de nós.

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