Como as redes sociais são usadas para conquistar seu voto nas eleições, por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

Durante as eleições de 2014, fiz uma reportagem que mostrava como campanhas eleitorais estavam se utilizando de perfis falsos em redes sociais que, interagindo com eleitores, conseguiam dar ou tirar votos de determinados candidatos. Isso é muito mais refinado e vai muito além do que o uso de robôs postando a mesma mensagem através de centenas de contas no Twitter, por exemplo. Achei que valia a pena retomar esse texto nesta véspera de domingo eleitoral em todo o país. Afinal de contas, é importante saber que, às vezes, formamos opinião debatendo com um profissional pago com o objetivo de nos convencer. Custe o que custar.

Imagine que um dia você descubra que uma grande amiga das redes sociais, que, assim como você, viajou para Buenos Aires no ano passado, casou-se em abril em uma festa na praia, curte rock das antigas e tem um labrador caramelo, seja, na verdade, um jovem universitário barbudão contratado por uma campanha com um único objetivo: te convencer a votar na candidata X ou no candidato Y.

Agora imagine que esse jovem controle, além da sua amiga loira bonita de olhos azuis, outros cinco perfis, que possuem vidas, sonhos e histórias próprias, tudo criado para esse mesmo fim.

Como diria Morpheus, o icônico personagem de Laurence Fishburne, da trilogia Matrix: O que é real? Como você define o real?

Todo mundo já ouviu histórias de perfis em redes sociais que existem para promover ou desconstruir reputações e que são controlados por profissionais. Então, acredite, tudo o que vocês podem ter ouvido não é nada comparado com a realidade.

Ao contrário do que se pensa, os trolls raivosos que babam e cometem ignomínias são uma parte pequena e boba desse processo. Os profissionais não ficam elogiando cegamente seu candidato ou atacando loucamente o adversário, mas são guiados por pesquisas comportamentais e pela análise da estratificação da população, desenvolvem equipes de ”semeadores de ideias” para atingir os eleitores e usam softwares capazes de detectar a difusão de opinião na web, para agir imediatamente, barrando o que é ruim e promovendo o que é bom.

O que uns chamam de ”trolagem”, na verdade, é uma ciência.

Consegui entrevistar um dos fundadores de uma dessas empresas, que me explicou como funciona o processo.

Paulo (é óbvio que o nome foi alterado para preservar sua identidade) é diretor de uma empresa especializada na construção de reputações na internet. Seu trabalho é fazer com que marcas, sejam elas de empresas ou pessoas, tornem-se não apenas conhecidas, mas também respeitadas e admiradas. Em períodos eleitorais, campanhas políticas o contratam para fazer o mesmo por seus candidatos. Atua em duas frentes: na principal e visível, ele ergue o político contratado. E, secundariamente e com máxima discrição, desconstrói o discurso de seus adversários.

Os dois grupos – de construção e desconstrução – atuam de forma independente e separados um do outro em uma campanha eleitoral. No primeiro, os perfis usados são reais, de pessoas da sua equipe. No segundo, um grupo de cinco pessoas controla meia dúzia de perfis cada – perfis criados especialmente para isso.

Quem elogia não bate. Quem bate não elogia.

As duas equipes são chamadas de ”seeders” (semeadores, em inglês) e têm o objetivo de disseminar conteúdo sobre os candidatos como pessoas comuns fariam.

Uma coisa é uma fanpage de um candidato distribuir notícia. A outra é uma pessoa comum fazer isso circular, interagindo e debatendo com os outros internautas sobre aquele conteúdo, demonstrando dúvidas, avançando, retrocedendo, construindo junto. Essa relação humanizada é o que torna eficaz a conquista de votos.

Paulo realiza constantemente um mapeamento digital das páginas que tratam de política, sejam elas de veículos jornalísticos, pessoas ou instituições, e do comportamento delas. Os seus semeadores se conectam a essas páginas e a uma série de outras listas e grupos – cada perfil chega a participar, muitas vezes, de 100 ou 200 listas de discussão ao mesmo tempo.

Ferramentas digitais possibilitam que comentários feitos por esses perfis, verdadeiros ou fakes, sejam publicados em todas essas listas ao mesmo tempo, disseminando informações positivas sobre o seu candidato ou negativas sobre o adversário. Nesse ponto, ele faz questão de ressaltar que não faz trolagem violenta ou mentirosa. ”Não dissemino calúnia, nem invento histórias.”

Até porque, segundo ele, isso traz outro problema. Sua empresa não é a única que presta esse serviço no mercado. Paulo explica que, durante a campanha, uma das empresas contratadas pela candidata adversária fazia a mesma coisa que ele. É possível, usando algumas ferramentas, detectar a repetição de postagens em perfis semelhantes e, através da checagem de IPs, perceber que se trata de perfis fakes. Quando isso acontece, esses perfis podem ser denunciados para a rede social, que os tira do ar. ”Durante esta campanha, tiramos vários perfis falsos da campanha da adversária do ar, mas eles não conseguiram tirar nenhum nosso.”

Antes, segundo ele, eram necessárias de 30 a 40 denúncias para derrubar um perfil falso. Hoje, com apenas duas o Facebook – a principal plataforma onde ocorre essa disputa digital – já solicita para o perfil alguma forma de comprovação de que ele realmente pertence a uma pessoa de carne e osso.

