Nour El-Youssef – RioOnWatch
No domingo, 25 de setembro a Vila Autódromo organizou mais um evento Ocupa Vila Autódromo celebrando a memória, resistência e esperança da comunidade. Localizada na beira do Parque Olímpico na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, a comunidade enfrentou a remoção e a demolição de suas casas pela prefeitura durante os anos que antecederam os Jogos Olímpicos de 2016. A batalha de resistência da comunidade foi árdua e longa. O resultado foi a remoção de cerca de 700 famílias. No entanto, com protestos fortes e persistentes, 20 famílias foram capazes de permanecer no local original e agora moram em casas construídas pela prefeitura.
Durante todo este processo, a comunidade e os seus apoiadores organizaram regularmente eventos “Ocupa” para proporcionar um espaço de resistência e também de cura para tantos traumas causados pela constante ameaça de remoção. Agora os encontros na comunidade reúnem as 20 famílias que ainda residem na Vila Autódromo e também algumas que foram reassentadas, além de vários apoiadores que resistiram ao lado dos moradores ao longo dos anos que também participaram do evento.
A rede de solidariedade da Vila Autódromo é de grande alcance, e inclui professores e estudantes de várias universidades no Rio, parcerias com outras comunidades que viveram a remoção, mídias alternativas no Brasil e jornalistas internacionais, comunidades indígenas, e várias organizações culturais que durante os mais obscuros momentos proveram música ao vivo, oficinas sobre fotografia e pintura ou mesmo aulas de como andar de perna de pau.
A força dessa rede de solidariedade era palpável no evento de domingo: “Cada visita é como se a gente estivesse recebendo um presente de Deus”, explica Maria da Penha, moradora da Vila Autódromo, que tem desempenhado um papel de liderança significativa na mobilização da comunidade e na resistência. “Nós temos uma parceria em confraternizar, a gente consegue compartilhar. Nos momentos mais difíceis eles [os apoiadores] vieram e ocuparam a Vila. Nós conseguimos ter laços, muito mais que apoiadores; temos amizades… Eles gritaram juntos conosco ‘eu sou Vila Autódromo’, eles compram a camisa e vestem. Hoje têm várias pessoas que não são da Vila. A Vila Autódromo é deles todos, é de todos nós”.
A primeira ocupação cultural aconteceu em agosto de 2015 e uma segunda em dezembro do mesmo ano. A ideia veio do diálogo entre moradores da Vila Autódromo e apoiadores externos que acompanharam a resistência durante vários anos. Os objetivos destes eventos são vários: começaram, pela primeira vez, como um ato de protesto contra a remoção da comunidade pela prefeitura, e para dar visibilidade ao movimento, mas evoluiu para algo que se tornou um espaço de cura, celebração e construção comunitária. “Todo mundo trazia lanches, bebidas, ou convidavam uma banda que conheciam… Para cada 20 moradores que vinha havia 100 apoiadores. Nós perdemos nossos vizinhos [que foram removidos], tivemos apressão da prefeitura, mas em conjunto com os nossos apoiadores, conseguimos realizar este evento; gostamos de dançar e cantar”, explicou Maria da Penha.
Além dessas atividades, a relação entre moradores e apoiadores também deu origem ao Museu das Remoções, uma exposição ao ar livre dentro da comunidade que documenta a história e a identidade da Vila Autódromo. Diana Bogado, arquiteta e professora da Universidade Anhanguera em Niterói e uma das co-fundadores do museu explica que “[o Museu das Remoções] é uma prova que a luta pela moradia vale a pena. O museu se propõe a fazer essa denúncia. A luta agora está um pouco entorno do museu, trazer memória para a Vila, servir de um núcleo de união para mais comunidades lutarem”.
Apesar da chuva constante no domingo, as festividades começaram no início da manhã com a missa na igreja da comunidade, seguido da feijoada caseira de Maria da Penha e um churrasco. Com muita música, as crianças e as gerações mais velhas comemoraram. À noite, houve uma exibição do filme recém-lançado Olympia, que mostra a corrupção no Rio e o impacto dos Jogos Olímpicos em comunidades marginalizadas, e inclui testemunhos e filmagens dos moradores da Vila Autódromo.
Luiz Cláudio Silva, marido de Maria da Penha, concluiu o evento recitando um poema que ele escreveu sobre a história da Vila Autódromo, levando muitas pessoas na sala às lágrimas. No trecho a seguir, Cláudio faz uma homenagem à parceria e solidariedade entre os moradores e apoiadores:
“A nossa comunidade gerou uma grande resistência,
Que através da persistência conseguimos várias influências,
Com a ajuda de Deus alçamos vôos bem distantes,
Graças aos apoiadores e a nossa luta sempre constante
Onde a nossa relação foi sincera e de muito respeito,
Cada um fazendo o que podia dentro de suas limitações
Todos foram muito importantes no processo das remoções
Quando menos se acreditava a Vila ressurgia
Perdemos várias batalhas mas a guerra persistia.”
A noite terminou com um abraço caloroso, coletivo, com muitas vozes gritando em uníssono: “Viva Vila Autódromo!”.