No Greenpeace
O governo brasileiro apresentou respostas que não condizem às críticas e orientações do relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU (UNHRC) sobre violações de direitos indígenas. A posição brasileira defendida pela embaixadora Regina Dunlop, em Genebra, na terça-feira (20/9), durante a 33ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (UNHRC), afirma que o processo de licenciamento da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, recentemente arquivado pelo Ibama, incluiu a consulta ao povo indigena Munduruku que seria afetado pelos planos de construção do mega empreendimento. O Brasil discordou do conteúdo do documento em quase todos os pontos.
O procurador da república Camões Boaventura, que atua junto ao Ministério Público Federal em Santarém (PA), e acompanha os processos relativos à construção de hidrelétricas na bacia do Tapajós diz que ficou perplexo com a afirmação. “Dizer que houve consulta prévia é uma mentira cruel. Fiquei perplexo com a fala da embaixadora, que sem nenhum constrangimento mentiu para a ONU, na frente de outros países e organizações”.
“É mentira. Nunca houve consulta livre, prévia e informada ao meu povo. Nós fizemos nosso próprio protocolo de consulta e depois entregamos ao governo em 2015, mas desde lá, nunca mas tivemos retorno deles”, afirma Arnaldo Kaba, cacique geral do povo Munduruku.
Nessa única reunião, foi apresentado um cronograma prevendo a realização da consulta em três semanas. “O que o governo tentou fazer é bem diferente do que diz a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). É impossível conduzir uma consulta prévia livre e informada em três semanas”, afirma Danicley de Aguiar, da campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil. Ao contrário do que diz a legislação internacional, a proposta do governo não previa informar as populações locais – formada por mais de 12 mil Munduruku, além das comunidades ribeirinhas; não possuía uma metodologia para escutá-las de fato nem para incorporar suas considerações no projeto.
“A verdade é que o governo brasileiro tem ignorado a consulta e a participação dos povos indígenas e tradicionais afetados pelos grandes projetos planejados para a Amazônia, sobrepondo os interesses econômicos do setor elétrico aos interesses legítimos dessas populações, sem dar a elas o direito de terem seus pontos de vista considerados no processo de desenvolvimento da sociedade brasileira”, avalia Aguiar.
Negações do governo – A resposta apresentada pela embaixadora brasileira discorda do trecho do relatório que diz que, nos últimos oito anos, desde o estudo anterior da ONU, o Brasil tem registrado “uma inquietante ausência de avanços para a implementação de suas recomendações e na solução de antigas questões de vital importância para os povos indígenas. No atual contexto político, as ameaças que os povos indígenas enfrentam podem ser exacerbadas e a proteção de longa data de seus direitos pode estar em risco.”
À essa crítica, a embaixadora respondeu que o governo Brasileiro não subestima os desafios enfrentados na promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas. Um dos argumentos utilizados foi o número de demarcações já realizadas. Segundo ela, 462 terras indígenas estão demarcadas, o equivalente a 103,9 milhões de hectares, 12,2% do território nacional.
A embaixadora, no entanto, não falou nada sobre planos do governo para agilizar a demarcação das 654 terras indígenas, que de acordo com dados levantados pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) , aguardam por atos administrativos. Esse número corresponde a 58,7% do total das 1.113 terras indígenas do país.
“Os avanços citados pela embaixadora não podem ser encarados como dádivas do governo brasileiro. Ao contrário, foram duramente conquistados com a mobilização permanente do movimento indígena do Brasil, a custo de muito sangue derramado. O Brasil e o mundo não podem mais tolerar que os interesses corporativos violem ou suprimam direitos conquistados pelo nosso povo ao longo de séculos”, disse Sônia Bone Guajajara, representante da Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib).
Funai – Em sua resposta, à recomendação da ONU para fortalecer instituições públicas como a Fundação Nacional do Índio (Funai), a embaixadora disse que o Ministro da Justiça [Alexandre Moraes] vai trabalhar para aumentar a verba da autarquia em 2017. No entanto, a proposta orçamentária do governo para o próximo ano prevê um teto de R$ 110 milhões para despesas discricionárias (aquelas que não consideram despesas obrigatórias com pessoal e benefícios), o menor orçamento da Funai nos últimos dez anos, de acordo com o CIMI.
“O governo brasileiro precisa acatar as recomendações do relatório sob pena de agravar ainda mais a conjuntura de violações contra os direitos indígenas do país”, diz Aguiar. Para cessar as violações constatadas pela ONU, o Brasil precisa urgentemente deter o avanço da violência física contras as populações indígenas, que, em 2015, gerou 137 assassinatos de indígenas em todo o país, segundo dados oficiais da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e do Distrito Sanitário Especial Indígena do Mato Grosso do Sul (Dsei-MS), publicados pelo CIMI.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Flávio Bittencourt.
Menino Munduruku. Foto de Fábio Nascimento /Greenpeace.