Carta de Guapiaçu pelo Rio, pela Vida e pela Dignidade

A Carta Política abaixo foi aprovada durante o IV Encontro Internacional pela Terra e Território, realizado em Cachoeiras de Macacu, Rio de Janeiro.

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Nós somos faxinalenses, vazanteiros, pescadores, ilhéus do Rio Paraná, indígenas Kaigang, Suruí Aikewara e Xavante A’uwê Uptabi Marãiwatséde, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, camponesas e camponeses, trabalhadores da cidade e do campo, agentes de pastoral, educandos e educadores universitários vindos de todas as regiões do Brasil, da Bolívia, Colômbia e Chile, e nos reunimos no Vale do Guapiaçu, em Cachoeiras de Macacu – RJ, entre os dias 14 e 17 de setembro de 2016 para o IV Encontro Internacional pela Terra e Território. Viemos para nos conhecer, narrando nossas lutas e as formas como habitamos, convivemos e cuidamos de nós e de nossos territórios, intercambiando nossas experiências de vida, de produção e organização política. Viemos também para darmos as mãos, nos fortalecendo em nossas lutas.

Fomos muito bem recebidos pela comunidade do Vale do Guapiaçu e pudemos também conhecer algumas das histórias dos homens e mulheres que aqui vivem. São histórias marcadas por diferentes processos de exploração do trabalho e de expulsão que fizeram com que essas famílias viessem para essa região nos anos 1960 e 1970 e passassem a lutar para conquistar essa terra em que vivem hoje. Foi a partir da terra conquistada e reconhecida pelo Estado na forma de assentamentos de reforma agrária que puderam construir uma vida com dignidade, criando suas formas de convivência e auto-organização, produzindo alimentos e água para si e para o abastecimento da cidade, cuidando de sua cultura e da sua memória.

Infelizmente, também soubemos que essa vida se encontra mais uma vez ameaçada pela expulsão, em função de um projeto que desrespeita a comunidade e quer impor a construção de uma barragem no Rio Guapiaçu, a cerca de 100 Km do Rio de Janeiro. Esse projeto, proposto pela Secretaria do Ambiente desse estado, insere-se no conjunto de condicionantes do licenciamento ambiental do Complexo Petroquímico (COMPERJ) e no cenário de “estresse” hídrico do leste da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Esse projeto mente à população do Rio de Janeiro ao afirmar-se como necessário para o abastecimento de parte da cidade, ignorando outras possibilidades alternativas. O projeto esconde que esta barragem teria um curto prazo de validade, pois estudos mostram que em 2035 ela já não seria mais capaz de abastecer a população da cidade, o que reforça sua inviabilidade.

O projeto, que já vem sendo ventilado há 6 anos, ameaça mais de 1.000 famílias em 12 comunidades, oprimindo-as ao trazer-lhes insegurança e constantes ameaças, dificultando que elas continuem com sua vida e sua produção. O projeto reativa as histórias de expropriação, expulsão e violência que já marcam as memórias dos homens e mulheres que aqui vivem. A barragem, se concretizada, inundará 2.100 ha e impedirá a produção de milhares de toneladas de alimentos – aipim, milho, jiló, quiabo, laranja, goiaba, palmito de pupunha, hortaliças e leite – que saem mensalmente do Vale do Guapiaçu para o CEASA do Rio de Janeiro (o que representa 40% do total ali comercializado) e para mais de 70 escolas estaduais como merenda escolar, alimentando nossas crianças todos os dias. Além disso, seriam mais de 15 mil empregos diretos e indiretos destruídos.

O projeto de barragem, na verdade, só atende um único interesse: o do grande capital e seus representantes no governo, eles próprios responsáveis pelo Estudo de Impacto Ambiental que tem se mostrado inconsistente quando confrontado tanto pelo conhecimento local, como por estudos científicos independentes. Os moradores, organizados no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) não se negam a compartilhar a água e apresentaram projetos alternativos para aumentar o volume de água que já é captado pelo sistema Imunana-Laranjal na Bacia Guapiaçu-Macacu para abastecimento do Leste Metropolitano, através de recuperação das nascentes e das matas ciliares e manutenção do rio vivo para garantir água e alimentos para sempre. Estes projetos sequer têm sido considerados pelo governo.

Por todos esses motivos, nós, aqui reunidos no IV Encontro Internacional pela Terra e pelo Território denunciamos que essa barragem é mais uma violência que tem se reproduzido em todo o território nacional e nos solidarizamos e apoiamos a luta das companheiras e companheiros do Vale do Guapiaçu contra ela. Afirmamos que todos os rios devem ser livres e precisam continuar vivos para garantir águas para a vida e não para a morte. Terra e Água não são mercadorias!

