A política militarizada tem como paradigma o mero enfrentamento pelas armas. Constrói, na categoria dos chamados “bandidos”, um inimigo a ser vencido e exterminado, produzindo um sentimento de guerra na sociedade
Por Anderson Duarte*, especial para a Ponte
O debate sobre a desmilitarização tem sido colocado como uma urgência por alguns políticos, movimentos sociais e, o que pode surpreender, pelos próprios policiais. No entanto, mais importante que mudar a estrutura ou o estatuto de uma única corporação, e como parte de uma transformação mais ampla, é preciso desmilitarizar a política.
O leitor poderia perguntar: o que seria uma política militarizada? A resposta tem relação com o que cotidianamente vemos nos jornais e na TV. A política militarizada tem como paradigma o mero enfrentamento pelas armas. Constrói, na categoria dos chamados “bandidos”, um inimigo a ser vencido e exterminado, disseminando o falso antagonismo entre direitos humanos e segurança pública, como se aqueles fossem um empecilho para que esta se concretize; dessa forma, produz um sentimento de guerra na sociedade.
Além disso, essa política militarizada toma a segurança pública como assunto meramente policial, fazendo com que apenas os profissionais de segurança pública, especialmente da polícia militar, sejam enviados para comunidades completamente abandonadas pelos serviços públicos e sociais, envolvendo-se em uma batalha sem vencedores, sob o pretexto da terrível e fracassada “guerra às drogas”.
A política militarizada tem banalizado as vidas dos policiais e dos moradores das comunidades pobres, que dividem a mesma sorte de desprezo, já que oriundos da mesma classe social
É importante lembrar que a polícia é uma instituição fundamental para a defesa da legalidade e que não existe Estado democrático de direito sem polícia. A política militarizada, no entanto, ao utilizar essa valorosa instituição apenas pelo viés bélico do enfrentamento na tentativa de “pacificação”, tem banalizado as vidas dos policiais e dos moradores das comunidades pobres, que dividem a mesma sorte de desprezo, já que oriundos da mesma classe social. As mortes de policiais – que são trabalhadores e humanos, frise-se – têm se tornado cada vez mais frequentes, o que deveria chocar a todos nós.
Diante desse quadro horrendo, pergunta-se: em que consistiria, então, a desmilitarização da política? Ora, uma política desmilitarizada é aquela cujo foco da segurança pública é a investigação, a inteligência e a prevenção de delitos, e não o combate e a repressão dos crimes somente após o seu acontecimento. É, acima de tudo, aquela que toma a palavra segurança como a designação de algo bem maior do que policiamento ou a não ocorrência de crimes.
A segurança deve ser a proteção do Estado aos seus cidadãos, especialmente nas questões sociais. A fome, as desigualdades, o não reconhecimento de direito fundamentais, o abandono e, principalmente, a criminalização de comunidades e populações inteiras podem culminar em graves problemas de insegurança pública. E não será com medidas penais, como redução da maioridade penal, agravamento de penas e abandono do ideal de ressocialização daqueles que cometem delitos, que eles serão resolvidos.
A segurança, antes de ser pública, deve ser social. Essa é a questão central da desmilitarização da política.
*Policial militar e doutorando em educação brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC)