Por Rafael Carvalho, na A Tarde
Depois de dias intensos de programação, o VII CachoeiraDoc – Festival de Documentários de Cachoeira terminou nesse domingo. O Júri Oficial dividiu o prêmio principal entre os longas-metragens “Taego Ãwa”, de Marcela Borela e Henrique Borela, e “Vozerio”, de Vladimir Seixas, ambos atestando temas sociais urgentes.
O primeiro acompanha a luta do povo indígena Avá-Canoeiro, no interior de Goiás, pela demarcação de suas terras. O filme parte de descoberta dos diretores de fitas de VHS com imagens antigas da tribo. Os cineastas retornam à aldeia para mostrar aos que ainda resistem ali aquelas imagens do cotidiano. É ao mesmo tempo uma forma de resistência e memória.
Já “Vozerio” (foto) acompanha as manifestações políticas que tomaram conta do país nos últimos anos. Elas têm sido, em grande escala, registradas de forma amadora pelos próprios participantes. O filme reúne uma série dessas imagens, de momentos e manifestações diversas, para pensar a força e necessidade do levante popular, sejam os que acontecem nos grandes centros urbanos, mas também aqueles que têm lugar nas periferias.
O filme baiano “Jonas e o Circo sem Lona” ganhou uma menção honrosa do júri. O documentário dirigido por Paula Gomes observa a jornada de um garoto da zona metropolitana de Salvador que monta um circo amador no quintal de casa.
Mas longe de idealismos, o longa sabe ser cru e realista nas dificuldades que esse garoto enfrenta. A infância está ficando para trás, e Jonas confronta-se com os desafios de crescer e ser alguém na vida, a mãe sempre a incentivá-lo a estudar, ainda que o sonho do circo esteja sempre latente nele. E a diretora sabe muito bem acolher essa vontade com carinho, mas sem ignorar sua realidade ao redor.
Tempos sombrios
Questões relacionadas a uma passado histórico sombrio a partir da Ditadura Militar e a violência policial que a sociedade brasileira herdou nos dias atuais são temas de “Orestes”, de Rodrigo Siqueira. O filme venceu o prêmio do Júri Jovem, formado por estudantes do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo (UFRB).
O diretor partiu da narrativa grega escrita por Ésquilo que se mistura a um caso real de uma mulher filha de uma militante política morta pelo regime militar. O diretor parte também de casos reais de pessoas que tiveram parentes mortos por conta da violência urbana na sociedade atual. O longa é um imbricado e complexo jogo de encenação e discussão de temas que repensam o sistema judiciário brasileiro de modo original e sagaz.
Dentre os curtas-metragens, o vencedor escolhido pelo Júri Oficial foi “Nunca é Noite no Mapa”, de Ernesto Carvalho. Com uma proposta muito simples, o diretor utiliza a ferramenta do Google Maps para pensar as transformações da paisagem urbana e os modos de apropriação do espaço, lançando mão de uma narração inteligente e irônica.
Ganhou menção honrosa o curta “Onze”, que denuncia uma das maiores chacinas de jovens negros da periferia de Fortaleza, no bairro de Messejana. O filme é dirigido conjuntamente por coletivos da região.
A programação geral do festival girou em torno de questões políticas muito urgentes: a importância da presença feminina no cinema, a representação da mulher e de jovens negros nas telas, os ensinamentos e luta do povo indígena, a necessidade de questionar os sistemas sociais e políticos do país em momento tão delicado. O VII CachoeiraDoc reforçou seu olhar politizado para a realidade mais imediata da sociedade brasileira contemporânea.
Filmes premiados no VII CachoeiraDoc
Júri oficial
– Melhor longa-metragem: “Taego Awa” (Goiás, 2016, 75 min.), de Marcela Borela e Henrique Borela, e “Vozerio” (Rio de Janeiro, 2015, 98 min.), de Vladimir Seixas
– Melhor curta-metragem: “Nunca é noite no mapa” (Pernambuco, 2016, 6 min.), de Ernesto de Carvalho
– Menção honrosa: “Jonas e o Circo sem Lona” (Bahia, 2015, 81 min.), de Paula Gomes, e “Onze” (Ceará, 2016, 26min), do Coletivo Nigéria, coletivo Zóio e Voz e Vez das comunidades
Júri jovem
– Melhor longa-metragem: “Orestes” (São Paulo, 2015, 93 min.), de Rodrigo Siqueira
– Melhor curta-metragem: “Quem matou Eloá?” (São Paulo, 2015, 24 min.), de Lívia Perez
– Menção honrosa: Procura-se Irenice” (São Paulo, 2016, 25 min.), de Marco Escrivão e Thiago B. Mendonça
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Cena de “Taega Ãwa” – Foto: Divulgação.