Temer deveria explicar aos trabalhadores braçais que eles vão dançar, por Leonardo Sakamoto

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Cortador de cana / Servente de pedreiro / Carvoeiro / Roçador de juquira / Operário de frigorífico / Colhedor de fumo / Mineiros / Segurança particular / Gari / Profissional do sexo / Motoboy / Pescador comercial / Trabalhadora empregada doméstica / Caminhoneiro / Costureira / E, sem se esquecer, professor.

Michel Temer quer convocar movimentos que ajudaram no processo de impeachment para a tornar as reformas trabalhista e previdenciária mais palatáveis para a população. Em outras palavras, dourar a pílula da imposição dos 65 anos como idade mínima para aposentadoria e enfiá-la goela abaixo da xepa sem discussão.

Seria mais honesto e corajoso se Michel falasse diretamente, olho no olho, dos trabalhadores braçais que serão os mais afetados pela mudança e explicar que terão que suar mais a camisa em nome da economia e da manutenção da taxa de lucro alheia.

Só não sei qual seria a reação das pessoas que começaram a trabalhar mais cedo que a média da população, muitas vezes como crianças, ao perceberem que terão que ceder ainda mais sua dignidade em nome de um país que está – a bem da verdade – cagando e andando para eles.

Que só lembra de sua existência quando, no limite, entram em greve, por exemplo, colocando em risco o fornecimento de produtos ou de serviços essenciais. E, nesse momento, parte desse país os chama de vagabundos e imprestáveis, como se os empregos mal-remunerados e sem direitos que eles têm fossem um favor da sociedade e não uma mais forma dela explorá-los.

O governo federal está tão afoito para alterar as regras da Previdência que está ignorando o elemento mais importante em todo esse processo: um diálogo que reúne todos os interessados – e não apenas meia dúzia de instituições que dizem falar pelos trabalhadores do país – para encontrar saídas. O país envelheceu, é necessário rediscutir a Previdência. Mas não dessa forma autoritária e atabalhoada.

Por exemplo, é justo que a regra dos 65 anos seja aplicada para as categorias acima citadas, incluindo trabalhadores que entregam o limite de sua força física e desgastam seus corpos, reduzindo seu tempo de vida mais do que outras categorias? Os cortadores de cana, por exemplo, chegam a ter uma vida útil menor do que parte dos escravos no período final da escravidão oficial do século 19 devido ao massacre a que são impostos seus corpos, com mais de 12 toneladas cortadas diariamente.

Por que não propomos a manutenção da aposentadoria atual para essas categorias e subimos para 75 anos a idade mínima para parte dos economistas, advogados e, principalmente políticos? Afinal de contas, o que são 65 anos para nós, que trabalhamos em atividades que nos exigem muito mais intelectualmente?

Topo também para jornalistas, pois, a despeito do fato de que nossa profissão é uma das mais massacrantes, é também uma das quais em que mais encontramos pessoas defendendo de forma acrítica o sistema ao mesmo tempo que são sugadas por ele.

A verdade é que muitos de nós jornalistas, ao tratarmos da Previdência, defendendo a aposentadoria aos 65 para todos e todas sem enxergar que a vida real é feita de nuances e de pessoas, ao invés de estatísticas secas e planilhas, nos despismos da empatia para com o semelhante e nos tornamos escritores de uma ficção científica que não saberemos o final.

Até porque, considerando o estresse que nos mata antes da hora em nossa profissão, muitos de nós nem chegaremos a essa idade para usufruir do INSS.

 

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