Temer: a volta da censura

Por Flávio Aguiar*, de Berlim – Blog da Boitempo

Golpalha, golpeste, golpífio, golbolha, golpústula, golpulha. Michel Temer diz que não vai tolerar ser chamado de golpista. Pra bom entendedor, meia palavra basta: isto quer dizer que o resto está liberado. Além do elencado acima, continuemos: traidor, nefasto, nefando, vampiro de filme B, exterminador dos pobres e de suas casas, vendilhão da pátria… Não o chamemos de Judas, que é um personagem grandioso e trágico. Temer é pequeno, mesquinho, medíocre, um zero à esquerda no concerto das nações.

Mas não nos iludamos: a frase pomposa e autoritária, significa que a censura está de volta. Logo estarão dizendo o que se pode dizer e o que não se pode. Lembra a tragédia Júlio César, de Shakespeare, em que o Senado acolhe o seu assassinato, e os senadores pedem que Marco Antonio faça a oração fúnebre, mas que não  condene os assassinos.

A oração de Marco Antonio é um modelo para todos que devem agir ou falar sob censura. Imitemo-lo.

Nós sabemos que Temer exige não ser chamado de golpista. E que diz que não há acusação contra ele. E Temer, como Brutus, “is an honorable man”, é um homem honrado, um homem nobre, como diz Marco Antonio sobre o principal assassino de César.

Temer diz que não há problemas em ter feito negociatas de campanha. E Temer, como Brutus, é um homem de honra.

Os que estão com ele, são todos homens de honra. Milhões de coxinhas – todos homens de honra – os ajudaram a golpear as instituições. E são todos, como Brutus, homens de honra, honrados, nobres.

Todo o seu ministério é formado por homens de honra. Que honrarão suas intenções destruidoras e avacalhadoras do patrimônio nacional. São todos homens honrados, como Brutus.

Como Brutus, Cunha é um homem honrado. Como Brutus e Cunha, Jucá é um homem honrado. Como Brutus, Cunha e Jucá, Renan é um homem honrado. Como Brutus, Cunha, Jucá e Renan, Aécio é um homem honrado.

Como todos sabemos, Aécio não construiu aeroporto em casa de parentes, não recebeu propina de Furnas, não tem nada a ver com helicópteros cheios de pó. Por que? Porque como Brutus, Cunha, Jucá, Renan e Temer, Aécio é um homem honrado.

Como todos os outros, o gagá Fernando Henrique é um homem honrado. De tanto pedir que esquecessem  que escreveu ele, de fato, acabou esquecendo. É um homem honrado. Merece a medalha de ouro do esquecimento. E assim será esquecido.

Mas tem mais. Todos sabemos que a Folha de S. Paulo jamais enganou seus leitores. Jamais fraudou pesquisas, nem emprestou caminhonetes para torturar e matar gente. O Estadão nunca conspirou para derrubar Goulart, nem agora, para derrubar Dilma. Estes jornalecos nunca pediram que a polícia baixasse o pau em manifestantes que defendiam a democracia. Não, como Veja, Isto É, Globo, Zero Hora, etc., são mídias honradas.

Todos sabemos que o chanceler José Shell, antes conhecido como Chevron Serra, está agindo em apenas em função dos melhores interesses do Brasil, não de seu afã de, na velhice de sua mente, ser o presidente de um Brasil vendido aos EUA. Por que? Porque Serra é da estirpe de Temer, Cunha, Jucá, Renan, dos mentores e arautos desta mídia acima referida, todos, todos, homens honrados, assim como o nobre Meirelles que, de modo honrado, quer exterminar o futuro da plebe e de seus filhos, deixando-os à míngua em matéria de recursos para a saúde e a educação.

Os deputados e senadores que votaram a favor da derrubada da criminosa Dilma, são gente honrada. Nenhuma acusação pesa sobre eles, só sobre ela. Sabemos que o senador Cristovam Buarque não se vendeu por um cargo de embaixador na Unesco – afinal, podia ser apenas por um retratinho autografado da família Temer. O senador Romário também é um homem honrado: não se vendeu por um carguinho de segunda mão para pessoa sua apaniguada. A senadora Marta se tornou, afinal, depois de muito tempo em más companhias petistas, uma pessoa honrada, pregando até que velocidade alta faz bem para São Paulo.

E que dizer de Janaína Paschoal, esta Madre Teresa da jurisprudência brasileira? Cobrou apenas 45 dinheiros para escrever uma peça que ficará nos anais dos arquivos Silvério dos Reis, junto com seus parceiros Reale Jr. e Bicudo. Tudo gente honrada, da estirpe de Temer, Cunha, Jucá, Renan, José Shell, Cristovam, Marta, Romário, FHC, Aécio…

E ainda temos outros homens honrados: Moro, Gilmar, Janot…

Quanta gente honrada! Honorable people!

Bom, há uma diferença. Ao final da peça de Shakespeare, Brutus, cercado, se mata. O mesmo Marco Antonio que fizera o discurso perante o cadáver de César, o saúda. Diz que todos os assassinos de César eram torpes, mas ele, Brutus, não. Tinha agido por sinceridade. E conclui: “For he was a man”. Fosse woman, seria “woman”.

Poderá se dizer o mesmo dos outros homens e mulheres acima arrolados?

Bom, há honrados e meros ornados por um golpe condenado pelo mundo inteiro. Estes “honrados” estão nus.

*Nasceu em Porto Alegre (RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde atua como correspondente para publicações brasileiras.

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