Vale de Guapiaçu, 17 de Setembro 2016

ASSINAM ESTA CARTA:

Grupos, Comunidades, Movimentos Sociais, Instituições

  • LEMTO-UFF – Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades, Rio de Janeiro
  • IPDRS – Instituto para el Desarrollo Rural de Sudamérica, Bolívia
  • AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros
  • APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
  • Articulação Puxirão de Povos Faxinalenses – PR
  • Associação Quilombola Brejo dos Criolos – MG
  • Brigadas Populares
  • Comunidade Caraíbas Norte de Minas – MG
  • Comunidade Quilombo do Kalunga – GO
  • Comunidade Quilombola Castainho – PE
  • Comunidades Ribeirinhas do Rio São Francisco
  • CPT – Comissão Pastoral da Terra
  • MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens
  • MCP – Movimento de Comunidades Populares
  • MIQCB – Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco babaçu Movimento dos Ilhéus do Rio Paraná – PR
  • MPP – Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais
  • MST – Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra
  • NETAJ-UFF – Núcleo de Estudos sobre Territorialidades Ações Coletivas e Justiça, Rio de Janeiro
  • Povo Kaingang – PR
  • Povo Suruí-Aikewara – PA
  • Povo Xavante, Terra Indígenas Marãiwatsédé – MT
  • Quilombo Paiol de Telha – PR
  • Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Apodí – RN Via Campesina
  • Xingu Vivo para Sempre

Participantes

  • Alexander Panez Pinto – LEMTO/UFF
  • Alexania Rossoto – MAB
  • Aline Miranda Barbosa – IFPR/LEMTO
  • Alzeir – MAB
  • Amantino Sebastiao de Beija – APF-Faxinalenses
  • Ana Carolina Pordo
  • Angela Massumi Katuta – UFPR
  • Ayala Dias Ferreira – MST/Pará
  • Carlos Walter Porto-Gonçalves – UFF/LEMTO
  • Cledeneuza María Bizerre Oliveira – MIQCB/CIMQCB
  • Cosme Rite – Xavante A’uwê Uptabi Marãiwatséde
  • Daniela Saares da Silva – Movimento Xingu Vivo
  • Dionizio Felipe – MAB
  • Eduardo Barcelos – AGB – GT Agrária
  • Eraldo Da Silva Ramos Filho – UFS
  • Ester Monsonis Ferrer
  • Estevão Tsimitsute – Xavante A’uwê Uptabi Marãiwatséde
  • Fernando Michelotti – UNIFESSPA
  • Francisco Edilsorrneto – STTRA
  • Gabriel Fortunato – UFF/NETAJ
  • Gabriela Dantas – MAB
  • Joao Bejamin Franco – ILHÉUS
  • Jorge Montenegro – ENCONTRA/UFPR
  • José Beserra de Araujo – MCP
  • José Carlos – Quilombo Castaínho – PE
  • Julia Santos Rodríguez Dias
  • Kreta Kaningang – Kaigang/350 Brasil/APIB
  • Laura dos Santos Rougemont – UFF/NETAJ
  • Leandro Bonecini Almeida – UFF/LEMTO
  • Levi – MAB
  • Lina María Hurtado – UFF/LEMTO
  • Lourdes Fernandes de Souza – Associacao Quilombola Kalunga
  • Luciana Miranda de O. Costa – FFP/UERJ
  • Luiz Jardim – UERJ/ AGB – GT Agrária
  • Magno Silvestri – UFMT
  • Manuel Erlano de Sica – MST
  • Marcela Burger Sotto Maior – UFF/LEMTO
  • Marcio Santos – MCP
  • María José Cavalcante – Pastoral da Terra
  • Marina Micos Macieira – FFP/UERJ
  • Mauro Fabiano – MST/RJ
  • Messias – MAB
  • Michel Couto Lopes – UFF/NETAJ
  • Milson Betancourt – UFF/LEMTO
  • Natalia Alves – Brigadas Populares
  • Nelia Rodríguez Souza – Empório do Cerrado
  • Oscar Bazoberry – IPDRS
  • Paulo Alentejano – UERJ/AGB – GT Agrária
  • Pedro D’Andrea Costa – AGB – GT Agraria
  • Plácido Junior – CPT
  • Rosa – MAB
  • Rogerio da Conceição – MPP
  • Roseli Borges da Conceicao – MAB
  • Ruth Bautista Durán – IPDRS
  • Thiago Damas – UFF/NETAJ
  • Verónica Rodrigues – UFF/LEMTO
  • Welton Awayten Suruí – Suruí Aikewara

Adesões devem ser enviadas para [email protected].

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