A educação vai mal. Mas o governo tem a solução: cortar recursos, por Leonardo Sakamoto

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O ensino médio continua mal no Brasil. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) ficou em 3,7 (em uma escala que vai de zero a dez) quando a meta esperada era de 4,3. A nota não varia desde 2011.

Esse é o retrato de 2015, quando estudantes começaram a ocupar escolas em vários locais do país. Só a qualidade do ensino já bastaria para que paralisassem as atividades e forçassem governos municipais, estadual e federal a ouvi-los. Mas, vale lembrar, também estavam protestando contra uma reorganização escolar que não lhes fazia sentido, contra a falta de merenda decente enquanto escândalos de corrupção envolviam o dinheiro da comida escolar e a ausência de estrutura mínima para aprender.

Ao mesmo tempo, o governo Michel Temer está propondo limitar o crescimento dos gastos públicos à variação da inflação. Em outras palavras, só haverá recursos (e olhe lá) para manter tudo como está, sem aumentar o atendimento ou melhorá-lo. As áreas de saúde e educação serão profundamente afetadas caso a proposta seja aprovada pelo Congresso Nacional.

Até entendo o governo Temer querer esse tipo de medida. Afinal de contas, quem não foi eleito preocupa-se menos com o voto da população que (não) o colocou lá. Possui outras prioridades e clientes. Mas o que dizer do povo, que depende da qualidade da educação, seja para educar seus filhos, seja para melhorar o nível educacional dos trabalhadores e da sociedade em que vivemos?

O que dizer de pessoas que enchem a boca o tempo inteiro para defender que a educação é a saída para o país e, em momentos como este, se calam e não reforçam o questionamento ao poder público?

Ou, pior: o que dizer das pessoas que reclamam quando os jovens vão às ruas para protestar contra o fechamento das escolas? Pelo contrário, bradam que ”essa molecada atrapalha o trânsito” (num lugar em que carros são mais importantes que livros e pessoas) e ”não sabe o seu lugar na sociedade” (pois deveriam voltar para o seu canto na periferia ou estar trabalhando).

O silêncio diante da limitação dos gastos públicos em educação e a raiva contra quem protesta me leva a crer que algumas ”pessoas de bem” que carregavam cartazes pedindo ”Mais Educação”, durante manifestações, queriam dizer, na verdade: ”Estou aqui fugindo de um vazio existencial enorme devido a uma alienação completa da realidade e segurar essa cartolina foi o único jeito para eu me sentir pertencente a um grupo social”.

Uma das principais funções da educação deveria ser ”produzir” seres pensantes e contestadores que podem colocar em risco a própria estrutura política e econômica montada para que tudo funcione do jeito em que está. Educar pode significar libertar ou enquadrar.

Em algumas sociedades, pessoas assim, que protestam, discutem, debatem, discordam, mudam são úteis para fazer um país crescer. Por aqui, são vistas com desconfiança, chamadas de mal-educadas e vagabundas e acusadas de serem resultado de uma educação que não deu certo. E, por isso, precisam (os jovens e a própria educação) serem colocados no cabresto.

Quando um professor reivindica melhores condições de trabalho e valorização da profissão, ouvem que “vagabundo que faz greve deveria ser demitido.”

É esquizofrênico reclamar que não há no Brasil quantidade suficiente de força de trabalho devidamente preparada para fazer frente às necessidades de inovação e produtividade e, ao mesmo tempo, chutar feito caixa de giz vazia as reivindicações de professores. Como acham que o processo de formação ocorre? Por osmose?

Quem acredita nisso também repete bobagens como ”a pessoa é pobre porque não estudou”. Pois acha que a pedagogia usada nas escolas e o conteúdo produzido são bons e atendem às demandas e anseios das novas gerações. Acredita que basta estudar para ter uma boa vida e um emprego decente e que uma educação de qualidade é alcançável a todos e todas desde o berço. E que todas as pessoas ricas e de posses conquistaram o que têm sem herança de bens, relações ou influência. Acham que todas as leis foram criadas para garantir Justiça e que só temos um problema de aplicação. Não se perguntam quem fez as leis, o porquê de terem sido feitas ou questiona quem as aplica, muito menos qual o contexto em que tudo isso ocorre.

Você comprou uma TV LED de 60 polegadas e, por isso, sente-se – finalmente – no mesmo patamar dos seus vizinhos que já tinham uma em casa. Consegue se enxergar como um cidadão como nunca antes. Justo, você trabalhou por ela e merece ter esse conforto. Mas está endividado por ter que pagar o plano de saúde mequetrefe que te deixa na mão (porque subiu um pouco na vida, não é mais ”pobre” e não quer enfrentar a fila do SUS). E, ao mesmo tempo, com a corda no pescoço pela dívida contraída com a sua faculdade caça-níqueis de qualidade duvidosa (educação básica universalizou, mas a qualidade não acompanhou). Afinal, você não tinha dinheiro para pagar um bom colégio particular e, portanto, não conseguiu entrar em uma boa universidade pública para fazer aquele sonhado curso de medicina.

Você acredita que qualidade de vida significa apenas ter acesso a eletrodomésticos, carros populares e iogurte como te fizeram crer até aqui?

Imagem: ALAI

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