O rastreamento de um perfil falso nem sempre é simples. Muitas vezes, os seeders atuam via acesso remoto – através de seus computadores, eles se conectam a uma máquina virtual que está em outro país (normalmente que não possui legislação para liberação de informações compatível com as leis brasileiras). Nada fica registrado no terminal por aqui, garantindo segurança e anonimato.

Opta-se também por utilizar sistemas que interpõem dezenas de roteadores ao servidor de origem. Ou seja, mesmo que consigam descobrir o servidor de postagem, ele não é o que foi utilizado realmente pelo operador.

Existe toda uma ciência por trás da criação e manutenção de perfis. Bons perfis não são criados da noite para o dia e desativados após as eleições. Existem indefinidamente, com suas vidas próprias, sendo alimentados constantemente pelos profissionais contratados por essas empresas. Dessa forma, parecem ser pessoas reais, com gostos, medos, preferências, preconceitos, virtudes, enfim, como você e eu.

Sim, alguns de seus amigos digitais, talvez algum daqueles que você nunca viu pessoalmente, podem existir apenas na rede social com o objetivo de te vender algo ou alguém.

A criação desses perfis não é aleatória mas decorrente de análises de grupos sociais. Pode ter um Lineu, uma Nenê, um Tuco, uma Bebel, um Agostinho e até um Beiçola, com suas características e personalidades. De acordo com cada área de atuação, muda o grupo de perfis. E, como já disse, eles se casam, fazem aniversário, torcem para times de futebol, participam de grupos e fazem amigos.

Uma curiosidade: segundo Paulo, quanto mais esteticamente bonito for o personagem do perfil fake, seja homem ou mulher, mais amigos e amigas consegue conquistar.

Cada um dos ”operadores” dá vida a um grupo de perfis, incorporando os personagens. Entre os contratados para a tarefa, estão estudantes universitários com excelente texto e cultura geral, com boas sacadas e resposta rápida, capazes de convencer através de sua atuação. Recebem em torno de R$ 5 mil/mês no período eleitoral, quando o trabalho é mais intenso.

As táticas são as mais variadas no caso de desconstrução. Para entender até onde vai o nível de refinamento, há casos em que os seeders passam a campanha inteira, ou seja, meses, apoiando loucamente o candidato adversário e lutando por ele contra o seu próprio candidato.

Um pouco antes da eleição, o perfil começa a refletir, junto às listas de discussão do qual faz parte, que aquela proposta de educação do adversário, por exemplo, é interessante. Aos poucos, vai alterando a sua opinião, expondo publicamente essa reflexão de mudança, até que se convence que o melhor é, na verdade, o próprio candidato contratado pela empresa. Vira a casaca publicamente e traz muitos votos consigo.

As pessoas que se identificavam com ele e também estão cheias de dúvidas acreditam que ele passou por um processo genuíno de convencimento baseado em fatos e vão junto com ele.

Se não acredita que esse comportamento de manada funcione, uma sugestão: vá para uma praça no centro de São Paulo com um grupo de uns dez amigos e comece a tirar fotos com um deles como se ele fosse uma celebridade. Finjam que nenhum de vocês conhece um ao outro. Verá que, em pouco tempo, aparecerá uma ou duas pessoas que, mesmo desconhecendo o sujeito, também vão querer ser fotografadas com ele.

Segundo Paulo, a difusão de conteúdo na internet baseia-se em dois pilares: relevância (você precisa ser bom naquilo que fala) e autoridade (as pessoas precisam reconhecer isso, através de links, curtidas, compartilhamentos). ”Nós criamos autoridade”, explica.

Por vezes, os perfis – tanto os reais da equipe de construção, quanto os fakes da equipe que atua na desconstrução, se juntam para corroborar uma opinião do grupo – ou apoiar ou criticar fortemente a opinião de alguém de fora. Questionamentos fortes não ficam sem resposta, nunca, principalmente se, no mapeamento, a página ou perfil que postou a informação possui relevância na rede e é formador de opinião.

Essa é apenas uma pontinha de um imenso iceberg que é a atuação de uma campanha na internet. O interessante é que praticamente todos os candidatos a cargos relevantes usam esse serviço, para construir, para se proteger, para desconstruir. E elas causam um impacto gigante. ”A internet tem um melhor custo-benefício que a TV e, hoje, causa muito mais impacto para uma campanha, mas recebe bem menos recursos”, afirma Paulo.

Para ele, desconstruir reputações é mais fácil, sempre, do que construir. Mas não se desconstrói uma reputação com musculatura em pouco tempo, ou seja, no tempo de uma eleição. A credibilidade de um candidato, o seu patrimônio político, é garantido pela importância do que ele faz e pelo reconhecimento público disso. Esse tipo reconhecimento, estruturado em rede, não se constrói do zero ou se destrói profundamente de um dia para outro.

”Se os políticos fizessem apenas metade do que deveriam fazer já estavam reeleitos. O problema é que gastam milhões durante a campanha eleitoral para convencer os outros que fizeram o que realmente deveriam ter feito. São muito burros”, avalia.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

20 − quatro =